Matadores de esperanças: nome feio e palavrões. Por José Ribamar Bessa Freire

No Taqui Pra Ti

Quem? Aristófanes? Do Amazonas? Grego em Manaus só pode ser filho de cearense.

Bingo. O humorista Stanislaw Ponte Preta acertou na mosca, quando fez este comentário espirituoso em sua coluna no “Última Hora” do Rio, na década de sessenta, anunciando o livro de crônicas do mestre Aristófanes Bezerra de Castro, jornalista, romancista, autor de “Um punhado de vidas” (1949) e “Matadores de Esperança” (1959). Ele nasceu em Xapuri, Acre, em 1917 e faleceu em 2006, depois de responder a quatro IPMs (Inquérito Policial Militar) acusado de subversão pela ditadura militar que em 1964 derrubou Jango, o presidente eleito pelo voto. Hoje é nome de uma escola na Cidade Nova em Manaus.

Aristófanes de Castro, o cronista que alegrou a vida dos amazonenses em sua coluna nos jornais de Manaus, era efetivamente filho de cearense. Podia se chamar Ubirajara, Jurandir, Peri, Everton ou qualquer outro nome de arigó, como Petronilo, do Crato, ou José Vicente, de Icó, personagens de seu romance. Mas foi batizado como Aristófanes. Viva o Ceará e viva a Grécia. Viva também a nega Nathércia.

Os nomes podem ter influência na formação da personalidade?

Aristófanes, poeta cômico de Atenas, séculos antes de Cristo, caiu de cacete em cima da ignorância, da mediocridade, do alpinismo social. Combateu os demagogos Cleón e Hipérbolo e foi implacável na sátira política e social. O Aristófanes amazonense seguiu o mesmo caminho. Seu cachorro fiel, Pofokanikanu, latia e mordia os opressores sempre em defesa da justiça social. Saudades do velho Aristófanes. Quem hoje se lembra dele?

Os Aristófanes estão cada vez mais raros: intelectual e moralmente. Os pais nem sempre são cearenses e, por isso, às vezes batizam filhos com nomes feios e impróprios desconhecidos dos gregos. Alguns são tão inadequados como o vinho de buriti, se usado na missa na hora da consagração. Outros são verdadeiros palavrões que expõem o cidadão à galhofa.

Como evitá-los?  Este locutor que vos fala apresenta aqui um conjunto de receitas, visando banir da honrada família brasileira, para sempre, o nome feio. Bastar seguir as cinco regras aqui registradas.

Quase-Oscar

Primeira regra: cuidado com a fusão de nomes ao batizar seu filho.

O sr. Geraldo Alho, morador da rua Gustavo Sampaio, no bairro de Aparecida, era vidrado no arquiteto Niemeyer. Por isso decidiu: “Se nascer homem, o meu filho será artista e terá o nome de Oscar”.

Na hora do batizado do garotão, dona Elisa, a madrinha astuta, cochichou no ouvido do sr. Geraldo que, correndinho, trocou Niemeyer por Vargas, então presidente da República. O menino, é certo, virou artista e dos bons, mas ficou – graças a Deus – com o nome de Getúlio Alho e – infelizmente – com o apelido que a canalha do bairro lhe deu: “Quase-Oscar Alho”, o que irritava a Tequinha, sua namorada.

Quem ia entrando na mesma fria? O saudoso H. Dias, advogado escolado, fissurado em jazz, se amarrava no nome Adolfo. Queria porque queria um filho Adolfo.

– Babá, meu irmão, se for homem, boto Adolfo para homenagear o grande saxofonista de Urucurituba – ele justificava, enquanto embalado na rede curtia o ritmo sincopado da Ragbada – uma mistura de ragtime com lambada.

Nasceu o menino. No Cartório, o tabelião Tude Moutinho, de caneta em punho, perguntou do pai:

– É Adolfo, Dias?

Na hora agá, Dias caiu em si e gritou: – Caio.

Caio Dias foi o nome que o Tude então registrou: Caio Dias. Sacrificou desta forma o Louis Armstrong urucuritubense, mas se livrou de um nome tão incômodo como Jacinto Leite Aquino Rego ou Jacinto Pereira Filho, tirando o Pereira, como é que fica?

O H. Dias que, com razão, já escondia o Hildeberto fazendo o maior agá com um ponto, queria um filho no mesmo esquema: A. Dias. É claro que meu amigo H. Dias apregoou na época, com clarinete, trompete e trombone, que era uma brincadeira e que eu estava inventando, Mas taí o finado Tude que lá do céu confirma tudinho e não me deixa mentir, não é verdade, Tudinho? Ou deixa?

