Professor não pode ser filmado e exposto em redes sociais

por Claudio Silva, em Justificando

No último 28 de abril, o presidente Jair Bolsonaro publicou em seu Twitter um vídeo feito por uma estudante filmando sua professora. Esta aluna é Secretária Geral do PSL (Partido Social Liberal, o mesmo do presidente) em um município do interior de São Paulo. Segundo Bolsonaro, com base no vídeo, professores estariam “doutrinando” alunos e não ensinando. Políticos e gestores ultraconservadores têm provocado alunos a filmarem seus professores durante as aulas, o que é ilegal. Além disso, as imagens são publicadas em redes sociais e grupos de WhatsApp, causando uma exposição indevida e ilegal dos docentes.

A popularização dos dispositivos móveis de acesso à internet, especialmente smartphones, produziu mudanças profundas no ambiente escolar. Por um lado, essas ferramentas permitem pesquisas na rede mundial de computadores, o que pode ser extraordinário para o ensino, desde que bem orientado. Por outro, estes aparelhos geram dispersão entre os alunos, dificultando o já desafiador trabalho docente.

Em razão dos transtornos que o mal uso dos celulares pode causar, foram promulgadas leis, em todo Brasil, restringindo o uso dos aparelhos no meio escolar. Exemplo disso, a lei nº 12.730/2007, do estado do São Paulo, diz que “ficam os alunos proibidos de utilizar telefone celular nos estabelecimentos de ensino do Estado, durante o horário das aulas, ressalvado o uso para finalidades pedagógicas”. Em Santa Catarina, estado onde uma deputada incitou alunos a filmarem professores, a lei nº 14.363/2008 também proíbe o uso de celulares nas salas, em escolas públicas e privadas. No Ceará, a mesma proibição é estabelecida pela lei nº 14.146/2008. Essas leis, que existem há mais de 10 anos, têm o mesmo objetivo: garantir a qualidade do trabalho docente.

Bolsonaro e seus ministros da educação, primeiro, Vélez Rodríguez e, atualmente, Abraham Weintraub, além de afirmarem a suposta doutrinação nas escolas, têm anunciado cortes de recursos, como de 30% em Universidades Públicas e o contingenciamento de R$ 2,4 bilhões na educação básica. Também anunciou o fim de cursos públicos de Filosofia e Sociologia. Para quem se informa sobre a educação lendo tweets de Bolsonaro, pode parecer que as escolas brasileiras estão esbanjando dinheiro e os professores passam o dia fazendo “doutrinação” (seja lá o que isso significa!) para alunos “esquerdistas” (seja lá o que isso significa também). Seria cômico, se não fosse trágico.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, os professores das escolas públicas ganham, em média, pouco mais de três salários mínimos (R$3.476,42 na rede estadual e R$3.116,35 na municipal), para uma jornada de 40 horas semanais. Sabemos que muitos professores têm jornada reduzida, o que diminui suas rendas. Outros trabalham em atividades extra-aula e não recebem nada por isso. Há municípios que pagam menos de R$ 800,00 por mês para seus professores. Em toda a rede pública, são 1.806.695 de professores. Na rede privada, onde trabalham 377.700 professores, as remunerações, na média, não ultrapassam R$ 2.600,00.

No Brasil, um juiz ganha em média R$ 27.500,00 no início da carreira, dez vezes mais que um professor. Um delegado da Polícia Federal recebe mais de R$ 14 mil reais por mês. A desigualdade de remuneração e condições de trabalho entre as carreiras é brutal. Imaginem a reação da categoria de magistrados se o Bolsonaro incitasse testemunhas, réus e advogados a filmarem juízes durante as audiências. O que diria a associação de delegados federais se o presidente incentivasse a população a filmar a abordagem e os atos de policiais federais?

Além das baixas remunerações, poderíamos perguntar: Quais as condições de trabalho dos professores? Quais os incentivos e possibilidades de progressão em suas carreiras? Como está a saúde física e mental destes trabalhadores, diante das “pressões do mercado” e dos gestores? Como fica o ânimo e a disposição dos nossos professores quando um presidente incita estudantes a filmarem suas aulas e as exporem em redes sociais, desrespeitando as leis e a imagem destes profissionais?

O Ministro da Educação Abraham Weintraub disse que os alunos “têm direito de filmar. Isso é liberdade individual de cada um”. Essa afirmação está errada. Professores, como qualquer pessoa, podem ser filmados, desde que autorizem. A Constituição Federal, mesmo desrespeitada pela presidente da República, afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X). Assim, o professor – e qualquer pessoa que tenha sua imagem exposta indevidamente – pode ingressar com ação judicial (cível e criminal) contra quem o fez. O Código Civil também diz que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória” (art. 17). Além disso, é crime imputar falsamente a alguém fato criminoso, difamar ou injuriar as pessoas, especialmente ao público, como por meio de redes sociais. Não proponho que o rebate as tentativas de perseguição e desqualificação dos docentes em sala de aula se dê apenas com argumentos.

Cláudio Silva é advogado, pesquisador e militante social.

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