Principal doadora, Noruega diz que Bolsonaro não pode alterar fundo bilionário da Amazônia ‘sem consentimento’

O ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, afirmou nesta quinta-feira (4/7) que o Brasil não pode fazer “mudanças na estrutura do Fundo Amazônia sem o consentimento” do governo norueguês.

por Ricardo Senra, em BBC News Brasil em Londres

Em nota enviada à BBC News Brasil, a autoridade do país europeu admitiu que o encerramento do fundo é uma possibilidade real, mas disse que o objetivo do país é continuar a parceria com o Brasil.

Segundo Elevestuen, a Noruega quer manter o diálogo com o Brasil diretamente e não “por meio da mídia”.

Hoje, a Noruega é responsável por mais de 90% das doações do Fundo Amazônia, lançado em 2008 como o maior projeto da história de cooperação internacional para a preservação da floresta amazônica.

Em 11 anos, os noruegueses doaram cerca de US$ 1,2 bilhão (ou R$ 4,6 bilhões, em valores corrigidos) para o fundo. Em seguida estão os alemães, que doaram cerca de US$ 100 milhões (ou R$ 380 milhões).

As doações são condicionadas, entre outros fatores, ao controle das taxas de desmatamento na floresta. Quanto menores, mais verbas são doadas pelos países-membros.

Hoje, os recursos são aplicados em 103 projetos ligados à proteção ambiental nos Estados amazônicos, como ações envolvendo tribos indígenas e programas contra queimadas.

O fundo se tornou pivô de uma saia justa diplomática desde que o governo do presidente Jair Bolsonaro, por meio de decreto, extinguiu no último dia 28 dois comitês ligados ao Fundo Amazônia sem avisar aos noruegueses e alemães.

“No nosso ponto de vista, o fundo tem funcionado bem até agora e estamos satisfeitos com nosso acordo com o Brasil. Não vemos necessidade de mudar a estrutura de direção do fundo da Amazônia”, afirmou o ministro Elvestuen, em nota enviada à reportagem.

“Nós enfatizamos que não pode haver mudanças na estrutura de direção do fundo sem o consentimento da Noruega como parte do acordo”.

Decreto extingue comitês

Os dois comitês extintos pelo governo brasileiro sem consulta aos noruegueses e alemães são conhecidos como Cofa (Comitê Orientador) e o CTFA (Comitê Técnico).

Mais suscetível à pressão dos doadores estrangeiros, o Cofa reunia membros dos governos federal e dos estados amazônicos, além de ONGs e membros da sociedade civil.

Cada membro tinha mandato de dois anos e direito a votos em temas ambientais que envolvessem recursos do fundo.

Nesta quarta-feira (3), o ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, afirmou que a extinção dos comitês foi parte de uma reestruturação mais ampla.

“A questão da extinção do Cofa e do CTFA decorre de um decreto que trata de diversos temas do governo, portanto não foi uma decisão específica para esse assunto (o Fundo Amazônia). O nosso entendimento hoje é de que isso não impacta diretamente o desempenho do que está em execução. E, nesse meio tempo, enquanto decidimos o que será feito, nada será alterado na execução do fundo”, disse.

Salles reconheceu que o risco de encerramento do fundo existe “em teoria”.

“Mas o que nós estamos falando aqui é de continuidade, diálogo, com mais afinco, mais dedicação e maior sinergia entre os diversos envolvidos”, acrescentou.

Sem mencionar diretamente os fundos, o ministro do Clima e Meio ambiente Norueguês disse à BBC News Brasil que “não poderia endossar mudanças que prejudiquem os bons resultados que já conquistamos ou que comprometam os princípios da Noruega em relação ao auxílio para desenvolvimento”, afirmou.

Na quarta-feira, o embaixador norueguês no Brasil, Nils Gunneng, disse que “a extinção do Cofa e do comitê técnico foi uma surpresa, mas o ministro nos assegurou que o diálogo continua”.

Recursos para fazendeiros

Outro ponto de tensão entre a administração brasileira e seus pares na Alemanha e Noruega é a vontade, expressada pela gestão Bolsonaro, de usar verbas do Fundo Amazônia para indenizar fazendeiros que ocupam áreas em territórios indígenas ou unidades de conservação.

