“É uma infâmia alguém que incentiva o ódio participar de uma manifestação que tem Jesus como centro”, diz teólogo, sobre presença do presidente na Marcha para Jesus
Por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – Primeiro presidente a participar da Marcha para Jesus, na quinta-feira (20), Jair Bolsonaro voltou a fazer, durante o evento, o gesto em que simula segurar uma arma apontando-a para algo ou alguém. Com uma camiseta em que se estampava “Jesus”, o chefe do Executivo também prometeu que vai procurar deputados e senadores para, em suas palavras “salvar” o decreto que flexibiliza o porte de armas. Disse ainda que vai “entrar em contato com os homens do campo”, porque “a bandidagem tá muito bem armada por aí”, numa referência à bancada ruralista, em grande número na Câmara dos Deputados, para onde o decreto foi mandado para nova apreciação – na terça-feira (18), o Senado derrubou a proposta presidencial por 47 votos a 28.
“Quem disser ‘amo a Deus’, mas odeia o irmão, é mentiroso. Acho que é uma infâmia alguém que incentiva o ódio, e odeia explicitamente, participar de uma manifestação que tem Jesus como centro e fazer tudo aquilo que Jesus não quer e proíbe”, diz o teólogo Leonardo Boff à Rede Brasil Atual. “Eu acho que essa pessoa tem que ser tirada (da presidência), porque ele é um empecilho ao convívio, ao bem estar, à coesão da sociedade”, acrescenta, com a ressalva de que devem ser usados meios democráticos para isso.
Hoje, os evangélicos representam 30% dos brasileiros. Para Boff, “grande parte desses cristãos são reféns”. “É um desafio a nós, católicos e cristãos, libertarmos esses povo, que é refém de falsos pastores”, diz.
O frei comentou as revelações feitas pelo Intercept Brasil das conversas entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol, que revelam condutas antiéticas e até criminosas de ambos com intuito de condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Acho que está se revelando que foi uma grande armação, não só nacional, mas internacional.” Ele lembra o historiador Moniz Bandeira, morto em 2017, segundo o qual o que ocorre no país a partir de 2016 “foi pensado e montado no Departamento de Justiça dos Estados Unidos”.
Boff também falou do julgamento do habeas corpus de Lula, marcado na pauta da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal para o próximo dia 25 . A ministra Cármen Lúcia, porém, nova presidenta do colegiado, tirou o julgamento, que era o terceiro item da pauta do dia, e o colocou no fim da lista – o que pode resultar em novo adiamento da decisão. “Eu lamento profundamente que a Cármen Lúcia, que se diz cristã autêntica, colocou lá no fim da pauta a questão do Lula, que nós nem sabemos quando vai ser.”
Como o sr. avalia a presença de Bolsonaro, que se diz cristão, na Marcha para Jesus?
Ele tem espalhado ódio, em especial aos homoafetivos. Quem disser ‘amo a Deus’, mas odeia o irmão, é mentiroso. Acho que é uma infâmia alguém que incentiva o ódio, e odeia explicitamente, participar de uma manifestação que tem Jesus como centro e fazer tudo aquilo que Jesus não quer e proíbe. É absolutamente contraditório, vergonhoso para os que têm um mínimo de fé, pouco importa se é evangélico, católico, mas tem Jesus como referência. É ofender Jesus. Uma pessoa dessa devia não usar o nome de Deus e de Jesus, ofendendo as pessoas e o próprio Deus.
No evento, ele voltou a defender o decreto que flexibiliza as armas, mesmo depois de o Senado ter derrubado…
Arma é para matar ou para morrer, não é uma brincadeira, é um instrumento de morte. Ele (Bolsonaro) não teme diante do assassinato, do feminicídio. E como o brasileiro às vezes é destemperado, em questões como acidentes de tráfego, numa discussão mais acalorada, acaba sacando a arma e matando o outro.
Então ele incentiva uma sociedade violenta, que inclui nas suas relações a morte, e não a vida, a colaboração, a convivência pacífica. É absolutamente irresponsável. Esse projeto tem que ser derrubado não só no Senado, mas também na Câmara, e tem que ser rejeitado por qualquer cidadão que tem um mínimo de bom senso e amor à própria vida, porque ele pode ser morto, e à vida do outro, que ele pode matar.
Hoje os evangélicos no Brasil são aproximadamente 30% e Bolsonaro foi nesse evento porque sabe que tem apoio da maioria dessa parcela da população. O que acha dessa população?
Grande parte desses cristãos são reféns de falsos pastores. O YouTube mostrou o deputado e pastor Feliciano arrancando dinheiro das pessoas. Obrigando a entregar quantias, até mil reais. Isso é um abuso da boa fé dos fiéis para enriquecer de forma blasfema, porque usa o nome de Deus.
