Após pesquisa sobre uso de drogas ser censurada, AGU ouve Fiocruz e Ministério da Justiça

Em maio, governo barrou divulgação de estudo da fundação depois que o ministro da Cidadania, Osmar Terra, discordou dos resultados. AGU avalia instaurar conciliação para resolver impasse

Por Mariana Oliveira, TV Globo

A Advocacia-Geral da União (AGU) ouviu nesta segunda-feira (3) representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Secretaria de Políticas sobre Drogas (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça, para avaliar se instaura procedimento de conciliação entre os entes públicos após o governo federal censurar uma pesquisa sobre o uso de drogas no Brasil.

A Fiocruz e o Ministério da Justiça pediram que a Câmara de Conciliação da AGU resolva o impasse em torno da pesquisa desenvolvida pela fundação. A Advocacia-Geral da União é responsável por mediar conflitos entre órgãos públicos federais.

Referência internacional na pesquisa e na produção de vacinas e medicamentos, a Fiocruz venceu o edital de convocação aberto pela Senad para realização do estudo sobre consumo de drogas. O orçamento para desenvolver a pesquisa batizada de “Terceiro levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira” era de R$ 8 milhões, mas a fundação informou que gastou R$ 7 milhões e devolveu ao governo R$ 1 milhão.

O governo federal censurou a pesquisa da Fiocruz sobre o uso de drogas porque o ministro da Cidadania, Osmar Terra, discorda do resultado do estudo. O levantamento indica que não existe uma epidemia de uso de drogas no Brasil. Oficialmente, o motivo para o governo barrar o estudo foi a discordância com a metodologia adotada.

A pesquisa, que ouviu mais de 16 mil pessoas entre 2014 e 2017, envolveu mais de 500 profissionais de diferentes áreas: entrevistadores de campo, pesquisadores da área de epidemiologia e estatística.

Segundo fontes ouvidas pela TV Globo, a pesquisa mostra que 9,9% dos brasileiros entre 12 e 65 anos experimentaram alguma droga ilícita na vida. O IBGE não tem o número exato da população nessa faixa etária. A TV Globo apurou que a conclusão da pesquisa é de que não existe uma epidemia do uso de drogas no Brasil.

Diante do impasse entre governo e Fiocruz, técnicos da AGU ouviram nesta segunda-feira representantes da fundação e da Senad, e também integrantes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos dados foram utilizados no levantamento. Segundo técnicos, os órgãos se mostraram dispostos a entrar em acordo.

Antes de decidir sobre a abertura de procedimento na Câmara de Conciliação, a AGU vai fazer uma análise sobre a viabilidade de consenso.

Se considerar que há chance de acordo, abrirá o processo, que não tem prazo e será feito em etapas. Nesse caso, a AGU não dará a palavra final sobre a publicação da pesquisa, apenas atuará como mediadora dos órgãos, que terão que chegar a um acordo.

Críticas do governo

Médico, Osmar Terra vem contestando os resultados do estudo da fundação, que deveriam ter sido divulgados em 2017. No início de maio, em uma entrevista à Globonews, o ministro colocou em xeque a credibilidade da Fiocruz.

“A Fiocruz tem o viés de defender a liberação das drogas, a Fiocruz trabalha há muitos anos para provar que não é problema o consumo de drogas. A Fiocruz tem um papel extraordinário nas pesquisas sobre vacinas, sobre medicamentos, mas infelizmente na área de pesquisa sobre drogas é um grupo totalmente comprometido com a liberação, que quer mostrar que não tem epidemia”, argumentou o ministro da Cidadania na ocasião.

Na semana passada, Osmar Terra escreveu em uma rede social que a pesquisa não cumpriu o solicitado no edital. Ele alegou que o edital pedia que a pesquisa “fosse passível de comparação com as anteriores, feitas em 2001 e 2005”, e disse que a Fiocruz “não está proibida de divulgar” o estudo.

Em nota, a assessoria do Ministério da Justiça, pasta comandada por Sérgio Moro, informou que “a metodologia usada na pesquisa impede a comparação dos resultados com o primeiro e o segundo levantamentos, como era exigido no edital”.

Em um ofício enviado em 2 de abril à Fundação Oswaldo Cruz, o Ministério da Justiça afirmou que, “por este motivo, a publicação das informações ali contidas prescinde, não depende, de autorização do ministério, contanto observado que a pasta não seja citada e que o título do estudo seja editado”.

Por meio de nota, a Fiocruz rebateu o governo. A fundação ressaltou que “todos os critérios solicitados pelo edital foram devidamente atendidos; que o levantamento que fez é mais amplo do que os anteriores; e usou o mesmo plano amostral adotado pelo IBGE para a realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, o que permite um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país”.

A Fiocruz ponderou também que “houve mudanças na demografia do país desde as últimas pesquisas e nos critérios adotados para classificação de dependência, por isso, uma comparação dos dados atuais com os anteriores não poderia ser feita de maneira simplista e direta, mas sim a partir de análises estatísticas específicas”. A fundação informou que entregou “análises comparativas que utilizaram três abordagens diferentes”.

Apoio à Fiocruz

Fontes ouvidas pela TV Globo informaram que a Fiocruz tem o receio de que, ao divulgar a pesquisa sem a chancela do governo, fique caracterizado quebra de contrato e a instituição seja obrigada a devolver os R$ 7 milhões que gastou com o estudo. A Fiocruz e o Ministério da Justiça pediram que a Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União resolva o impasse em torno da pesquisa. A AGU é responsável por mediar conflitos entre órgãos públicos federais.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se manifestou em defesa da Fiocruz. Disse que a pesquisa é extremamente completa, com uma amostragem muito ampla de grandes e pequenas cidades, e “considera deplorável que o governo não reconheça os dados científicos produzidos a seu pedido por uma instituição centenária e pioneira, referência neste e em outros aspectos”.

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Foto: Paula Cavalcanti

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