Recusa do American Museum of Natural History em sediar homenagem expõe repúdio ao presidente, no mundo da cultura e pesquisa. No Brasil, Carta de Sobral marca início da luta contra agenda obscurantista do governo
Por Luiz Marques*, do Jornal da Unicamp, no Outras Palavras
Há muita coisa importante e positiva ocorrendo na luta global para atenuar o colapso ambiental em curso. Além do movimento Fridays for Future que continua ativo, a semana foi marcada pela ação de desobediência civil não violenta do Extinction Rebellion, no Reino Unido.
O movimento foi lançado em outubro de 2018 a partir da campanha Rising Up! e está crescendo, conseguiu organizar manifestações de grande impacto nos últimos dias em Londres e é um exemplo do fortalecimento do ambientalismo anticapitalista. Entre os 100 eminentes signatários de seu segundo manifesto estão Noam Chomsky, Naomi Klein, Bill McKibben, William Ripple e Vandana Shiva. Sua ideia central vai ao coração da agenda de nosso tempo: [1] “Se o capitalismo corporativo global continuar a dirigir a economia internacional, uma catástrofe global é inevitável. (…) Devemos coletivamente fazer o que for necessário, de forma não violenta, para persuadir políticos e líderes empresariais a renunciarem à sua complacência e denegação”.
Outro exemplo importante do fortalecimento do ambientalismo político é a humilhação infligida pela comunidade científica, também na semana passada, a Bolsonaro e aos endinheirados que o elegeram. A Brazilian-American Chamber of Commerce (nada a ver com a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, como esta frisa em seu site) [2] nomeou Jair Messias Bolsonaro “Personalidade do Ano”, em “reconhecimento por sua enfática intenção de fortalecer os laços comerciais e diplomáticos entre o Brasil e os EUA”. Tradicionalmente, o espaço que abriga os cerca de mil convidados (ao custo de US$ 30 mil per capita) para o jantar de gala que marca essa cerimônia, prevista para o dia 14 de maio, é o famoso Hall of Ocean Life, do American Museum of Natural History (AMNH) de Nova York. Pela cessão do espaço, o Museu recebe em geral uma polpuda contribuição, importante para a gestão de seu orçamento.
But… not him! Em 15 de abril, o AMNH fez saber em seu site oficial que prefere abdicar desse recurso. Decidiu que sua sede “não é a locação ideal para o jantar de gala da Brazilian-American Chamber of Commerce”. [3] Em princípio, sua direção postula certa isenção em relação ao perfil ideológico de seus doadores e contratantes. Em 2017, por exemplo, ela incluiu em seu Conselho ninguém menos que Rebekah Mercer, uma benemérita do Museu, mas também uma alavanca importante da campanha de Trump e de think tanks como o Heartland Institute e a Heritage Foundation, notórios por sua militância nas hostes do negacionismo climático. A incoerência salta aos olhos, mas há aqui uma óbvia atenuante: se o Museu de História Natural e os Museus em geral só aceitassem dinheiro de corporações e de milionários com um perfil minimamente iluminista, eles morreriam à míngua.
Isso posto, tudo tem limite e acolher Bolsonaro, figura emblemática da ignorância e do desprezo pela ciência, excede todos os limites da dignidade de uma instituição científica. Quando o Museu cedeu seu espaço para o evento ainda não sabia quem seria o homenageado. Tão logo soube, manifestou sua consternação: “Queremos deixar claro que o Museu não convidou o Presidente Bolsonaro. Ele foi convidado como parte de um evento externo. Entretanto, estamos profundamente preocupados com os objetivos afirmados da atual administração brasileira”. Em resposta a uma indagação da Folha de São Paulo, a assessoria do AMNH declarou que a homenagem prestada pela Câmara do Comércio não reflete as posições do museu em relação à proteção da Floresta Amazônica. [4] Por certo, o Museu não tomou a decisão de fechar suas portas a Bolsonaro e a seus milionários sem ouvir o clamor generalizado contra essa gala infame, a começar por uma petição em rede, cujo texto, muito bem elaborado, cita trechos do site do próprio Museu:
“’O AMNH é ‘uma das instituições científicas e culturais mais proeminentes do mundo (…) [que] desde a sua fundação em 1869, (…) avançou sua missão global para descobrir, interpretar e disseminar informação sobre culturas humanas, sobre o mundo natural, e do universo através de um vasto programa de pesquisa científica, educação e exposição’. Em oposição direta a esses valores, Jair Bolsonaro e seu governo estão adotando uma forte agenda anticientífica no Brasil, reduzindo o financiamento de pesquisas, ameaçando a educação pública e reduzindo a regulamentação ambiental a um nível sem precedentes na história brasileira. Ao aceitar sediar o evento, o AMNH contradiz seus princípios e seu papel como uma das principais instituições científicas do mundo.’