E é um desafio a nós católicos e cristãos libertarmos esses povo, que é refém de falsos pastores, que estão aí não para falar ao coração das pessoas, mas ao bolso delas, tirar dinheiro delas em benefício próprio. Eles hoje são todos milionários, vivem no maior luxo e não têm nada que ver com o Evangelho de Jesus Cristo.
Não sem razão eles quase nunca citam o Novo Testamento, só o Antigo Testamento e o “evangelho da prosperidade”, nunca o Novo, onde claramente Jesus faz opção pelos pobres, dizendo “bem aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino de Deus” (Lucas, 6-20).
Jesus sempre toma a defesa dos mais vulneráveis, dos doentes, das mulheres. Então, ele vai contra toda a mensagem central de Jesus. E devemos fazer valer o preceito da Constituição, porque estamos num estado laico e não devemos usar a religião para fazer política, em primeiro lugar.
Em segundo lugar, aplicar a “lei da agiotagem” (alínea “a” do artigo 4º da lei 1.521/51). Eles estão fazendo agiotagem, enganando o povo, arrancando coercitivamente dinheiro, o que é um crime. A maioria não os processa porque as pessoas sabem que eles têm emissoras de rádio, televisão, e podem difamar candidatos e fazê-los perder eleições.
Mas creio que as pessoas têm que ser retas, seguir sua consciência, ter coragem de denunciar o mal feito, especialmente quando se usa a religião para um fim não religioso. Religião não existe para fazer dinheiro, mas para incentivar a dimensão espiritual do ser humano, facilitar o encontro com Deus.
Como vê a situação de Sergio Moro desencadeada pelas conversas reveladas pelo The Intercept Brasil?
Acho que está se revelando que foi uma grande armação, não só nacional mas internacional. Moniz Bandeira, o nosso maior intérprete da política internacional, já denunciava no ano passado que tudo isso foi pensado e montado no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, junto com lideranças daqui. E aplicaram o lawfare.
Aplicaram em Honduras, no Paraguai, no Brasil, fazendo um golpe, guerra híbrida. Você não precisa mais usar tanques, basta corromper juízes, conquistar e pressionar parlamentares, a Polícia Federal e inclusive tornar inativo o Supremo Tribunal Federal.
E fizeram o golpe, que começou com a Dilma, e agora estão levando avante isso, com um grande desastre para a população brasileira. Nunca mergulhamos, não só na crise, mas em tanta barbárie, como mergulhamos agora.
O sr. tem esperança de que essa situação se resolva?
Eu acho que essa pessoa tem que ser tirada (da presidência) porque ele é um empecilho ao convívio, ao bem estar, à coesão da sociedade. Não é uma pessoa capaz de unir a nação, ele divide, não respeita nenhum rito da dignidade do cargo de presidente. E é uma pessoa tosca, faz uma política familiar, coloca seus filhos e mostra mais lealdade à família, aos filhos, do que à pátria brasileira.
Não sei por que meios vamos tirá-lo, oxalá sejam meios democráticos, para que salvemos a nação do pior, porque ela está afundando dia a dia, e poderá levar a uma grande desgraça em termos de desemprego, desespero das famílias e uma crise social generalizada, provocada pelo estilo dele de conduzir o governo, sem nenhum projeto de nação, simplesmente ocupando um cargo, eu diria, quase usurpado.
Porque, se a eleição seguiu o rito democrático que é pôr o voto na urna, a forma como foi feita – por meio de fake news, mentiras, manipulações –, é ilegítima. Se tivéssemos um Tribunal Superior Eleitoral justo, consciente, anularia essa eleição, porque ela foi de ponta a ponta corrompida.
O que o sr. espera do julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, que já não se sabe será dia 25?
Eu lamento profundamente que a Cármen Lúcia, que se diz uma cristã autêntica, colocou lá no fim da pauta a questão do Lula, que nós nem sabemos quando vai ser. No dia 25 não se vai discutir o habeas corpus, vão-se discutir outros temas. Na fila, ele está quase no fim, e pode-se levar isso quem sabe até o final do ano.
Isso é uma injúria, uma irresponsabilidade de uma pessoa do Supremo Tribunal Federal, que tem consciência, que se diz cristã e se presta a conveniências ou a pressões internas, e até dos militares, aos quais ela se dobra. Se está marcado para o dia 25, que se faça no dia 25, sem ceder às influências e pressões alheias ao Supremo Tribunal Federal.
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Jair Bolsonaro participou, ao lado de bispos e outras autoridades, Bolsonaro faz “arminha” durante 27ª Marcha para Jesus, na zona norte da capital paulista. Presidente se diz cristão, mas prega a matança e posa como seu emissário. Foto: Bruno Rocha /Foto Arena / Folhapress