A Terceira Guerra Mundial já começou e a gente nem se deu conta!

Se alguém souber de um planeta disponível, me avise. Quero ir pra lá.

Por Flávio Aguiar, no blog da Boitempo

Estávamos acostumados com as guerras convencionais. A Alemanha invade a Polônia. E a catástrofe começa. Este é apenas um exemplo. Agora, a catástrofe já começou. E a gente nem se deu conta.

A cena geopolítica de hoje é dominada pela beligerância do governo norte-americano, que cada vez mais se parece com uma guerra de todos os tipos contra tudo e contra todos.

Washington promove uma guerra híbrida contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela e uma campanha pela desestabilização dos governos de Cuba e da Nicarágua, depois da bem sucedida campanha de ajuda por grupos de mídia especializados em fake news para eleger Bolsonaro e para fomentar o afastamento de Lula da corrida presidencial, através da Lava Jato.

Ao mesmo tempo, promove uma guerra eletrônica contra a empresa de telecomunicação Huawei, da China, proibindo sua atuação nos Estados Unidos, incitando aliados tradicionais a fazerem o mesmo. É a nova Guerra Fria. A quente.

Empresas norte-americanas já concordaram em vetar o acesso por parte da empresa da China ao apoio técnico por parte de seus produtos e sistemas. O governo norte-americano acusa a empresa de espionagem em favor do governo chinês.

Contra este os Estados Unidos promovem uma dura guerra fiscal contra a China, sobretaxando produtos de exportação deste país. Além disto, a ofensiva tecnológica dos EUA contra a China já é um ato de guerra, na frente do cyberspace, onde os futuros conflitos serão decididos. Tropas de ocupação continuam a ser fundamentais. Mas é necessário desarticular antes o inimigo. Antes isto se dava através de bombardeios. Mas na Idade Média era fundamental isolar o adversário, cercando suas cidades. Hoje este cerco vai se dar no campo virtual. Pelo menos nas brigas de cachorro grande como EUA x China.

No Oriente Médio, enquanto o presidente Trump declara não querer uma guerra, seu governo promove uma enorme escalada de presença militar, com o deslocamento de porta-aviões, bombardeiros e ameaça de deslocamento de tropas terrestres, cujo objetivo é conter o que vê como uma influência indevida do Irã na região e uma ameaça a “seus interesses” nela. Esta escala contra o Irã tem como objetivo também atender os interesses dos dois grandes aliados dos Estados Unidos na região, Israel e a Arábia Saudita, que não se cansam de propalar a sua contrariedade em relação ao regime de Teerã.

Essa escalada, bem como a guerra eletrônica contra a Huawei, tem um efeito colateral importante, que é o de aumentar a pressão sobre os países empresas da União Europeia, cuja força, sobretudo a da Alemanha, Trump não vê com bons olhos. A pressão visa cortar os laços comerciais da União com o Irã, já abalados pelas sanções econômicas que vetam negócios de empresas com o Irã, e a presença da Huawei na Europa.

É verdade que até o momento essa beligerância geopolítica de Washington têm tido pouco sucesso completo. A exceção fica por conta da bem sucedida operação combinada entre os efeitos da Lava Jato e a eleição de Bolsonaro, domesticando, por assim dizer, o Brasil.

Os Estados Unidos ainda não conseguiram derrubar o governo de Maduro, nem abalar os da Nicarágua e Cuba. O fundador da Huawei chinesa, Ren Zhengfei, declarou que sua empresa estes em condições de enfrentar esta nova guerra eletrônica e continuar suprindo os usuários de seus aparelhos com aportes que substituam o apoio e a as tecnologias das empresas norte-americanas. Muitos dos tradicionais aliados dos Estados Unidos na Europa recusaram-se, até o momento, a banir os produtos da Huawei de seus mercados.

Por fim, a presença militar norte-americana tendo por alvo o Irã, por ora, fica no campo das ameaças, embora não se possa banir de todo a hipótese de uma tentativa de guerra convencional.

Há três interpretações correntes para esse estado de beligerância permanente provocado pelas iniciativas de Washington. A primeira diz que ela parte de uma redefinição estratégica da política externa de Washington, que visa reafirmar os Estados Unidos como maior potência militar da história da humanidade, num momento em que sua posição de hegemonia econômica não mais se sustenta devido, sobretudo, a presença da China. A segunda insiste na necessidade do governo de Trump necessitar deste clima guerreiro em várias frentes para assegurar a reeleição do presidente em 2020, combinada com a guinada fundamentalista com tintas religiosas promovidas pelos falcões Mike Pompeo e John Bolton. Por fim, a terceira, e a mais provável, combina as duas anteriores.

Por ora, como já se disse, estamos no campo das ameaças. Mas pode ser que a combinação destas duas tendências explosivas leve de fato a algum conflito armado em algum daqueles recantos do globo. Enquanto isto, Bolsonaro e Ernesto Araújo brincam de política externa, como se isto fosse um joguinho de mesa, no tabuleiro de suas casas.

Se alguém souber de um planeta disponível, me avise. Quero ir pra lá.

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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés(2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

Slim Pickens, no papel do major Kong, em fotograma do filme Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick.

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