A campanha política de Jair Bolsonaro foi impulsionada, entre outras questões, por um discurso abertamente anticientífico. Durante a campanha política de 2018 e durante os primeiros cem dias de seu governo, professores, universidades e instituições de pesquisa foram sistematicamente ameaçados e assediados pelo presidente e seus aliados. O governo Bolsonaro reduziu o orçamento federal para Ciência e Tecnologia em 42,27%. Seu governo também elogiou publicamente o fascismo e expressou nostalgia pelo antigo Regime Militar no Brasil: uma tendência preocupante que representa um grande perigo para a liberdade de expressão, um dos principais pilares do desenvolvimento científico da sociedade.
A natureza anticientífica do governo de Bolsonaro está bem representada nas opiniões de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que afirma que a mudança climática é uma invenção baseada em ideias “marxistas” e “globalistas” e ameaça abandonar o Acordo de Paris. Além disso, o Ministério da Agricultura de Bolsonaro autorizou o uso de 152 novos agrotóxicos, muitos dos quais são proibidos em outras partes do mundo, pois considerados cancerígenos. O governo também transferiu a responsabilidade de regulamentar demarcações de reservas indígenas, políticas ambientais e climáticas, educação ambiental e gestão de recursos hídricos para o Ministério da Agricultura, que trabalha pelos interesses do agronegócio. Essa mudança representa uma ameaça à proteção do ambiente já em perigo, dos direitos humanos e da biodiversidade do Brasil, incluindo a Floresta Amazônica.
Acreditamos que a ciência, a tecnologia e a educação são elementos fundamentais para a constituição de uma sociedade livre e democrática. Acreditamos que a descoberta, interpretação e disseminação de informações sobre as culturas humanas e o mundo natural dependem da proteção de nossos recursos naturais e do respeito pelas populações indígenas. Esperamos que o AMNH não deixe sua reputação ser manchada, associando-se a uma figura como Jair Bolsonaro, famoso por seu obscurantismo e seus ataques contra a ciência, os direitos humanos e a natureza.” (AQUI)
Além disso, pesquisadores do corpo científico do AMNH ameaçaram se demitir, caso o Museu não cancelasse o evento. Paige West, diretora do Ecology and Culture University Seminar na Columbia University e ex-Presidente da seção de Antropologia e Meio Ambiente da American Anthropological Association, mandou o seguinte recado em seu twitter à direção do Museu: “Se isso acontecer, eu me demitirei da posição de pesquisadora afiliada ao Museu e organizarei um boicote dessa instituição com todas as pessoas que eu conheço em antropologia. Vocês deveriam se envergonhar”.
Também os funcionários do Museu escreveram uma carta aberta à presidente da instituição, Ellen V. Futter, afirmando que lavar as mãos nesse caso seria entrar “em direto conflito com os valores do museu”. E afirmaram: [5]
“Pretendemos protestar tão alto e tão longamente quanto for preciso para que o Museu cancele este evento. Pedimos ao povo da cidade de Nova York que se levante em defesa de nossa luta para colocar Bolsonaro FORA do American Museum of Natural History!”
O próprio prefeito de Nova York, Bill de Blasio, afirmou achar “realmente perturbador” (really troubling) que uma instituição beneficiária de fundos da Prefeitura recepcionasse esse evento. [6]
Persona non grata
O caso teve, como não poderia deixar de ser, uma repercussão internacional e foi objeto de matérias em praticamente todos os grandes jornais da Europa. [7] Que, por sua aberta hostilidade aos consensos científicos, Bolsonaro seja considerado pelos cientistas e instituições científicas do mundo persona non grata, eis algo que fortalece o ânimo de todos os brasileiros dispostos a defender os valores mais caros à ciência e à democracia: a vontade de aprofundar e compartilhar o conhecimento do mundo, o respeito à ideia de verdade e o ideal de justiça social. A Nature dedicou ao presidente do Brasil vários artigos e editoriais. Em 5 de dezembro (n. 564, 39), a grande revista britânica publicou um artigo de Maria Demaria Venâncio, da Universidade Federal de Santa Catarina, Kamila Pope e Stephen Siebe, ambos do Leibniz-Centre for Agricultural Landscape Research de Müncheberg (Alemanha), com um título que dispensa comentários: “O novo governo do Brasil ameaça a segurança alimentar e a biodiversidade”. O editorial de 30 de Outubro tem por título: “Brazil’s new president adds global threat to science” (O novo presidente do Brasil acrescenta uma ameaça global à ciência): o Brasil elegeu “um demagogo de direita com uma agenda anti-ambientalista” (a right-wing demagogue with an anti-environmental agenda). Essa agenda, prossegue o editorial, “enfrentará uma intensa oposição interna e internacional. (…) Os cientistas em toda a parte devem acrescentar suas vozes aos protestos” (Scientists everywhere should add their voices to the protests). Sim, a Nature convoca os cientistas do mundo todo a se unirem contra Bolsonaro.
