Entrevista com Edmar Oliveira
por Ana Claudia Peres, em Radis
Edmar Oliveira é defensor de uma psiquiatria mais inventiva e transformadora e já mostrou na prática como isso funciona. Não por acaso, participou ativamente do movimento da Reforma Psiquiátrica e de implantação dos primeiros Caps no Brasil. Quando esteve à frente do antigo e temido Hospital do Engenho de Dentro, no Rio, mudou o nome da instituição para Instituto Municipal Nise da Silveira, em uma tentativa de homenagear a médica que revolucionou o tratamento em saúde mental. Certa vez, ao elogiar o trabalho da alagoana como alternativo, ouviu dela uma bronca: “O que faço não é alternativo, mas uma outra prática para o lugar da antiga”. Fez dessa uma lição inesquecível, e luta incansavelmente pelo fim dos manicômios, hospícios e hospitais psiquiátricos. A loucura, para ele, deve ser discutida com a comunidade. Nesta entrevista à Radis, o psiquiatra repercute os últimos acontecimentos envolvendo as políticas públicas de saúde mental e a nova lei de drogas, rebate os argumentos dos que defendem o encarceramento e explica por que a reforma psiquiátrica é uma construção permanente, nunca terminada.
Por que uma Nota Técnica divulgada em fevereiro pelo Ministério da Saúde trouxe uma série de discussões sobre a Política Nacional de Saúde Mental em vigor?
Há 30 anos começou um movimento dentro do campo da saúde mental que vem construindo o que se convencionou chamar de Reforma Psiquiátrica. Há 18, conseguiu-se aprovar a lei da Reforma, a 10.216. Mas mesmo antes dela, a construção já dava resultados que garantiram a lei. A Reforma Psiquiátrica é uma construção de práticas em saúde mental que partiu de três princípios: primeiro, o manicômio tem que ser contestado no campo dos direitos humanos por ser um dispositivo de custódia, que fere os direitos básicos de cidadania; segundo, o que a Reforma propõe é uma prática inclusiva da loucura pela sociedade; e, terceiro, propõe dispositivos comunitários que devem substituir o manicômio. Ora, como um movimento de construção de uma nova teoria e prática, a Reforma sempre teve opositores no campo conservador. A psiquiatria biológica nunca aceitou uma reforma da Psiquiatria — a “ciência”. Eles querem uma reforma do manicômio. Aqui, Basaglia [Franco Basaglia, precursor do movimento de reforma psiquiátrica italiano] já dizia que não é o manicômio que distorce a psiquiatria, mas a psiquiatria que produz o manicômio. Essa inversão nunca foi “engolida” pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que nos últimos mandados especializou-se em combater a Reforma. Portanto a nota técnica de que você fala é uma aspiração da ABP realizada na gestão do Quirino [Cordeiro Júnior], ainda no governo Temer.
O que está em jogo?
O governo Bolsonaro trata de transformar aquela norma técnica em lei como já fez no campo de álcool e drogas (AD). Diga-se de passagem, que tanto a norma quanto a lei sobre a “nova” política de drogas aprovada no Senado [e já em vigor depois de sancionada (6/6) pelo presidente] vão de encontro à lei 10.216. Eles estão criando uma confusão de leis. Mas o que está em jogo? Se você observar bem, a nota técnica não nega a Reforma. Porque a Reforma tem resultados concretos na vida das pessoas e já é reconhecida na comunidade. Eles tentam desvirtuar a Reforma dizendo que estão aperfeiçoando. Mantém a nomenclatura dos Caps e outros dispositivos da Reforma, mas tiram o seu protagonismo e atacam os princípios que eu falei há pouco. Recolocam o manicômio na rede disfarçado de “Hospital Psiquiátrico” (todos começaram com esse eufemismo) e as Comunidades Religiosas (não as considero terapêuticas); reeditam a internação involuntária, pressuposto do manicômio; e dizem que os dispositivos da Reforma não são mais substitutivos, mas complementares. Ou seja, criam condições de violação dos direitos humanos; retiram o tratamento dos dispositivos comunitários, dispensam a inclusão social; e acabam com o modelo substitutivo, requisito principal da Reforma. O que está em jogo é um ataque que desfigura e destrói os pressupostos da Reforma Psiquiátrica, mesmo deixando que ela fique no papel. Tática política de cooptação, o que dificulta o combate que deveria ser em campo aberto.