“Estamos preocupados com os recentes acontecimentos no Brasil e informes sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Apoiar os esforços do Brasil para cumprir suas metas nacionais de redução de emissões sob o acordo climático de Paris é uma alta prioridade para a Noruega”, disse o ministro em nota.

“Nesse contexto, nossa cooperação por meio do Fundo Amazônia é importante, já que o fundo administra pagamentos da Noruega ao Brasil baseados em resultados para redução de emissões por desmatamento e porque o fundo apoia um desenvolvimento sustentável na Amazônia”, continuou.

Dados preliminares recém-divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe mostram que o desmatamento na Amazônia cresceu, em junho deste ano, quase 60% em relação ao mesmo mês de 2018.

O salto equivale a duas vezes a área de Belo Horizonte: de 488,4 km² para 762,3 km².

Nesta quarta-feira (3/7), o órgão atualizou o número e disse que o desmatamento total no mês de junho foi ainda maior, de 920,4 km², aumento de 88% em relação ao mesmo mês no ano passado.

No acumulado de 2019, ainda segundo o órgão, foram derrubados 2.273,6 km² de floresta, o pior registro desde 2016.

O avanço do desmatamento também gerou atritos entre Brasil e Alemanha. Na semana passada, durante sessão no Parlamento alemão, a chanceler Angela Merkel disse que via “com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro (em relação ao meio ambiente)”.

Em reação, Bolsonaro afirmou, dias depois, durante a reunião do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, que o Brasil não aceitaria o tratamento que, segundo ele, presidentes anteriores receberam de líderes de países desenvolvidos.

Leia a nota enviada pelo governo norueguês na íntegra:

Noruega mantém diálogo com o Brasil sobre o Fundo Amazônia

A Noruega defende nosso Acordo Climático e Florestal com o Brasil. Do ponto de vista da Noruega, o fundo da Amazônia funcionou bem até agora. Seria um revés para fundo, que tem sido uma importante inspiração para outros países de florestas tropicais. Embarcar em uma forma de cooperação com o Brasil que enfraqueça a base da nossa parceria não é uma opção”, diz o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen.

Nas últimas 24 horas, tanto a mídia brasileira quanto a norueguesa informaram que o Fundo Amazônia corre risco de ser encerrado.

Ola Elvestuen confirma que existe um diálogo sobre a estrutura de direção do Fundo Amazônia. O fundo administra o dinheiro que a Noruega transferiu para o Brasil para recompensar reduções de emissões climáticas a partir do desmatamento da Amazônia.

Os embaixadores da Noruega e da Alemanha no Brasil se reuniram com o ministro Salles ontem para conversar sobre o futuro do fundo.

– O objetivo da Noruega é continuar a parceria, mesmo sabendo que o término do fundo também é um resultado possível. A Noruega deseja continuar o diálogo com o Brasil diretamente e não por meio da mídia, diz Elvestuen.

– Estamos preocupados com os recentes acontecimentos no Brasil e informes sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Apoiar os esforços do Brasil para cumprir suas metas nacionais de redução de emissões sob o acordo climático de Paris é uma alta prioridade para a Noruega. Nesse contexto, nossa cooperação por meio do Fundo Amazônia é importante, já que o fundo administra pagamentos da Noruega ao Brasil baseados em resultados para redução de emissões por desmatamento e porque o fundo apoia um desenvolvimento sustentável na Amazônia.

– No nosso ponto de vista, o fundo tem funcionado bem até agora e estamos satisfeitos com nosso acordo com o Brasil. Não vemos necessidade de mudar a estrutura de direção do fundo da Amazônia.

– Nós enfatizamos que não pode haver mudanças na estrutura de direção do fundo sem o consentimento da Noruega como parte do acordo.

– Não poderíamos endossar soluções que prejudiquem os bons resultados que já alcançamos ou comprometer os princípios da Noruega em relação à ajuda ao desenvolvimento, diz o ministro do Clima e Meio Ambiente, Ola Elvestuen.

A Floresta Amazônica é questão central no debate ecológico internacional

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