Comunidades camponesas da Zona da Mata Norte de Pernambuco celebram a colheita do milho crioulo

Cuidar da semente é cuidar da vida. Essa foi a mensagem que marcou a Festa da Colheita e da Partilha do milho crioulo, realizada na comunidade de Belo Horizonte, no município de Aliança, Pernambuco, no último domingo (30). Comunidades posseiras, de assentamentos e acampamentos da Zona da Mata Norte e da Região Metropolitana do Recife estiveram presentes na celebração. As famílias também aproveitaram a ocasião para comemorar os 44 anos da Comissão Pastoral da Terra Nacional, celebrado no mês de junho.

CPT Nordeste II

O momento começou com muito debate e reflexão. Motivados/as pela leitura da passagem bíblica sobre as vinhas de Nabot (1 Reis, 21), os/as participantes discutiram sobre sua relação e os cuidados com a terra, e sobre quais ameaças são enfrentadas hoje pelas famílias camponesas na zona da mata. Um dos aspectos mais destacados no debate foi o amor à terra e importância de cuidá-la para as próximas gerações.

“Na zona da mata, marcada pelo monocultivo sucroalcooleiro, o usineiro não tem amor pela terra, ele só quer a cana. Faz queimada, coloca veneno, destrói. A terra é para sempre, é para nossos filhos, netos, bisnetos e quem vier depois. Tem que ter carinho. Não temos que colocar nenhuma droga na terra”, afirmou Severino Ferreira, da comunidade do Una, localizada em Moreno. “Se você perguntar a uma pessoa se ela quer saúde ou veneno, ela vai dizer que quer saúde. A mesma coisa é com a terra. Tem pessoas adoecendo por causa do veneno. O veneno não traz fruto bom”. complementou o camponês Edinaldo Severino.

Após as reflexões, as famílias vivenciaram a partilha do alimento, tão tradicional e simbólico para a cultura camponesa e para os festejos juninos. Os camponeses e camponesas fizeram juiz aos dizeres “mesa farta, prato cheio”. Pamonha, canjica, milho assado, milho cozido, bolos variados entre outros alimentos produzidos com milho crioulo foram postos à mesa para todos se alimentarem ao som do forró. Uma fogueira também foi construída para que crianças e adultos assassem o milho crioulo.

Esta é uma colheita bastante especial para os camponeses e camponesas da região, pois a plantação é fruto de uma partilha de sementes crioulas realizadas entre eles/as em 2018. As sementes crioulas, também denominadas de sementes nativas, são aquelas que não tiveram sua estrutura genética modificada pela indústria e não são patenteadas por nenhuma empresa. São preservadas por famílias camponesas e passadas de geração em geração, sendo símbolo da autonomia, da agricultura e cultura dos povos do campo.

“Tivemos o momento da partilha da semente crioula, plantamos o milho, colhemos e agora estamos repartindo o fruto de nossa resistência”, ressaltou Rosiene dos Santos, que acompanhou a produção das famílias. Para a trabalhadora rural Maria do Carmo dos Anjos, da comunidade Sirigi, em Aliança, “este é um momento de partilha e união. Partilhamos a semente e hoje estamos partilhando e saboreando o alimento”. A camponesa Maria de Fátima Fernandes, da comunidade Novo Canaã, em Tracunhaém, também festejou a partilha: “está aqui o alimento fruto da semente crioula. Plantamos, colhemos e agora vamos dividir o que produzimos e nos alimentar”.

Os camponeses e camponesas realizaram o plantio das sementes de milho Sol da Manhã e Caiano. Uma parte da produção foi colhida para garantir a alimentação das famílias, enquanto a outra parte será reservada para a produção de mais sementes, uma vez que o intuito é consolidar uma Casa de Sementes Crioulas na região.

Conforme aponta Benoni Codácio, da CPT, a celebração da colheita e da partilha do milho produzido com sementes crioulas é uma conquista para a região e sinônimo de resistência e esperança. O contexto ao qual estão inseridos estas famílias camponesas é de hegemonia do monocultivo da cana-de-açúcar, e também de monopólio da oferta de sementes, sejam híbridas ou transgênicas, por grandes corporações. Esta oferta de sementes geralmente vem associada à utilização de insumos, agrotóxicos e fertilizantes, o que tem acarretado perda das práticas camponesas do cultivo da terra.

Um dos camponeses presentes relembrou que, quando criança, seu pai produzia e guardava as sementes crioulas do milho: “meu pai pegava a espiga, selecionava as sementes, amarrava a palha uma na outra, fazia uma trouxa e pendurava no teto na casa. Ali já era a semente do ano seguinte. Hoje fazer isso é mais raro. Temos que ficar mais atentos às nossas sementes. Da terra criamos nossos filhos. Nós temos que tirar nosso sustento da terra, da melhor qualidade.”

Na região da Zona da Mata Pernambucana, produzir, guardar e partilhar sementes crioulas é um desafio o qual estas famílias camponesas estão animadas e dispostas a enfrentar. Hoje, o cultivo dessas sementes constitui uma das principais ações que garantem a soberania e autonomia alimentar, cultural e a da agrobiodiversidade das famílias, além de valorizar os saberes camponeses oprimidos pelo agronegócio sucroalcooleiro.

Estiveram presentes as comunidades Nova Canaã, Ismael Felipe, Chico Mendes, do município de Tracunhaém; comunidade do Una, do município de Moreno; acampamento Água Branca, comunidades Sirigi, Belo Horizonte, Margarida Maria Alves, Passagem e Poço, do município de Aliança. Também participaram da Festa representantes do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Aliança e representantes do governo municipal.  

Foto: Renata Albuquerque

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