Em 16 de outubro de 2018, foi a vez da Science, a revista igualmente prestigiosa da American Association for the Advancement of Science, publicar um artigo de Herton Escobar que bem capta a preocupação da comunidade científica, expressa por exemplo, na declaração de Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e renomado pesquisador na área das mudanças climáticas globais e meio ambiente na Amazônia, além de membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da World Academy of Sciences (TWAS): “Penso que estamos a caminho de um período muito sombrio na história do Brasil. Não há razão para dourar a pílula. Bolsonaro é a pior coisa que poderia acontecer para o meio ambiente”. [8]
As revistas New Scientist e Scientific American, as mais prestigiosas publicações de divulgação científica em língua inglesa, têm dedicado muitos artigos de denúncia a Bolsonaro. Em 29 de outubro, a New Scientist publicou um artigo de seu habitual articulista, Michael Le Page, intitulado: “Brazil’s new president will make it harder to limit climate change” (O novo presidente do Brasil tornará mais difícil limitar as mudanças climáticas). Ele cita a declaração de Christopher Dick, PhD de Harvard e Professor de Ecologia e Biologia Evolucionária da University of Michigan, além de diretor do Herbarium dessa Universidade: “Este é um cenário de pesadelo”. A Scientific American repercutiu um artigo publicado na Climatewire pela jornalista científica, Jean Chemnick, que se inicia com essa advertência: “Brazil’s new president could spell disaster for the Amazon rainforest” (O novo presidente do Brasil pode significar desastre para a floresta amazônica). [9]
A “Carta de Sobral” e o “Ciência ocupa Brasília”
Em 30 de março último começou a reação da ciência brasileira contra a ignorância militante do governo Bolsonaro. Na Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Sobral, realizada nos dias 27 – 30 de março, com mais de 3 mil pessoas, nasceu a “Carta de Sobral”, cujo texto, um sinal histórico vital da ciência no Brasil, deve ser aqui repercutido na íntegra:
Carta de Sobral
Sob o Sol de Sobral: por uma educação básica de qualidade, pela ciência e pela democracia
“O problema imaginado por minha mente foi solucionado pelo céu luminoso do Brasil” [Albert Einstein, 1925]
A SBPC e os participantes de sua Reunião Regional, realizada em Sobral entre os dias 27 e 30 de março, se manifestam firme e decididamente em defesa da educação pública de qualidade, da ciência e da democracia no País.
Comemoramos neste ano o centenário do eclipse solar de 1919, cujas observações, feitas em Sobral, foram decisivas para a confirmação da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, que alterou profundamente a ciência e a nossa visão do Universo. Deste município do Ceará, Terra da Luz – primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão –, vem, ainda, o exemplo notável de melhoria significativa no desempenho dos estudantes das escolas básicas, um processo que foi construído a partir de políticas públicas continuadas e que priorizaram a educação. Outros exemplos similares, e exitosos, provêm de diversos municípios brasileiros. Um desafio grande é estendê-los para abarcar todo o País.
A valorização efetiva do professor e sua formação adequada são fatores essenciais para a melhoria da educação básica. Outros fatores importantes são condições de trabalho adequadas, boa gestão escolar, avaliações criteriosas e mobilização da comunidade local em prol da educação. O ensino de ciências é fundamental para a formação de um cidadão no mundo contemporâneo. No momento em que ganham proeminência ideias obscurantistas e correntes anticientíficas, é essencial destacar a importância decisiva do conhecimento científico para as tomadas de decisão individuais e coletivas, para a gestão pública e para o desenvolvimento social e econômico do País.
