Senado decide não votar MP que altera Código Florestal

MP 867 precisa ser aprovada até a próxima segunda (3/6) ou perderá validade, mas chance de ser votada até lá é mínima. Governo promete enviar nova proposta ao Congresso

por Oswaldo Braga de Souza, em ISA

O Senado resolveu jogar uma pá de cal na ofensiva ruralista para aprovar a Medida Provisória (MP) 867/2018, que altera o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012).

Após dois dias de polêmicas e uma guerra de manobras regimentais promovida pela oposição para tentar impedir a votação do relatório sobre a medida, o plenário da Câmara aprovou-o, no início da noite desta quarta (29), com poucas alterações. O texto principal recebeu 243 votos favoráveis e 19 contrários – como a oposição fez obstrução, seus votos não são contabilizados.

Ainda antes do fim da votação, porém, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que, por um acordo de líderes partidários, a casa resolveu não votar a MP nesta quinta (30). Com isso, é grande a chance dela caducar, já que seu prazo de validade expira na próxima segunda (3/6). Raramente, há sessões deliberativas às sextas e segundas no Congresso.

A redação original da medida apenas ampliava, até dezembro deste ano, o prazo de adesão dos produtores rurais aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs). O relatório do deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR), no entanto, incorporou 30 emendas sem relação direta com o assunto, os chamados “contrabandos legislativos” ou “jabutis”, prática vedada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre outros pontos, o parecer de Souza extingue qualquer limite de tempo para o ingresso nos PRAs e no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Também anistia desmatamentos ilegais na Reserva Legal (RL) das propriedades rurais, no Cerrado, até 1989, e no Pampa, Caatinga e Pantanal, até o ano 2000 (saiba mais ao final da reportagem e clicando aqui).

A edição da Lei 12.651 é considerada um marco no enfraquecimento da legislação ambiental e um dos fatores responsáveis pela retomada do desmatamento no país. Para pesquisadores e ambientalistas, um novo perdão amplo para crimes ambientais tende a aumentar ainda mais o ritmo de destruição da vegetação nativa. Portanto, a perda de validade da MP 867 seria uma vitória importante do meio ambiente.

Ruralistas querem reverter decisão

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), foi ao plenário do Senado logo após o anúncio de Alcolumbre. Depois de não conseguir convencê-lo a mudar de ideia, saiu afirmando que a bancada ruralista trabalharia para mudar a decisão. “Nós ainda temos esta noite para conversar. As votações vão acontecer amanhã. Certamente, vamos tentar reverter esse fato”, disse. Ele afirmou que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, participaria do esforço.

A reportagem do ISA encontrou a ministra deixando a Câmara, após participar de um evento, já tarde da noite. Ela não quis gravar entrevista e informou que precisaria analisar a MP com mais calma para manifestar-se sobre ela. Rapidamente, defendeu que o relatório de Souza traz ajustes necessários à legislação, mas reconheceu que tem problemas.

A notícia ruim para os ambientalistas é que, confirmada a perda de validade da MP 867, a discussão do Código Florestal pode ser retomada e mesmo ampliada. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), confirmou que o governo comprometeu-se a enviar ao Congresso uma nova MP ou um projeto de lei, em regime de urgência, com o texto aprovado pela Câmara. A ideia é que a proposta seja aprovada até o início do recesso legislativo, em meados de julho.

Descontentamento com prazos no Senado

De acordo com Alcolumbre, a decisão de não votar a MP 867 foi tomada em virtude da falta de consenso sobre seu conteúdo e de tempo para apreciar uma matéria tão polêmica. “É esse descontentamento em relação aos prazos”, apontou. Ele negocia a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que definirá um período de até 30 dias para o Senado aprovar MPs após apreciação pela Câmara.

O acordo fechado pelos senadores é para que sejam votadas, nesta quinta, as MPs 871/2019 e 872/2019, que também vencem no dia 3 e tratam, respectivamente, de mecanismos para coibir fraudes previdenciárias e gratificações para servidores da Advocacia-Geral da União (AGU).

