Em maio o governo federal anunciou que irá reavaliar as Normas Regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no trabalho, e que pretende reduzir em 90% as regras estabelecidas pelo extinto Ministério do Trabalho (O GLOBO). O Grupo Temático Saúde do Trabalhador da Abrasco assinou, juntamente com diversas entidades – sindicatos, associações que representam juízes, procuradores, advogados, auditores, pesquisadores e diversos profissionais da área – o manifesto “Normas que salvam Vidas: em defesa das NR de saúde e segurança no trabalho”. A carta será enviada à Organização Internacional do Trabalho (OIT) e às autoridades brasileiras.
O Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho indica que de 2012 a 2018 foram registrados 4.503.631 acidentes trabalhistas – um a cada 49 segundos – e cerca de 17 mil pessoas morreram em consequência.
Leia o manifesto:
Normas que salvam Vidas: em defesa das NR de saúde e segurança no trabalho
O Governo Federal anuncia a intenção de reduzir em 90% as normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, conhecidas sob a sigla NR. No seu entender, haveria “custos absurdos em função de uma normatização absolutamente bizantina, anacrônica e hostil”.
Num país com indicadores alarmantes de acidentes do trabalho, e levada a público apenas quatro meses depois do maior acidente da história do país – o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que causou a morte de mais de 300 trabalhadores, tal iniciativa causa espécie, pela absoluta desconexão da realidade e pelo inaceitável retrocesso que representa.
De acordo com dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), no período 2012-2018, ocorreram 4,5 milhões de acidentes de trabalho no Brasil, representando um acidente a cada 49 segundos, com mais de 16 mil mortes no período e 38.183 amputações. Ou seja, uma morte por acidente de trabalho a cada três horas e 43 minutos.
Nesse período, 79 bilhões de reais foram gastos pela Previdência Social na cobertura de benefícios acidentários e foram perdidos 350 mil dias de trabalho decorrentes de acidentes. A intenção de reduzir as NR produzirá um efeito ainda mais danoso, inverso ao propalado pelo Governo, comprometendo ainda mais os sistemas de saúde e previdenciário.
A afirmação de que as Normas Regulamentadoras são “hostis às empresas” é completamente equivocada e demonstra o mais primário desconhecimento do seu processo de elaboração. As trinta e seis NR em vigor resultam de discussões tripartites, que envolvem não apenas o governo e os trabalhadores, mas os próprios representantes da classe empresarial. Disciplinam procedimentos de segurança e prevenção à saúde nos principais ramos da atividade econômica: operação de máquinas e equipamentos, construção civil, trabalhadores da saúde, atividades portuárias, trabalho rural, frigoríficos, plataformas de petróleo etc. E regem procedimentos administrativos fundamentais, como embargo de obras e interdição de máquinas ou de atividades que ofereçam risco grave e iminente à integridade dos trabalhadores.
As NR concretizam, assim, o disposto em normas da Organização Internacional do Trabalho, notadamente a Convenção 155, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, e o comando constitucional de tutela da pessoa humana, no marco dos arts. 4º, II, e 5º, caput, e do meio ambiente equilibrado, na esteira dos arts. 225 e 200, VIII.
Tampouco há de se falar em “anacronismo”. A paradigmática Norma Regulamentadora nº 12, relativa à operação de máquinas e equipamentos, principal causa de acidentes no Brasil, tem sofrido, ao longo do tempo, mais de uma dezena de revisões, sempre precedidas de discussões tripartites, que atualizam periodicamente os procedimentos nacionais no tocante às normas do chamado sistema internacional de normatização (ISO).
Nenhuma economia sustentável pode ter um dos pilares do seu crescimento baseado na morte e adoecimento de parcela significativa de sua força de trabalho. Economias fortes e sustentáveis como União Europeia, Estados Unidos, Japão, Austrália e outros países possuem uma legislação relevante em SST e garantias ao seu corpo de fiscais para executar a fiscalização.
A precarização do trabalho, iniciada com a chamada reforma trabalhista e a terceirização da atividade-fim, dá sinais preocupantes de seu aprofundamento. Em sua esteira, pretende-se a flexibilização das normas de meio ambiente do trabalho, o que constitui uma inadmissível banalização da vida humana, reduzida a um mero fator de administração dos meios produtivos.
Toda e qualquer revisão das normas regulamentadoras do meio ambiente do trabalho deve obrigatoriamente pautar-se nas premissas da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, do direito à vida, à saúde e à segurança, e resultar de um processo transparente, com a participação igualitária de todas as partes envolvidas.
Do contrário, em nome de uma falsa modernização, a tragédia ambiental trabalhista assumirá contornos ainda mais nefastos, ampliando o já imenso passivo socioeconômico do País.
Entidades que subscrevem o presente manifesto:
ITD – Instituto Trabalho Digno
ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho
ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas
ALJT- Associação Latino Americana de Juízes do Trabalho
AJD – Associação dos Juízes para a Democracia
SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho
SAFITEBA – Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho do Estado Da Bahia
SINPAIT – Sindicato Paulista dos Auditores Fiscais do Trabalho
ANAMT – Associação Nacional de Medicina do Trabalho
ABERGO – Associação Brasileira de Ergonomia
ULAERGO – União Latinoamericana de Ergonomia
ABRASTT – Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva – GT Saúde do Trabalhador
MD – Médicos pela Democracia
ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
ADJC – Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania
AFD – Auditores Fiscais pela Democracia
CTB – Central de Trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiros
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CSP – Central Sindical e Popular CONLUTAS
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
ASEMPT – Associação dos Servidores do Ministério Público do Trabalho e Militar
Sindsef – Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado de São Paulo
ASSIBGE – Associação dos trabalhadores do IBGE – Núcleo SP
UGT – UNIÃO Geral dos Trabalhadores- BA
SINDADOS – Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados da Bahia
Fetracom-Base – Federação Interestadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Ind. da Construção e Mobiliário – Bahia e Sergipe
Sindicato dos Bancários da Bahia
SINTRACOM – Sindicato dos Trabalhadores na Ind. da Construção e da Madeira do Estado da Bahia
SINJORBA – Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia
SINTTEL – Sindicato dos trabalhadores em Telecomunicações do Estado da Bahia
Sindborracha – Sindicato dos Borracheiros do Estado da Bahia
Sindiliquida – Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Rodoviário de Cargas Liquidas e Gasosas Derivados de Petróleo e Produtos Químicos do Estado do Rio Grande do Sul
ABEPTAM – Associação Baiana de Estudantes e Profissionais Técnicos em Segurança no Trabalho, Saúde e Meio Ambiente
FUNPAJ – Fundação Padre José Koopmans
STU – Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp Sindicato Nacional dos Servidores do MPU – Seção SP
CACH – Centro Acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp
ABRAS – Associação Brasileira de Advogados e Advogadas Sindicais
ABPREV Brasil – Associação Brasileira de Defesa dos Direitos Previdenciários Acidentários e Consumidores
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A foto é de Assis Horta, autor dos primeiros retratos para a carteira de trabalho, em 1943, ano em que foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).