O papel do Estado é essencial para a garantia dos direitos sociais dos brasileiros. A vinculação orçamentária de recursos para a educação e saúde foi uma importante conquista da Constituição de 1988, e a desvinculação desse orçamento, como anunciada recentemente, é uma ameaça muito grave e terá consequências catastróficas para a educação, a saúde e a qualidade de vida da imensa maioria dos brasileiros. Conclamamos todos os brasileiros a se unirem em um movimento amplo em defesa da educação pública de qualidade, laica, que respeite a diversidade e assegure direitos e oportunidades iguais para todas as crianças e jovens. O destino do povo brasileiro deve estar acima dos interesses financeiros ou de setores privilegiados da sociedade.
Por outro lado, os drásticos cortes realizados recentemente no orçamento de Ciência, Tecnologia e Inovação (da ordem de 40%), que já estava em nível muito baixo, colocam o Brasil na contramão da história. Os países desenvolvidos investem de maneira ainda mais acentuada em CT&I em momentos de crise econômica. Pesquisas demonstram que o investimento em ciência tem repercussão social significativa e retorno econômico grande. É inaceitável que sejam feitos novos cortes em um orçamento já tão reduzido. As consequências afetarão toda a estrutura de pesquisa no País e, ainda, os setores empresariais que buscam promover a inovação. Eles comprometem o funcionamento do sistema nacional de CT&I, construído ao longo de décadas, dificultam a recuperação econômica e certamente irão afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do País.
Recursos para educação e para ciência e tecnologia não são gastos, são investimentos do presente em um futuro melhor para o País!
A SBPC, ao longo de sua história, juntamente com muitas outras entidades científicas acadêmicas e da sociedade civil, se destacou por sua luta pela educação, pela ciência e pela democracia no Brasil. Atuamos contra as práticas autoritárias de um regime ditatorial, em defesa das liberdades democráticas, pela redemocratização do País e pela construção da Constituição de 1988 que incorporou os direitos da cidadania.
Neste momento crítico da vida nacional, reafirmamos a importância do livre pensar e da democracia em sua plenitude. Não aceitaremos o retorno do cerceamento às liberdades democráticas, da censura, das perseguições políticas, da ausência da liberdade de expressão, que são direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Queremos que todos os cidadãos, em especial as crianças e os jovens, tenham garantidos seus direitos educacionais e sociais. Motivos justos para comemorações intensas pelo conjunto dos brasileiros, nos próximos anos e décadas, serão a superação do analfabetismo e da miséria, o avanço significativo na educação, na ciência e na tecnologia, uma melhor qualidade de vida para todos, a redução das desigualdades, a preservação do meio ambiente e de nossas riquezas naturais, que estão em causa neste momento, e o desenvolvimento sustentável do País.
É essencial, neste momento, uma atuação vigorosa e permanente da comunidade científica, acadêmica e educacional como um todo, por meio de suas entidades e instituições de pesquisa. É necessária uma mobilização mais intensa dos pesquisadores, professores e estudantes, das entidades científicas e das instituições de ensino e pesquisa brasileiras, em conjunto com outros setores da sociedade civil, lideranças políticas e parlamentares, para exercerem uma pressão social legítima, que poderá ser determinante para a reversão do atual quadro de retrocessos no apoio à educação e à ciência e tecnologia e de ameaças à democracia no País.
Que o Sol luminoso do Brasil inspire e motive a todos nós na resolução dos problemas do País.
Sobral, 30 de março de 2019
A ciência ocupa Brasília
Como um primeiro ato decorrente da Carta de Sobral, a SBPC e a rede nacional de entidades científicas e acadêmicas convocam todos os que não desprezam o valor do conhecimento para uma mobilização nacional a ter lugar nos dias 8 e 9 de maio em Brasília e em todo o país. Com a palavra, o movimento nacional #cienciaocupabrasilia:
“No dia 8 de maio, um ato no Congresso Nacional marca o lançamento da “Iniciativa de C&T no Parlamento – ICTP.br”, em defesa da ciência brasileira, com a presença de entidades científicas, instituições de pesquisa e pesquisadores de todo o País. A ICTP.br é coordenada pela SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Confederação Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), a Associação Nacional dos Dirigentes dos Institutos Federais de Ensino Superior (Andifes), o Conselho Nacional de Secretários de Estado de Ciência & Tecnologia (Consecti), o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Ciência, Tecnologia e Inovação (FSMCT,) o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).
