“Bolsonaro não controla nem o próprio mundinho”, diz Erundina

Em entrevista, deputada federal critica falta de preparo de Bolsonaro, afirma que quantidade de militares no poder não é por acaso e que país vive uma ditadura disfarçada. Câmara virou “balcão de negócios”, diz

por Nádia Pontes, em DW

Aos 84 anos, a deputada federal Luiza Erundina de Sousa (Psol-SP) é uma das parlamentares mais experientes na Câmara dos Deputados. Nascida na Paraíba, ela iniciou sua carreira política em 1983, como vereadora de São Paulo. Depois, foi deputada estadual, ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal no governo Itamar Franco e prefeita de São Paulo. Desde 1999, atua como deputada federal.

Em entrevista à DW Brasil, a antes petista, depois filiada ao PSB e agora ao Psol, falou sobre a participação das mulheres na política e o governo Jair Bolsonaro.

Para Erundina, o país vive uma ditadura disfarçada, e a democracia direta está ameaçada. “Bolsonaro não tem a mínima legitimidade necessária, não é preparado pessoalmente, não controla nem sequer o seu mundinho, nem a casa dele”, criticou.

Para ela, a Câmara dos Deputados se transformou num “balcão de negócios”. “A correlação de forças é muito desfavorável a quem está, de fato, representando o povo”, disse.

Deutsche Welle: Como uma das parlamentares mais experientes da Casa, como a senhora avalia o momento político atual?

Luiza Erundina: Este é meu sexto mandato, e, lamentavelmente, sucessivas legislaturas conseguem piorar a composição dos membros da Casa. Não se renova a cultura política, não se renovam os partidos, não se renovam projetos políticos. Virou um balcão de negócios, de interesses individuais entre grupos. A correlação de forças é muito desfavorável a quem está, de fato, representando o povo.

Este momento é ainda mais grave pelo o que ocorreu em 2016 [mimpeachment da então presidente, Dilma Rousseff] e pela chegada ao poder deste governo [do presidente Jair Bolsonaro] obscurantista, que governa por meio do ódio, da ganância e de ameaças contra todos nós, que somos de oposição. Mas isso não nos intimida. Nós fizemos resistência na ditadura militar, fomos perseguidos. 

É preciso mobilizar a sociedade, fazer o povo entender o real sentido das coisas – e aqui estou falando também dos letrados que, movidos por um sentimento muito ruim, um ódio ao PT, acabaram fazendo essa opção. Esse governo foi uma opção muito ruim para o país, para o continente latino-americano.

Na Câmara, a senhora atuou em projetos que estipulavam financiamento eleitoral mínimo garantido a candidatas mulheres. A participação das mulheres na política – apesar de candidatas laranjas – tem sido efetiva?

Estou aqui há mais de vinte anos. Vejo que a gente conseguiu alguns avanços, muito devido à luta das mulheres não só no Parlamento, mas no movimento feminista, de mulheres em geral. Foi assim que conseguimos a cota dos 30%na chapa de candidatas. Entramos com projeto de lei, há muitos anos, para criar uma cota de recursos do fundo partidário para que mulheres tivessem participação de 30% no horário partidário, mas só conseguimos 10%.

Isso, de qualquer forma, é conquista. Porém, não significa que tem se ampliado muito a presença de mulheres nos espaços de poder. Como conseguimos a participação de 30% das mulheres nas chapas eleitorais, a Justiça deu como ganho de causa que 30% do fundo eleitoral deveriam ser destinados a candidaturas de mulheres. Mas os homens, que são chefes e dirigentes dos partidos, camuflam essa conquista, criam as candidatas laranjas, que são mulheres que não têm consciência do seu papel político, que servem aos interesses dos homens.

Mas, nesses avanços e recuos, de alguma forma a gente pode dizer que melhorou em relação ao meu tempo, à minha juventude. Isso nos dá ânimo, nos dá coragem, nos dá certeza de que teremos um futuro melhor para as mulheres, porque, nessa luta, nessas conquistas e perdas, elas terminam avançando a consciência da sua força, dos seus direitos, e elas estão cada vez mais ativas.

Na avaliação da senhora, quais são atualmente os projetos em tramitação mais polêmicos na Câmara?

Estão ligados à questão dos direitos humanos, que estão sendo desconstruídos na Casa com a atuação deste governo, e à questão da participação popular, da democracia direta.

O Estado brasileiro é historicamente autoritário, centralizador, oligárquico, a serviço da minoria poderosa deste país. Não se consegue uma reforma política que desconstrua esse modelo de Estado, do machismo.

Tem que haver uma luta cultural para desmontar isso também nas mulheres, que reproduzem essa cultura machista na forma de ser mãe, de ser educadora, na sociedade. Mas isso é um processo que vai levar muitas gerações.

Eu sou de origem humilde, família nordestina, trabalhadores sem terra, e cheguei aqui não por méritos pessoais, mas pela luta dos excluídos, das mulheres, dos mais pobres. Isso é um sintoma de que as coisas mudam, a história dá saltos.

Eu sou otimista. As minha metas não são para o meu tempo. Um sonho, para ser sonho, não pode caber numa vida, por mais longa que essa vida seja. Eu aposto na história e nas gerações que estão vindo. Há jovens parlamentares aqui na casa que vão apresentando e vão mudando.

Este governo, em vez de fazer reformas como instrumento de distribuição de renda, invertendo a pirâmide da distribuição da carga tributária, começa pela Previdência, para reduzir custos sobre as mulheres, sobre trabalhadores rurais, educadores, assalariados, pensionistas. É sempre daí que eles querem tirar.

A divida brasileira pública é de cerca de R$ 4 trilhões. Qual é a sociedade que consegue produzir tanta riqueza para pagar juros sobre juros que não têm fim? Nenhum governo se atreve a renegociar essa divida, mexer no perfil dela. Quer se tirar de onde não tem mais.

É complicado. Mas a história do Brasil convive com essa instabilidade. Tivemos duas ditaduras no século passado. No atual, estamos com este governo que é uma ditadura disfarçada, é até pior. Numa ditadura declarada, se sabe de onde estão tirando os meio para preservar o poder – que não é para o Brasil, é para fora. Este governo é submisso ao império americano e busca reproduzir aquilo que foi a desgraça do Brasil.

Por que a senhora avalia que se trate de uma ditadura disfarçada?

Porque veio de uma eleição, mas uma eleição fraudulenta. Foram os ricos que pagaram os custos da mídia eletrônica e distribuíram mensagens aos bilhões numa sociedade pouco politizada, usando muitas mentiras, falsidades, fake news. Precisaria pelo menos ter uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] para apurar isso. Não foi uma eleição limpa, democrática. Muita gente votou para não votar no PT.

Acho que Bolsonaro não tem a mínima legitimidade necessária, não é preparado pessoalmente, não controla sequer o seu mundinho, nem a casa dele. Então ele está se perdendo. A quantidade de generais neste governo não é por acaso. Não é por acaso que o vice-presidente é um general. Ele está tentando se credenciar como alternativa pela fragilidade e desacertos do presidente, pela incompetência.

Então, a figura do vice está sendo adotada pelo mercado – porque quem define quem vai ficar no poder máximo em países como o nosso é o mercado. Só que o mercado daqui a pouco já enjoa do Bolsonaro.

“As minha metas não são para o meu tempo. Um sonho não pode caber numa vida”, diz Erundina.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Amyra El Khalili.

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