Quais as alternativas para desativação de barragens no Brasil?

Para especialistas, quando se trata de desativação de barragens, cautela e direitos são essenciais

Amélia Gom, Brasil de Fato

Desde o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais e o país estão em alerta sobre a estabilidade destas estruturas. Dezenas de barragens foram reclassificadas em seu nível de segurança. Atualmente o caso mais grave é da cidade de Barão de Cocais, que vive a angústia do risco iminente do colapso da estrutura. O estado permanente de alerta e vigilância em que vivemos não é para menos, só Minas Gerais tem mais de 800 barragens. Deste total 140 não tem declaração de estabilidade e 57 estão declaradamente em risco.

Diante desse cenário, medidas de segurança foram tomadas a nível nacional e estadual. Tanto a Agência Nacional de Mineração quanto a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável solicitaram às mineradoras um plano de desativação das barragens à montante. No estado, o prazo dado pela Secretaria encerra no sábado (25) e até o dia 20 foram apresentados apenas 10 planos de desativação, de um total de 49 barragens a montante em Minas. Para as outras 39 barragens o caso continua sem um retorno das mineradoras.

Em fevereiro deste ano, um decreto da União proibiu a utilização de barragens à montante no país e determinou a desativação de todas estruturas deste tipo. A ANM determinou um prazo de 3 anos para as mineradoras acabarem com as estruturas.

Na avaliação do auditor fiscal do trabalho, Mário Parreiras, que é coordenador da Comissão Nacional Permanente do Setor Minerário, o prazo de três anos para a desativação das barragens é insuficiente. “São muitos estudos que precisam ser feitos, não é um processo rápido. Você não faz descomissionamento de um dia para o outro. Ainda não temos esse tipo de tecnologia. É preciso muita cautela porque os riscos são muito grandes”, explica.

As medidas levantam uma série de debates. Afinal de contas como se desativa uma barragem?

Descaracterização ou descomissionamento?

Os termos ainda estão em disputa. Até fevereiro deste ano, quando foi publicada a resolução n°4 de 2019 da ANM, entendia-se como desativação de uma barragem de rejeitos a descaracterização da estrutura. O processo consiste na drenagem da barragem e o plantio de vegetação no local. A grosso modo a estrutura deixa de ser uma barragem e se torna uma “montanha de rejeitos”. E como deixam de ser barragens as estruturas saem da lista de monitoramento de segurança, apesar de não haver certeza sobre sua estabilidade.

Já o descomissionamento, que nunca foi realizado em nenhuma barragem do país, consiste no desmanche total da estrutura. No processo é realizada a drenagem da estrutura e os rejeitos são retirados do local. Portanto, a barragem deixa de existir por completo.

Apesar de em muitos casos serem usados como sinônimos os termos descaracterizar e descomissionar dizem de processos distintos para a desativação de uma barragem. Mesmo nas legislações há um conflito entre o significado dos termos. Para o pesquisador do Grupo de Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), Bruno Milanez. “A confusão dos termos abre brecha para que as mineradoras se esguiem do compromisso com a desativação segura das barragens.”

A maioria das empresas optam por abandonar as barragens e sequer realizam algum tipo de projeto de encerramento das atividades. É o que denuncia Maria Júlia Andrade do Movimento Popular pela Soberania na Mineração – MAM. “Muitas empresas simplesmente declaram falência ou cancelam o projeto e vão embora do Brasil deixando tudo abandonado, como vemos na situação, por exemplo, da Novo Mundo, em Rio Acima. É muito comum as empresas fazerem também uma artimanha de manter alguns funcionários no local só para não ter que realizar o plano de fechamento do empreendimento” afirma.

Bomba relógio

A falta de consenso, planejamento e fiscalização sobre a desativação de barragens de rejeitos no Brasil escancara o descaso sobre a pauta. A tecnologia, além de defasada é a que mais oferece riscos para a população. No entanto, a construção de barragens é unânime entre as empresas no país, já que as mineradoras optam pelo método mais barato de condicionar os rejeitos da extração do minério.

Na avaliação de Marta de Freitas, coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador, os acidentes com barragens começam a partir do momento que se opta por esse tipo de estrutura. “A opção de usar barragens para rejeitos já é um crime. Porque você cria um monstro que fica incontrolável. E essas estruturas precisam ser monitoradas pelo resto da vida.” Para Pablo Dias, do Movimento dos Atingidos por Barragens, acabar com estruturas de barragens já existentes é fundamental e urgente, no entanto é preciso muita atenção à operação. “Qualquer processo de interferência nas estruturas das barragens coloca novamente a população em risco. Precisamos ficar alerta se novamente o interesse das empresas não vai continuar prevalecendo sobre a vida da população e da natureza” alerta.

Para o coordenador do MAB, os planos de desativações devem estar casados com a garantia de direitos das populações que vivem no entorno dessas estruturas. “As populações que não se sentirem seguras, devem ter a opção de serem retiradas ou de forma provisória ou definitiva. Toda forma de dano decorrente desse processo deve ser antecipado, prevenido e todos os direitos das populações devem ser garantidos”, complementa.

Lucro acima de todos

A remineração dos rejeitos extraídos a partir da exploração do minério também é lucrativa para as mineradoras. A maioria das estruturas são das décadas de 70 e 80, quando a tecnologia para a exploração do material ainda não era muito avançada. Por isso, os rejeitos dessas atividades ainda contêm propriedades para mercantilização, através da pelotização do minério.

Além de ter um bom valor de mercado, a taxação sobre o aproveitamento de rejeitos da exploração mineral é somente a metade do valor cobrado pela CFEM (Compensação Fiscal pela Exploração de Recursos Minerais), que atualmente é de 3,5% sobre o lucro bruto da empresa. O que por um lado incentiva um aproveitamento do material, por outro leva ao questionamento sobre o valor irrisório da taxação minerária no Brasil.

DESCOMISSIONAR X DESCARACTERIZAR

DESCARACTERIZAÇÃO – Drenagem da barragem, manutenção dos rejeitos dentro e plantio sobre a estrutura

DESCOMISSIONAMENTO – Drenagem da barragem, retirada dos rejeitos, desmanche total da estrutura

Edição: Elis Almeida.

Foto: Barragem da Mina de Gongo Seco, da Vale – Imagem: Google Maps

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