VELHO CHICO, TE QUEREMOS VIVO!
Na CPT/BA
Estivemos reunidos em Januária – MG, de 07 a 09 de junho de 2019, no V Encontro da Articulação Popular da Bacia do Rio São Francisco, 109 pessoas de 56 organizações de povos indígenas, quilombolas, geraiseiros/as e catingueiros/as de fundos e fechos de pasto, pescadores/as, pesquisadores/as, pastorais e de grupos urbanos das quatro regiões da Bacia – Alto, Médio, Submédio e Baixo. Desafiados e confiantes, olhamos para trás, para os aprendizados dos 14 anos de luta da articulação, para as dificuldades imensas da atualidade e para os compromissos que assumimos daqui para frente. No horizonte a necessidade de mobilização social mais competente e urgente para avançar na luta pela vida e dignidade dos humanos e da natureza da grande Bacia do Velho Chico. Bem mais do que constatamos, aqui mesmo, em maio de 2012, no III Encontro.
Voltamos à acolhedora Januária para nos dar conta do agravamento do quadro por que passa a Bacia, enfrentado pela São Francisco Vivo desde 2005. Problemas e desafios como a expansão sem limites do agronegócio, da mineração e dos projetos de energia eólica e solar e a ameaça nuclear; o desmatamento dos Cerrados, que acarreta mais assoreamento e diminuição do nível das águas e o avanço do mar na foz salinizando solos e águas; a contaminação geral pelos poluentes das diversas atividades econômicas sem limites, em especial os agrotóxicos e os rejeitos minerários; a grilagem violenta de terras, concomitante à paralisação da reforma agrária e do reconhecimento dos territórios tradicionais; os retrocessos nos serviços públicos de educação (fechamento de escolas rurais e cortes de verbas) e saúde (precarização do SUS) e a anunciada reforma da Previdência, que tanto preocupa os pobres do campo e da cidade. O fracasso da transposição de águas do São Francisco dá mais razão às críticas que fazíamos ao projeto e atesta a penúria do rio. Na síntese de uma jovem participante do encontro: “O Velho Chico pede socorro pois está sendo usado para envenenar seu povo”.
Isso num contexto político gravíssimo de controle da Extrema Direita sobre o Estado, nos Três Poderes, com desmonte do Estado Social e criminalização das lutas sociais, a serviço do capital financeiro, com apoio de parcela significativa da sociedade. A política institucional se deteriora como meio decisivo de solução; ao contrário, é cada vez mais parte substancial do problema. A alternância de governos não tem significado a crítica e o abandono do projeto desenvolvimentista do modelo civilizatório ultraliberal falido. Enquanto a oposição de Esquerda, perplexa, tem dificuldades para reencontrar seu eixo unificador e mobilizador como alternativa real.
O avanço das lutas se faz mais exigente desde o crime da Vale em Brumadinho – MG, com seus efeitos terríveis não só para as pessoas e a natureza locais, como também para tudo e todos da ribeira abaixo. A contaminação criminosa da Vale continua impactando as comunidades do Paraopeba até a barragem de Três Marias com as dificuldades do desabastecimento de água potável e a desvalorização e declínio do pescado e outras atividades dependentes do rio, sem que a responsável e as autoridades assumam soluções reais e permanentes. O sofrimento mental nas comunidades afetadas e descrentes se constitui em um grave problema de saúde pública.
Desafio ainda maior é não só fazer as lutas mas também disputar a opinião pública a respeito, de modo a reconhecer a fundamental importância de manter vivas as culturas tradicionais ligadas ao rio, a apontar o rumo da saída da crise civilizatória atual, como construção coletiva do sonhado mundo eco-nômica e eco-logicamente de fato sustentável. Sem a adesão e o apoio da cidade, as lutas do campo pela natureza e pela vida de todos tendem ao fracasso.
