CNJ arquivou processos que julgavam parcialidade de Moro dias antes do vazamento de conversas

Por André Zanardo, no Justificando

O corregedor nacional de justiça, ministro Humberto Martins, determinou neste último dia 6 de junho, o arquivamento do pedido de providências instaurado contra o ex-juiz federal Sérgio Moro para apuração de “supostas” irregularidades cometidas na época em era titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. O caso tramitou em sigilo no CNJ e reuniu fatos controversos do ex-juiz desde 2016 até 2018. 

Os casos arquivados, foram tratados tanto pelos juízes do TR4 quanto pelo corregedor como “mero inconformismo” e “alegações genéricas”.

Entretanto, a semana se iniciou com uma grave denúncia produzida pelo The Intercept Brasil mostrando um vazamento de conversas trocadas por Telegram entre Sérgio Moro, quando ainda era juiz, e procuradores do Ministério Público Federal. Se comprovadas as mensagens trocadas entre juiz e acusação, trata-se de promiscuidade processual no âmbito da Operação Lava Jato.

Sobre o assunto, o atual ministro de Justiça e Segurança Pública afirmou que “não tem nenhuma orientação ali naquelas mensagens. O conteúdo revela, entretanto, que o então juiz trocou informações com Deltan Dallagnol, sobre o processo contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex.

Dentre as atos que permeavam o pedido de providências arquivados pelo CNJ discutiam-se a atuação de Moro em três momentos políticos para o país, o impeachment, o caso Lula e as eleições de 2018 quando:

  • Em março de 2016, divulgou áudios fruto de interceptação telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a finalidade de interferir politicamente no país.
  • Em julho de 2016, agiu no período de férias, contra a ordem de um desembargador, para invalidar um habeas corpus que havia concedido que o presidente saísse da cadeia;
  • Em outubro de 2018, deu publicidade a um termo de depoimento sigiloso da delação do ex-ministro Antonio Palocci em meio ao período eleitoral

Sem maiores explicações, justificando-se no cumprimento à Resolução n. 135do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que exige que sejam comunicadas à Corregedoria Nacional de Justiça as decisões de procedimentos administrativos relativos a juízes e desembargadores, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) encaminhou ao corregedor nacional a decisão de arquivamento de processo aberto contra Moro.

O corregedor nacional ratificou a decisão de arquivamento. Segundo Humberto Martins, “ a irresignação refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, principalmente quando o requerente não apresenta indícios mínimos a darem sustentação ao que alega, como no caso presente, em que as imputações são baseadas em meras conjecturas”.

Os fatos apresentados na denuncia contra Moro eram de conhecimento público e renderam acaloradas discussões jurídicas em noticiários nacionais. Primeiro quando da divulgação ilegal das interceptações telefônicas de Lula com Dilma Rousseff.

A divulgação ilegal dos áudios entre Lula e Dilma Rousseff

Rememorando o caso, em meio à discussão do impeachment de Dilma e diante da possibilidade da prisão de Lula a crise política no Brasil escalonou quando a ex-presidenta decidiu nomear o ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil. Além de ter Lula ao seu lado tomando as decisões, Dilma salvaria seu antecessor das garras do ex-juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações da operação Lava Jato. Isso porque Lula teria foro privilegiado, o que garantiria automaticamente a ele um julgamento conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, que até então era visto como a possibilidade de um julgamento mais justo.

No mesmo dia em que foi anunciada a posse de Lula como ministro, Moro liberou ilegalmente conversas telefônicas feitas durante interceptações telefônicas, as quais o ex-presidente fala com várias outras autoridades, incluindo Dilma Rousseff.

Em uma das gravações, Dilma dizia que iria enviar um termo de posse de Lula para que ele use “em caso de necessidade”, o que a oposição do governo entendeu como uma tentativa de salvá-lo de uma suposta prisão.

Em matéria ao Justificando, na época do ocorrido, o professor de Direito Penal da Faculdade da USP, Gustavo Badaró, disse que o vazamento das conversas eram absolutamente ilegais. De acordo com o Badaró,”O Art 8º da lei diz que as as intercepções devem ser atuadas em apartado e que todas as conversas e transcrições permanecerão sob sigilo, sem qualquer distinção se interessa ou não interessa para a investigação. O que a lei estabelece no artigo 9º, no artigo seguinte, é que as conversas que não interessam à investigação deverão ser destruídas, mas todas elas deveriam permanecer sigilosas.” O professor ainda complementou dizendo que os áudios dos ex-presidentes deveriam ficar restritos aos autos do processo servindo-se apenas à finalidade judicial, e não politicamente. “Ela serve para a investigação e só a investigação, estando disponível para o juiz, para o Ministério Público, para os delegados de polícia, aos investigados e seus defensores, e só esses, mais ninguém.”

