A distopia ambiental a um passo

Novos dados alertam: grandes tragédias naturais podem ser para breve — não para nossos netos. Veja, da epidemia de dengue em Brumadinho ao aumento de casos de depressão e câncer por agrotóxicos, os avisos de perigo iminente

por Roberto Andrés, em Outras Palavras

Há uma tragédia ambiental em curso no planeta e o Brasil está na vanguarda. Os impactos são tremendos, mas não recebem a atenção devida. E não estamos falando de um mundo pior para os netos: os efeitos da destruição acelerada das condições de vida na Terra já estão aí e se intensificarão nos próximos anos.

Um exemplo: os surtos de doenças como dengue e febre amarela em Minas Gerais podem ter relação direta com os crimes da Vale em Mariana e Brumadinho, apontam especialistas da Fiocruz. O mar de lama matou milhares de animais, dentre eles predadores dos mosquitos. Com os rios contaminados, a população passa a armazenar água em condições precárias. Os mosquitos se proliferam e as doenças e mortes vão às alturas.

As condições de vida na Terra dependem de um fino equilíbrio. Se apenas começamos a sentir os efeitos destrutivos do rompimento de barragens de rejeitos, o que dizer de processos extensivos e continuados como a emissão excessiva de gás carbônico, o desmatamento e o envenenamento das terras e águas?

Somente nos primeiros 5 meses deste ano, o Brasil liberou 169 novos agrotóxicos – mais do que em todo o ano de 2015. No nosso país são permitidos agrotóxicos altamente perigosos para a saúde, que já foram proibidos na maior parte dos países da Europa – onde estão os donos de boa parte das fabricantes dos pesticidas.

Sabe-se que esses agrotóxicos causam doenças como depressão, câncer e Parkinson, e que há pouco controle de sua contaminação pela infiltração no solo e nas águas. Segundo dados oficiais, ao menos oito pessoas são contaminadas diariamente por agrotóxicos no Brasil, mas este dado tende a ser muito maior graças a subnotificação e contaminação indireta.

O desmatamento na Amazônia nos primeiros quinze dias de maio foi o maior da última década. Se depender do desmonte que está sendo empreendido pelo governo de Jair Bolsonaro, este número crescerá. A destruição da política ambiental em todos os seus aspectos parece ser uma das metas do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – um político do partido Novo condenado por falsificar mapas, fraudar documentos e intimidar funcionários quando era secretário de Meio Ambiente do governo de São Paulo.

O desmonte no Ministério do Meio Ambiente é tão grave que foi capaz de reunir todos que já lideraram a pasta desde o governo Itamar Franco. A carta dos ex-ministros denuncia a “política sistemática, constante e deliberada de destruição das políticas meio ambientais” pelo governo atual, além do desmantelamento institucional dos organismos de proteção e fiscalizadores.

A gravidade do desmatamento da Amazônia para as condições climáticas no Brasil é enorme. Em um artigo brilhante, o climatologista Antonio Nobre demonstra como a floresta Amazônica funciona como um importante regulador do clima na parte sul do continente, garantindo as chuvas e protegendo a região de eventos extremos.

O pesquisador demonstra como a floresta bombeia água do solo para a atmosfera, criando rios voadores que irrigam o continente: “se a floresta for removida, o continente terá muito menos evaporação do que o oceano contíguo, o que determinará uma reversão nos fluxos de umidade, que irão da terra para o mar, criando um deserto onde antes havia floresta”.

A conclusão do autor é de que “o caos climático previsto tem o potencial de ser incomensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial. O que é impensável hoje pode se tornar uma realidade incontornável em prazo menor do que esperamos”.

E a tragédia não termina aí. Quem acompanha o debate das mudanças climáticas sabe que o aquecimento do planeta acirrará problemas de escassez de recursos naturais, desigualdade, doenças e tragédias “naturais”, de modo impossível de se prever – como ninguém previa que o rompimento de barragens de minérios levaria a epidemias de dengue.

A obsessão de alguns com a fórmula da água talvez seja só falta de assunto. Mas os governantes autoritários mundo afora, com seu desprezo ignorante pelo aquecimento do planeta e pela destruição ambiental, têm mostrado que dominam muito bem as fórmulas capazes de destruir as condições de vida que conhecemos, tão dependentes dos ciclos das águas.

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