As experiências populares compartilhadas, realizadas no âmbito dessa Articulação, provam que, não obstante todas as dificuldades, a luta vale a pena e que é possível fazer a diferença no rumo do Bem Viver: rios afluentes revitalizados por comunidades ribeirinhas no Alto; os levantes populares em defesa das águas e dos territórios geraiseiros no Oeste da Bahia; a mobilização social mais ampla em vários lugares da Bacia frente à ameaça da lama da Vale e a dos jovens aliados aos indígenas e quilombolas contra a Usina Nuclear no Submédio; a ação das mulheres do Baixo em remover o lixo e conscientizar outros moradores contra a poluição; as parcerias com pesquisadores das universidades públicas nos temas que interessam às lutas populares da Bacia; a mística que move o povo e suas organizações e lutas – “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá” – e fortalece as esperanças de vencer – “a história não falha… na lei ou na marra nós vamos ganhar”.
Ao final do encontro, numa bela e tocante celebração às margens do Velho Chico, liderada pelos indígenas, quilombolas e o bispo diocesano de Januária, os participantes em gratidão devolvendo ao rio as águas trazidas de seus lugares de origem, nos comprometemos com a continuidade da Articulação reorganizada. Cada região a seu jeito e com suas prioridades, e todas conectadas nos desafios comuns – como o da lama da Vale – e animadas por um grupo de articuladores/as e alimentadas por uma Rede de Edu-comunicadores/as.
De novo e sempre ecoamos nosso grito de guerra: “São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo”!
Januária, 09 de junho de 2019.
Povos Indígenas: Pataxó Hã hã hãe, Xacriabá, Pankará, Kariri-Xocó; Comunidades Quilombolas, Pesqueiras e Vazanteiras: Croatá, Cabaceiras, Caraíbas, Sangradouro Grande; Comunidades Pesqueiras e Vazanteiras: Canabrava, Barrinha, Maria Preta, Associação dos pequenos produtores da Ilha da Marambaia APRIMA; Comunidades Pesqueiras: Comunidade Pesqueira Pedreiras, Associação de Pescadores Bolivar, Associação de Pescadores do Serrão – Ilha das Flores, Pescadores de Delmiro Gouveia; Comunidades Quilombolas: Juá, Lagoa do Peixe, Fazenda Grande e Boa Vista do Pixaim, Brejão dos Negros, Brejo Grande, Lapinha, Mocambo, Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Porto da Folha; Comunidades de Fundo e Fechos de Pasto: Xique Xique, Itaguaçu da Bahia, Correntina; Movimentos: dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – MPP, Pela Soberania Popular na Mineração – MAM, dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, das Mulheres Trabalhadoras Rurais – MMTR-NE, de Atingidos por Barragens – MAB, das Mulheres Camponesas – SE, Pelas Serras e Águas de Minas MovSAM; Articulação Nacional das Pescadoras – ANP; Coletivo de Mulheres do Norte de Minas; Instituições da Igreja: Conselho Indigenista Missionário – CIMI; Comissão Pastoral da Terra – CPT; Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP; Pastorais da Juventude – PJ e da Juventude do Meio Popular – PJMP; Pastoral do Meio Ambiente – PMA; Pastoral Social da Diocese de Propriá-SE; Cáritas Diocesanas de Januária e Paracatu e Arquidiocesanas de Montes Claros, Regional Minas Gerais, Regional Bahia/Sergipe; Juventude Franciscana – JUFRA, Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação – JPIC Frades Capuchinhos, PRODERUR Arquidiocese de Montes Claros – MG, Centro de Referência em Direitos Humanos da Cáritas em Montes Claros – MG, Irmãs da Divina Providência – IDP; Diocese de Januária; Sindicatos: dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe – SINTESE, Sindicato dos Pescadores e Pescadoras de Sento Sé; ONGs: SASAC – Sociedade de Apoio Socio-Ambiental e Cultural, ASA Articulação do Semiárido Brasileiro, Agência 10envolvimento, Prosa Acurada, Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA; Pesquisa, ensino e extensão: Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – NIISA / Unimontes; Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho – Lasat / Fiocruz – Recife; GT de Saúde & Ambiente / Associação Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO; Escola Família Agrícola EFA Tabocal; Secretaria de Educação de Juazeiro.
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Foto: Washington Lima – JUFRA/AL