Queria entrar brevemente na discussão sobre a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (ECT) para o Sistema Único de Saúde (SUS), prevista na nota e que acabou gerando alguns ruídos. Por que a discussão não se resume ao uso ou não do ECT ou à “volta do eletrochoque”? Qual a verdadeira questão por trás desse debate?
Repare, quando a nota técnica propõe que o Ministério da Saúde financie a compra de aparelhos de ECT, ele está propagando o seu uso para hospitais conveniados e do SUS. Ora, as normas técnicas para aplicação do que eles chamam “nova ECT” tem como requisito sua aplicação sob anestesia geral, o que implica em um centro cirúrgico médico para o procedimento. Sem entrar em detalhes sobre a eficácia ou não do método e de sua necessidade, um procedimento com tal complexidade deveria estar delimitado em alguns serviços públicos para ser utilizado pela rede. Quando a nota técnica propõe financiar ECT pelo SUS aos serviços psiquiátricos, ou é uma provocação deliberada ou um ato falho que coloca o ECT no campo simbólico anterior do seu uso manicomial: um método utilizado indiscriminadamente como castigo e tortura. Infelizmente isso soa como uma ameaça de que os manicômios estão voltando como política pública. Essa é a questão preocupante.
De todo modo, gostaria de ouvir a sua posição sobre o uso do eletrochoque, a partir da sua experiência inclusive como antigo diretor do conhecido Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro.
Tenho dito aos meus colegas formados na Reforma, que ao contrário deles eu fui formado na Psiquiatria clássica. Vim de lá da Psiquiatria biológica para compreender e defender a Reforma. Apliquei eletrochoque no início de minha prática. O que posso falar dele é que um método heroico que se aplica quando não há resposta a outras terapêuticas. Até hoje, em sua forma moderna é assim. Na minha observação, há uma melhora dos sintomas negativos (apatia, catatonia, depressão apática), mas a reincidência do quadro é comum. Parece que o paciente não fez a “travessia” necessária à crise. Trabalhando numa equipe transdisciplinar, outras abordagens — que não médicas — podem tirar o paciente desse estado. Digo por que já tive oportunidade de ver resultados interessantes com a “reestruturação do self”, método utilizado entre nós por Lula Vanderlei [médico e artista plástico] ou mesmo a musicoterapia combinada a oficinas terapêuticas intensivas. O problema é que o médico utiliza o eletrochoque quando seu repertório farmacológico não funciona e não recorre a outros profissionais — prática que deveria ser muito comum nos Caps. Posso afirmar que foi um método que desaprendi a usar e não vejo sua necessidade. E que a não discussão da sua utilização pode levar a aplicações que seriam desnecessárias. Posso ilustrar. Quando fui diretor do Hospital do Engenho de Dentro o uso do ECT era indiscriminado e abusivo. Afirmo isso porque utilizei de uma estratégia que me confirmou a suspeita. Ao contrário do que dizem, não proibi o uso de ECT na minha gestão. Apenas recolhi os aparelhos para requisição quando fossem necessários, após uma discussão técnica com a equipe. Surpreendentemente nunca mais aqueles aparelhos obsoletos foram utilizados. Até fizemos em alguns casos (lembro-me de uma adolescente) que foram feitos no Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub), sob anestesia com os cuidados necessários de uma instituição de ensino.
Quando esteve à frente do antigo e temido Hospital do Engenho de Dentro, você mudou o nome da instituição para Instituto Municipal Nise da Silveira. Mas embora tenha passado por mudanças, o local continua como hospital. É possível um hospital psiquiátrico fazer jus à luta da alagoana que revolucionou o tratamento em saúde mental? Qual a verdadeira alternativa aos hospitais e manicômios?
