PFDC recebe mães e familiares de vítimas de violência do Estado

Grupo destacou importância de atuar frente a um modelo de segurança pública baseado na força e que criminaliza a juventude negra das periferias

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)

“Mais de 20 anos após as chacinas na Favela Nova Brasília – e mesmo depois da condenação imposta ao país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – continuamos sendo alvo da ponta do fuzil do Estado, que segue matando nossos filhos”.

O desabafo está em uma Carta Pública entregue nesta semana à procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, durante encontro com mais de 60 mães e familiares que integram a Rede Nacional de Vítimas do Terrorismo do Estado.

O diálogo aconteceu na sede da Procuradoria Geral da República e integrou a agenda de atividades que a rede de mães e familiares promoveu, entre 17 a 22 de maio, com o objetivo de dar visibilidade às violações de direitos perpetradas pelo Estado, bem como de fortalecer a luta por justiça.

Em Brasília, além da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o coletivo esteve reunido com parlamentares, o Conselho Nacional de Justiça e também com a Casa da ONU. Em pauta, o cotidiano marcado por mortes, abordagens violentas, uso indiscriminado do chamado “auto de resistência” e uma crescente criminalização de moradores de favelas e periferias, especialmente jovens e negros.

No encontro com a PFDC, o grupo destacou a importância de atuação frente a um modelo de segurança pública baseado no uso da força e cujas ações de repressão e violência vitimam uma parcela muito definida da população. “É preciso evitar a continuidade de operações violentas por parte das polícias, que suspendem diariamente os direitos dos moradores de favelas e periferias, expondo suas vidas à violência do Estado”, destacaram.

O grupo chamou atenção para o quadro de mais de 60 mil pessoas assassinadas por ano no Brasil – especialmente jovens negros moradores das periferias –, além do tratamento degradante a que estão submetidas as quase 700 mil pessoas encarceradas, assim como dezenas de milhares de crianças e adolescentes em unidades do sistema socioeducativo e outros tantos mantidos em instituições totais psiquiátricas.

“Enquanto assistimos à morosidade do sistema de justiça, nós, mães e familiares de vítimas da violência do Estado, adoecemos e sofremos diariamente as consequências irreparáveis dos assassinatos de nossos filhos. Lutamos pela responsabilização penal dos agentes violadores de direitos humanos. Lutamos para viver e para que outras vidas não se percam”.

Na oportunidade, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, pontuou o campo de atuação do Ministério Público Federal e destacou iniciativas da PFDC voltadas à superação da violência institucional, ao aprimoramento do sistema de justiça e à igualdade na proteção de direitos.

A procuradora destacou o trabalho de acompanhamento do cumprimento das Medidas Cautelares determinadas em 2015 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao sistema socioeducativo no Ceará, em razão das violações de direitos nesses estabelecimentos. As graves violações nas unidades de internação de adolescentes foram, inclusive, tema de reunião entre a PFDC e representantes da Comissão Interamericana. No diálogo, a PFDC  destacou a urgência na implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), assim como a adoção do Plano Individual de Atendimento (PIA) para os socioeducandos.

As ameaças de violação de direitos com a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, também levaram a PFDC a um posicionamento institucional acerca da necessidade de respeito à legislação estadual, da delimitação quanto à amplitude e ao prazo de vigência da intervenção, assim como dos regramentos que se aplicam na requisição de eventuais mandados de busca, apreensão e captura. A nota técnica foi assinada em conjunto com a Câmara Criminal do MPF.

A PFDC também encaminhou à Procuradoria Geral da República uma representação para que seja questionada, no Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da lei que transferiu à justiça militar o julgamento de crimes cometidos contra civis por agentes das Forças Armadas. Também esteve no foco de atuação o Decreto 9.685, de 15 de janeiro de 2019, que ampliou de modo ilegal e inconstitucional as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo. Para a Procuradoria, a medida reforça práticas que jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países, e sua adoção afronta o debate construtivo acerca do modo de produzir segurança pública no país.

É na redefinição desse modelo de segurança pública que também estão pautadas as demandas de mães e familiares no que se refere ao acesso à verdade, à justiça e à reparação. “Se o Estado falhou ao nos violentar, tem falhado diariamente ao negar nossos direitos a uma investigação independente, a medidas de reparação e à memória de nossos filhos. É preciso que o Estado seja responsabilizado por essas mortes e que isso se traduza em uma política pública de reparação”, pontuaram.

Entre as organizações e os coletivos que estiveram no encontro com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão estão a Associação de Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais, a Frente Estadual pelo Desencarceramento no Rio de Janeiro, o Instituto Memória e Resistência, as Mães de Maio do Cerrado, as Mães de Maio da Leste, as Mães de Manguinhos, as Mães do Cárcere (CE), Mães do Curió, Mães Mogianas, Movimento Independente Mães de Maio, Movimento Moleque, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, Rede de Mães e Familiares de Vítimas da Violência de Estado na Baixada e Vozes do Socioeducativo e Prisional no Ceará.

Foto: Antônio Augusto/Secom/PGR

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