Um dos responsáveis pelo entendimento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) relatou que a questão dos “contrabandos legislativos” também foi considerada nas negociações que praticamente selaram o destino da MP 867. “Poucas medidas provisórias tiveram tantos ‘jabutis” quanto essa. Eles modificam o Código Florestal na essência”, concluiu.

Além da irritação de parte dos senadores com a Câmara por deixar muitas MPs para ser apreciadas em cima da hora, contribuiu para decisão o clima beligerante entre Congresso e Planalto, acirrado com a votação a toque de caixa, na véspera, da MP 870, da reforma ministerial. Por isso, a resolução de não votar a MP 867 também pode ser considerada um gesto de afirmação da autonomia do Senado em meio aos desgastes com o governo.

Embates na Câmara

Ao longo de todo o dia de ontem, oposição e ruralistas seguiram digladiando-se em torno da MP no plenário da Câmara. Lançando mão de expedientes regimentais, os oposicionistas conseguiram ganhar tempo. Enquanto isso, aumentavam as pressões nas redes sociais para que os parlamentares rejeitassem o parecer de Souza e para que o próprio presidente da casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), intervisse na discussão em favor dos ambientalistas. Já tarde da noite, ele resolveu suspender os debates e convocar nova sessão para o dia seguinte, aumentando o risco da MP caducar.

Nesta quarta, foi a vez da bancada ruralista pressionar pela votação da MP, que começou no início da tarde. A maioria dos parlamentares do grupo continuou tentando negar a existência dos “contrabandos legislativos” no relatório. “Não há um único “jabuti” [no parecer]. Todas as alterações acatadas dizem respeito ao Código Florestal”, repetiu o relator Sérgio Souza. O Ministério Público Federal (MPF) e mesmo a principal organização do agronegócio, a Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA), já admitiram o problema e manifestaram-se contra o parecer.

“Quando se prorroga o prazo para o PRA é pra que não seja prejudicado o produtor rural. Não foi dado o prazo adequado para ele participar do programa. Não foi dado prazo e as condições pelo Estado para que ele fizesse seu CAR”, continuou Souza.

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), contrapôs que a imensa maioria dos produtores rurais já está cadastrada. “Esse relatório atende a um setor minoritário e mais atrasado do agronegócio. Temos aqui uma minoria dos grandes proprietários que não quer respeitar a lei e pode comprometer toda a agricultura brasileira”, rebateu. De acordo com o Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar), os 5,8 milhões de imóveis rurais do país já foram cadastrados.

O relator também repetiu o argumento de que a legislação não explicitava a proteção do Cerrado, do Pampa, do Pantal e da Caatinga antes dos marcos temporais propostos por ele. Para os deputados ambientalistas, no entanto, várias leis já especificavam, antes disso, restrições ao corte da vegetação nesses biomas.

O que é a Reserva Legal (RL)?

É a área do imóvel rural que tem de ser preservada para assegurar o uso econômico sustentável, conservar os processos ecológicos, a fauna e flora nativas. Varia de 20% a 80% do imóvel, dependendo do bioma. Na Mata Atlântica, Pampa, Pantanal, Cerrado e nos “campos gerais” na Amazônia Legal: 20%; Cerrado na Amazônia Legal: 35%; floresta na Amazônia Legal: 80%.

O que é o Cadastro Ambiental Rural?

Instituído pela Lei 12.651/2012, o CAR é um um registro de todos os imóveis rurais no país, integrando as informações ambientais das propriedades em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental e garantir o controle e monitoramento do desmatamento. O cadastro é autodeclaratório e inclui dados sobre as áreas desmatadas, de Reserva Legal (RL), Preservação Permanente (APPs), Uso Consolidado, de Uso Restrito e as que devem ser reflorestadas.

O que são os Programas de Regularização Ambiental (PRAs)?

O PRA também foi criado pelo novo Código Florestal e prevê um conjunto de ações que todo produtor rural deve realizar para regularizar ambientalmente sua propriedade, como a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Os programas devem ser regulados e administrados pelos Estados.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre | Marcos Brandão / Senado

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