Quando assumi a direção do Hospital do Engenho de Dentro ele era um conjunto de manicômios com feudos de profissionais resistentes a qualquer mudança. Apesar de ter destituído as direções dos hospitais que compunham o complexo manicomial do Engenho de Dentro e ter organizados programas de atuação para alcançar resultados, eu precisava de um nome forte que anunciasse a mudança de verdade. Nise era essa resistência. Sempre foi. Toda esta experiência que durou nove anos e resultou na construção de uma rede de dispositivos substitutivos no grande Méier (hoje a região do Rio mais bem servida de dispositivos da Reforma) está narrada no seu acontecer no meu livro “Ouvindo Vozes” [Vieira & Lent Casa Editorial, RJ, 2019]. Não teremos tempo aqui para discorrer sobre a experiência em que o que sobrou foi a travessia, o fazer. O manicômio é muito forte. Tinha a intenção de matá-lo, mas não consegui. Ele sobreviveu e facilmente regenera. E a permanência do nome Nise da Silveira no Hospital do Engenho de Dentro é ruim e me traz arrependimentos. Vou lhe confessar, tenho medo da Nise puxar meu pé à noite. Repare que eu só o chamo de Hospital do Engenho de Dentro, como a comunidade sempre o nomeou. O nome, no caso, só serviu para apontar a mudança que aconteceria e, felizmente, aconteceu. O que sobrou não estava nos planos da mudança. A verdadeira transformação, não alternativa, mas substituição do manicômio, a Reforma se propõe a fazer. Com a existência do manicômio não tem Reforma. E os dispositivos da Reforma não são alternativos ao manicômio, mas deviam ser a sua substituição. Recebi a lição inesquecível de Nise. Quando elogiei seu trabalho como alternativo, ela me repreendeu: “O que faço não é alternativo, mas uma outra prática para o lugar da antiga”.
Como definir um Caps, um Centro de Atenção Psicossocial, para além dessa sigla?
A pergunta é boa porque tem muitos Caps que, além da sigla, conservam práticas manicomiais. Primeiro, um Caps é substitutivo da prática anterior. O usuário, a família e a comunidade fazem parte do tratamento ofertado. Os técnicos de um Caps não podem trabalhar só no interior do dispositivo. Seu entorno comunitário é para ser trabalhado para a inclusão da loucura (lembra os princípios?). A equipe não pode se subordinar ao saber médico. Aqui, cada um tem seu núcleo de saber (que não obedecem a uma hierarquia, mas devem interagir) dentro de um mesmo campo do conhecimento. Esse campo, que abrange os núcleos de cada saber não hierarquizado, deve comportar um trabalho transdisciplinar. A troca de saberes é essencial no trabalho de um Caps: se sou médico devo estar conversando com meus companheiros de equipe o efeito esperado da medicação que estou prescrevendo, assim como o psicanalista tem que me explicar os efeitos que espera de sua intervenção, ou o TO [terapeuta ocupacional] explicar os objetivos da interação do usuário com os objetos que ele usa etc, etc. As reuniões de troca de conhecimento e discussão de casos são necessárias, assim como a supervisão da equipe. Oficinas e grupos devem ser feitos por todos os membros da equipe. Essa dinâmica no papel dos técnicos faz cada Caps encontrar seu caminho de construção das práticas reformistas, que são idiossincráticas. Um Caps é movimento de construção de novas subjetividades. Dos usuários e dos técnicos. E é claro que usuários, familiares e sociedade interferem nas práticas assistenciais.
E como definir as Comunidades Terapêuticas?