Todas as sociedades científicas estão convidadas a integrarem e participarem desta iniciativa. Será muito importante termos no Congresso representantes de todas as entidades científicas e acadêmicas, bem como de instituições de pesquisa, universidades, institutos federais, entidades empresariais ligadas à CT&I, grupos de pesquisa, INCTs, etc..
No dia 9 de maio está programada uma reunião desses representantes com o ministro Marcos Pontes. O encontro foi articulado pela SBPC e ABC. Na sessão, serão discutidas as questões essenciais deste momento, levantadas no Fórum das Sociedades Científicas Associadas à SBPC, realizado em março, em São Paulo.
A SBPC conclama as sociedades científicas afiliadas que mobilizem os sócios de suas entidades para a discussão de estratégias de atuação e para a preparação e a realização de atos que se contraponham aos cortes drásticos nos recursos para a C&T no País e a outros retrocessos”. [10]
Bolsonaro contra a ciência
“Poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada, como a Mackenzie em São Paulo”. De onde tal comentário poderia brotar, se não da douta mente de Bolsonaro? Proferido numa entrevista à Jovem Pan, no dia 8 de abril, ele resume seu entendimento da ciência no Brasil. Limito-me a remeter ao comentário de Reinaldo José de Azevedo na Folha de São Paulo. Ele nos lembra que, no ranking da pesquisa nacional, as top 10 são todas públicas e que entre as top 20, só há duas privadas (PUC-RS e PUC-RJ, a 18ª e a 19ª, respectivamente). O valoroso Mackenzie está na 62ª posição nesse ranking, o que, de resto, não está nada mal para uma Universidade privada. [11] Por que Bolsonaro afirma isso, pergunta-se Reinaldo José de Azevedo, para concluir que ou o presidente está tremendamente mal informado ou está deliberadamente desinformando a população sobre o tema. As duas razões não são mutuamente excludentes. Mas há uma terceira razão: a instintiva hostilidade de Bolsonaro ao universo do saber, que ele não entende e jamais será capaz de entender. Isso desponta como uma evidência para já 39% da população do Brasil, que o considera “pouco inteligente”, conforme o Datafolha. [12]
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*Professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 3aedição, 2018. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br).
[1] Cf. Extinction Rebellion, Wikipedia: “Political leaders worldwide are failing to address the environmental crisis. If global corporate capitalism continues to drive the international economy, global catastrophe is inevitable. (…) We must collectively do whatever’s necessary non-violently, to persuade politicians and business leaders to relinquish their complacency and denial”.
[2] Veja-se: https://www.amcham.com.br/noticias/amcham-brasil/amcham-brasil-nao-e-a-realizadora-do-premio-person-of-the-year
[3] Cf. Graham Bowley, “Natural History Museum Will Not Host Gala for Brazil’s President”. The New York Times, 15/IV/2019.
[4] “Museu de História Natural de NY cancela evento em homenagem a Bolsonaro”. Folha de São Paulo, 15/IV/2019.
[5] “Workers at the American Museum of Natural History Protest Gala for Bolsonaro”, Left Voice, 12/IV/2019.
[6] Cf. Jake Offenhartz, “AMNH Employees Revolt Over ‘Appalling’ Decision To Host Bolsonaro At Museum”. Gothamist, 12/IV/2019.
[7] “New York: le Muséum d’histoire naturelle refuse d’accueillir un hommage à Bolsonaro”. Le Monde, 16/IV/2019 ; “Le maire de New York ne veut pas que Bolsonaro vienne à un musée de sa ville“. The Associated Press, 14/IV/2019; “US museum of natural history will not host Bolsonaro gala event after outrage”. The Guardian, 16/IV/2019; “Museum cancels event honouring Brazil’s Jair Bolsonaro”. BBC, 16/IV/2019.
[8] Cf. Herton Escobar, “We are headed for a very dark period.’ Brazil’s researchers fear election of far-right presidential candidate”. Science, 16/X/2018.
[9] Cf. “Conservationists Worry about Amazon’s Fate after Bolsonaro’s Victory in Brazil”. Scientific American, 30/X/2019.
[10] “SBPC convoca mobilização nacional contra cortes de Bolsonaro na Ciência”. Hora do Povo, 17/IV/2019.
[11] Cf. Reinaldo José de Azevedo, “Universidades públicas produzem mais de 90% da pesquisa do país; resta saber até quando”. Folha de São Paulo, 21/IV/2019.
[12] “’Não vou perder tempo para comentar pesquisa do Datafolha’, diz Bolsonaro”. Folha de São Paulo, 7/IV/2019.
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Imagem: Pedro Kirilos