Sérgio Moro atuou em período de férias para denegar ordem de Habeas Corpus

Moro teria cometido crime ao atuar para impedir o cumprimento de alvará de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ordem de soltura havia sido expedida pelo desembargador Rogério Favreto, em plantão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), acolhendo pleito dos deputados federais petistas Paulo Pimenta (RS), Paulo Teixeira (SP) e Wadih Damous (RJ).

O HC havia sido impetrado na sexta-feira à noite e, no plantão judicial e por sorteio foi destinado ao desembargador Rogério Favreto a análise do pedido. No dia seguinte, o magistrado vislumbrou a importância da urgência do pedido, pois informava ao juízo um estado permanente de grave ilegalidade na execução da pena de Lula. Por isso, proferiu decisão liminar concedendo liberdade ao ex-presidente, preso provisoriamente, acatando os argumentos da defesa e afastando o parecer do Ministério Público.

Diante do pedido de soltura, o desembargador determinou que o delegado responsável pelo presídio da Polícia Federal cumprisse o ofício expedido que comunicava que Lula deveria ser posto em liberdade. Foi então que o ex-juiz Sérgio Moro, licenciado de suas funções em razão de suas férias, ao saber pela mídia da decisão do Desembargador, determinou estranhamente que o delegado não cumprisse a ordem do Tribunal de Justiça.

Este fato causou grande discussão nos meios jurídicos por Moro ter se investido contra a ordem de um juiz de segunda instância, em período de férias, sendo parte absolutamente estranha ao processo. Sobre isto a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia denunciou Moro no CNJ sob o seguinte argumento:

“Não cabe ao juiz de primeira instância determinar se um desembargador é, ou não, competente para exarar uma decisão. Seria uma inversão da hierarquia. Qualquer questionamento, caso houvesse, só poderia ser feito após o cumprimento da ordem e pelas partes e autoridades legitimadas nos autos”.

Divulgação de Antônio Palocci às vésperas da eleição

A menos de uma semana para o primeiro turno das eleições de 2018, o ex-juiz Moro, futuro Ministro da Justiça, inflamou os debates presidenciais ao tornar público partes da delação premiada do petista, ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Nas delações haviam discussões variadas que influenciariam a campanha presidencial, pois Palocci afirmava que as campanhas presidenciais do PT em 2014 custaram muito acima do declarado pela Justiça Eleitoral, totalizando 1,4 bilhão de reais. Além dessa alegação o ex-ministro afirmou que havia a distribuição de propina em 90% das medidas provisórias editadas pelos governos Lula e Dilma.

Em nota deputados do PT disseram que Moro agiu deliberadamente em uma tentativa de interferir nas eleições. “Distanciando-se do interesse público e visando exclusivamente contemplar interesses de sua notável predisposição, o representado disponibilizou conteúdo de uma delação sem provas poucos dias antes do pleito, com direcionamento partidário explícito, para atender aos interesses de criminalização de determinados indivíduos e da vida pessoal e política de certos investigados, sob o descompromisso com a preservação da legalidade e dos pressupostos do Estado Democrático de Direito, cujos valores é de sua obrigação funcional e ética preservar”.

Os deputados ainda criticaram Sérgio Moro, por sua atuação tanto no caso Lula, bem como na atuação política mais ampla contra o PT, se lançando como parte de um jogo político com objetivos pessoais que até então não foram declarados pelo ex-juiz.” A postura do Representado é extremamente grave, colocando em dúvida, como dito, sua imparcialidade, na medida em que se utiliza da posição que conseguiu auferir na sociedade, para interferir de maneira indevida no processo eleitoral, sempre com o viés de prejudicar o Partido dos Trabalhadores e suas candidaturas”.

Com menos de um mês da divulgação desta delação, logo após o segundo turno das eleições, no dia 1 de novembro de 2018, Sérgio Moro aceita o convite para o cargo de Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro.

André Zanardo é diretor de redação do portal Justificando

Imagem: Jota Camelo /Outras Palavras

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