Primeiro é preciso dizer que elas se apropriam de uma nomenclatura indevida. Comunidade Terapêutica começa com Tosquelles [François Tosquelles, psiquiatra catalão] na França ocupada, durante a Segunda Guerra, que junta pacientes com abrigados políticos e oficinas de trocas com a comunidade e depois continua como método de transformação de asilos. Isso não tem nada a ver com as Comunidades Religiosas de agora. Posso afirmar que elas vão ocupar o lugar dos antigos manicômios. Eu acho que a Reforma errou em querer abrigar as Comunidades Religiosas na rede de saúde mental. Sempre me bati contrário a sua inclusão na rede de Saúde, no SUS. Porque são de uma outra natureza. Não posso ter nada contra alguém com problemas com drogas querer se internar numa comunidade religiosa porque a fé pode mudar a sua vida. Isso é muito possível e admirável. Portanto as comunidades religiosas têm um papel a desempenhar junto aos usuários de drogas. Um papel religioso de cura pela fé. Não como um serviço de saúde, do SUS. Aí acho que misturamos as estações. Gosto de discutir esse assunto: tenho um respeito pelas comunidades que voluntariamente abrigam necessitados usuários abusivos de drogas e os recupera. Mas tenho alguns senões a essa prática.
Quais?
Primeiro, a penitência só pode ser voluntária. Penitência involuntária é tortura. Portanto a internação involuntária nessas comunidades é um absurdo, do meu ponto de vista. Assim elas vão cumprir o papel de prisões para o problema social das ruas. Segundo, eu não vou competir com o poder de Jesus e sua cura. Mas o seu poder – um poder da fé – não pode ser financiado pelo SUS, dinheiro da saúde que já é tão escasso para práticas que não são milagrosas. Ora, as Comunidades Religiosas no sistema público de tratamento a usuários de drogas, fazendo parte do SUS, com internações pagas para os religiosos, inevitavelmente vão refazer de forma mais absurda os antigos manicômios. Em breve teremos uma população internada como no tempo dos manicômios. Não só porque são usuários de drogas, mas pobres, pretos, desvalidos, desempregados, miseráveis de todos os matizes. Assim se fizeram os manicômios. Se a loucura já foi a razão dos manicômios, agora as novas práticas vão fazer uma resistência ao retorno dos manicômios porque são efetivas e aceitas pela sociedade. O usuário de drogas desvalido é o motivo da vez para a volta dos manicômios. Por isso as Comunidades Religiosas, no modelo definido na lei do Osmar Terra [atual Ministro da Cidadania e ex-deputado federal, autor do projeto de lei sancionado por Bolsonaro], são um perigo para o retorno do manicômio.
Passei um dia no Caps Miriam Makeba. Conversei com profissionais, usuários e familiares. É difícil imaginar que isso possa pôr um fim às conquistas até aqui. Gostaria de lhe ouvir sobre. Como isso ameaça o que foi conquistado pela Reforma Psiquiátrica?
Tenho dito que a nossa resistência vai ser forte por dois motivos. Lembra quando eu disse lá atrás que a prática reformista alterava subjetividades? Dos pacientes e dos técnicos? Então, quem trabalhou num Caps de verdade não sabe mais trabalhar de outra forma e os usuários não querem mais voltar ao manicômio. Isso é o nosso capital de resistência. Mas temos que estar preparados para o ataque. Tem o ataque financeiro. Tínhamos invertido o dinheiro que financiava o velho modelo para os dispositivos da Reforma. Eles agora vão direcionar os recursos para as práticas manicomiais e asfixiar os Caps. Mas tem o assédio moral ao nosso trabalho. Recentemente um vereador de Vassouras [município do Rio de Janeiro] numa sessão da câmara chamou os técnicos do Caps de Vassoura de “vagabundos de esquerda” e exigiu do Prefeito a demissão da diretora do Caps por não querer internar pacientes na clínica da cidade. Dizia que se o Prefeito não fizesse a demissão era porque era de esquerda também. Como se ser de esquerda fosse crime! Hoje parece que o fascismo caminha a passos largos para dominar as nossas instituições. E aí, temos que sair com os usuários junto com a sociedade para lutar por democracia. Sem democracia não tem saúde mental. Só podemos respirar na democracia. Essa é a luta de agora. Sem democracia, o manicômio vence. Ele é filho do fascismo.
