Posicionamento da 7CCR questiona decisão do CNMP, que determinou arquivamento de investigação do MPF sobre caso dos 80 tiros
O Ministério Público Federal (MPF) tem atribuição para investigar crimes cometidos por militares contra civis, entre eles a ação do Exército que resultou na morte do músico Evaldo Rosa e do catador de materiais recicláveis Luciano de Barros Goes, em abril deste ano no Rio de Janeiro. É o que defende a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF (7CCR), em memorando enviado à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, nesta sexta-feira (14). O documento, assinado pelo coordenador da 7CCR, o subprocurador-geral da República Domingos da Silveira, questiona a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que determinou o arquivamento da investigação do MPF sobre o caso.
Em 11 de junho, o CNMP julgou Reclamação para Preservação da Autonomia do MP proposta pelo Ministério Público Militar (MPM) e decidiu pelo arquivamento da investigação instaurada pelo MPF no Rio de Janeiro. Os dois órgãos apuravam a ação de militares do Exército que dispararam mais de 80 tiros de fuzil contra o carro de uma família, causando as mortes do músico e do catador. O MPF no Rio instaurou o procedimento investigatório criminal por entender que há dúvida sobre a constitucionalidade da Lei 13.492/17, que deslocou para a Justiça Militar a competência para julgar crimes contra a vida praticados por militares contra civis. A norma é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5901, em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
Segundo a 7CCR, a Constituição é clara ao estabelecer que devem ser julgados pela Justiça Militar apenas os crimes militares – ou seja, aqueles que atentem contra a hierarquia, a disciplina e as instituições militares. Os crimes comuns cometidos por militares são atribuição da Justiça comum. “Se a intenção fosse atribuir à Justiça Militar o julgamento de qualquer crime praticado por militar, não haveria motivo para a utilização da expressão ‘crimes militares’, bastando ao Constituinte definir a competência em razão da qualidade de militar do agente”, diz o texto.
Esse posicionamento foi reiterado pelo MPF diversas vezes, com a expedição de nota técnica e orientação sobre o tema, além do parecer da procuradora-geral da República na ADI 5901. O entendimento também está expresso em decisões anteriores do STF – que tem restringido a competência da Justiça Militar às situações de atividades tipicamente militares – e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDF).
Conflito de atribuições
A 7CCR também argumenta que a controvérsia entre MPM e MPF não é um caso de ameaça à autonomia do Ministério Público, e sim um conflito de atribuições. O CNMP pode analisar a Reclamação para Preservação da Autonomia do MP quando há ofensa, ameaça ou restrição à independência do Ministério Público, para evitar que a ação de agentes externos atrapalhe ou inviabilize o trabalho do MP. Segundo a 7CCR, a investigação do MPF não ameaça a atuação do MPM: “ao contrário, busca assegurar a adequada instrução probatória pelo órgão do MP com atribuição para tanto”, diz o texto. Nesse caso, há a atuação de mais de um Ministério Público, o que configura conflito positivo de atribuições. A resolução do impasse é competência da procuradora-geral da República, e não do CNMP, defende a Câmara.
A argumentação será agora analisada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que poderá questionar a decisão do CNMP no Supremo Tribunal Federal, por meio de mandado de segurança.
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Procuradoria-Geral da República
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A viúva de Evaldo Rosa, fuzilado com mais de 80 tiros na Mangueira. Foto: Tânia Rego /Agência Brasil