Reincidente

A atriz Suzi Rego, da novela “Top Model”, só não casou com seu namorado, o ator Paulo César Grande, o brega e chique, por razões óbvias. Já um primo do H. Dias – o Higino Dias Aguiar – casado com dona Elaine Passos, de Abaetetuba, explorou comercialmente os sobrenomes. Ele registrou com o nome de João Renault o seu filho mais velho, hoje motorista de táxi em Macapá, com ponto no aeroporto. Ficou: João RENAULT PASSOS DIAS AGUIAR. Táxi.

E aqui podemos anunciar a segunda regra: Fuja dos nomes de heróis e personalidades históricas.

Por que? Ora, para evitar aborrecimentos, se seu filho não tiver o “physique du rôle”, casos do Átila, Cleópatra e Hitler.

Átila é bárbaro? Conheci um Átila, bailarino, que onde pisava com a pontinha dos pés crescia muita grama, de tão leve que era. A Cleópatra Azize, de Manacapuru, virou freira do Preciosíssimo Sangue e trocou de nome: irmã Assunta. E o Hitler Pinto, de Coari, uma flor de pessoa, era de esquerda, inspirando talvez, anos depois, a besta do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para quem o führer era de esquerda.

Cabelinho no peito e dentinho de ouro colocado pelo dentista Alexandre Montoril, em Coari, o Hitler do Solimões desmoralizou o nazismo, o fascismo.

Mas não esqueça da terceira regra:  verifique como soa o nome do seu filho em uma língua estrangeira, porque mudando de país, o infeliz pode passar o mesmo vexame do Tomasso Buscetta, aquele mafioso italiano com boca de arapapá. Ou do embaixador peruano, reincidente, chamado Raúl Porras y Porras.

Ora Tibis

A quarta regra estabelece: Não faça promessas para o outro pagar, nem mesmo para Santa Etelvina.

A doutora Paola, competente dentista em Niterói, com a ficha para preencher, pergunta do paciente:

– Nome?

– José Erre ponto Bessa Freire.

Ela é mórbida e quer detalhes:

– O que  esse R. significa? Richard? Ronald?

– Doutora, por favor, tem crianças aqui na sala de espera do consultório.

Ela retira os menores de idade e diz:

– Agora, pode falar.

Olhando para um lado e para o outro, com voz baixinha, sussurrando, saiu o palavrão:

– R. é de Ribamar.

A dentista ficou morrendo de peninha. Para tal dor, não há anestesia.

Ribamar, o nome que assina essas mal traçadas, é uma promessa feita pela velha Marelisa, lá em São Luís do Maranhão Ela já tinha quatro netas mulheres. Queria um homenzinho. Rezou: “Meu São José de Ribamar, se nascer macho, o nome dele vai ser o seu, ora tibis”. Não deu outra. O neto nasceu macho – mas nem tanto – e está pagando a promessa da avó até hoje.

Tudo bem, juro que até a morte do Tancredo Neves não me importava se Ribamar era nome de porteiro de motel. Isso não era uma desonra. Só comecei a me envergonhar quando assumiu a presidência da República o Ribamar Sarney e com ele a desgraça do país. Aí né, a gente né, desgostoso né, começou a esconder o nome. Como exibir um nome que nem sequer o corrupto do Sarney quis usar?

Budapestino

A regra número cinco é de ouro: deixe de lado essa mania provinciana de colocar em gente nome de acidente geográfico. Deixe de ser leso! Seu filho vai ser motivo de galhofa. O patriotismo tem limites. Seu filho é gente e não uma ponta de terra que avança pelo mar adentro.

O neto de um dos fundadores de Boa Vista (RR) se chamava Amazonas Brasil. Assim mesmo: com registro e tudo. Não sabemos se a prima se chama Manaus Amazonas Brasil ou Caracaraí Boa Vista Brasil.

Tom Jobim ocultava o “Brasileiro” que tinha no nome, enquanto o pobre Antônio Madeira de Tefé – o Toinho – sofreu mais do que charuto em boca de bêbado para arrumar emprego, por causa do nome afogado em dois rios.

Mas não precisa ir muito longe. Aqui mesmo, pertinho de nós, tem um político chamado Amazonino. Imagine só se ele tivesse nascido em Budapeste ou em Urucurituba: Budapestino Mendes, Urucuritubino Mendes.

P.S. Crônica atualizada publicada originalmente em agosto de 1990.

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