Você defende que a Reforma Psiquiátrica brasileira é uma construção permanente, nunca terminada. Diante do atual contexto, qual o maior desafio para aqueles que acreditam e trabalham por uma sociedade sem manicômios?
Que a luta também nunca termina. Gosto muito do lema “por uma sociedade sem manicômios” porque ele é uma utopia. Como disse Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei”. E arremata maravilhosamente: “Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Você já disse em entrevista que é necessário discutir a loucura com a sociedade. Como a saúde pública pode e deve se relacionar com a loucura?
Para que a Reforma Psiquiátrica seja efetiva, necessariamente há o trabalho da discussão da loucura na comunidade, como já foi abordado. Quando nós tiramos a loucura do seu isolamento manicomial e propomos sua inclusão na comunidade temos, obrigatoriamente, de fazer uma abordagem comunitária sobre a loucura. Uma das funções dos dispositivos da Reforma é o trabalho com as instituições civis e públicas comunitárias (igreja, bombeiros, polícia, associações de moradores, clubes etc). E claro que a loucura é um problema de saúde pública e dela inseparável. Na Fiocruz, o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) presta relevantes trabalhos em pesquisa e formação no campo da saúde pública para assessorar as práticas em Saúde Mental. Certamente o atual governo, ao ignorar a pesquisa da Fiocruz sobre drogas, não vai ouvir a opinião abalizada deste importante órgão da saúde pública sobre saúde mental.
Você defende uma psiquiatria mais inventiva e transformadora e já mostrou na prática como isso funciona — como, por exemplo, em sua atuação à frente do Nise da Silveira. Também já foi consultor do Ministério da Saúde e atuou no programa de saúde mental e na instalação dos Caps no Brasil. Além disso, escreve livros de ficção e não-ficção sempre trafegando por esse terreno e até já inspirou personagens na dramaturgia brasileira. Como começou a sua relação com a loucura, por assim dizer? Há algum momento ou encontro com personagens que foram definitivos nessa sua travessia? Poderia contar aos leitores de Radis?
Curiosamente a minha relação com a loucura começa com o fascínio que exerceram sobre mim os loucos da minha terra. Sou do interior do Piauí, morei no interior do Maranhão e cada cidade tem seus loucos de estimação que escaparam ao grande internamento da era dourada dos manicômios. Escrevi sobre alguns deles no meu segundo livro [“A incrível história de von Meduna e a filha do sol do Equador”, 2011, Oficina da Palavra, Pi]. Na medicina queria me refugiar na Saúde Pública por uma preocupação e, já, militância social. A loucura me volta a incomodar na minha relação, ainda muito jovem, com o poeta Torquato Neto e seu trágico suicídio. Como já falei, comecei pela psiquiatria biológica e fui mudando durante um mestrado de Medicina Social inconcluso. Foi na época da visita de Foucault e Basaglia a Barbacena. Eles estiveram no Instituto de Medicina Social. Daí comecei a trabalhar na Colônia Juliano Moreira, onde participei de um censo dos pacientes e a elaboração de projetos para uma reformulação do velho Manicômio. Assisti à implantação do primeiro Caps em São Paulo por Jairo Goldberg na gestão estadual de Ana Pitta. Participei de discussões da implantação dos primeiros Caps com grandes nomes da Reforma brasileira, que não vou citar para não cometer injustiças. Fui um dos participantes de primeira hora da construção da Reforma no Brasil. Me deixei ser utilizado em demasia pelas necessidades do serviço público e esqueci de minha formação. Quando dei por mim estava já no meio de doutores sem fazer parte da academia, mas reconhecido em minha dedicação e educação atravessada. Me chamam de um dos dinossauros da época da criação. Já vivi muitos embates, retrocessos e lutas e espero que ainda não seja desta vez que o meteoro possa liquidar o que sobrou de nossa história. Ainda tenho forças de luta, mas já me refugio mais tempo com os personagens de minhas ficções.
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Pacientes do Hospital Colônia em Barbacena – MG. Fotografia: Jane Faria/Arquivo EM.