Por um Fanon revolucionário

Por João Carvalho, no blog da Boitempo

Introdução

“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”[1] Frantz Fanon foi um desses transformadores. Em sua obra, bem como em sua vida, sempre soube aliar a teoria à prática não apenas para compreender e tornar cognoscível o mundo que o cercava e o mundo dentro de si, mas, sobremaneira, para transformá-lo. Dentre as ferramentas de seu vasto arsenal teórico, além de Freud e Hegel,  se encontravam Marx, Lênin e Mao.

É compreendendo Fanon enquanto intelectual e militante, cuja prática bem como a teoria bebia nas fontes do Marxismo-Leninismo, que se torna tão importante compreender suas categorizações teóricas dentro desse instrumental.

“O devir enquanto necessidade é o terreno aberto no qual o processo cumulativo das lutas no campo político se perpetua”, já afirma Douglas Rodrigues Bastos[2]. A obra Fanoniana é perpassada pelo problema político e por questões de reconhecimento. O reconhecimento do negro pelo branco e do branco perante o negro[3], o autorreconhecimento do negro vis a vis a estrutura do colonialismo[4], o reconhecimento da Nação e da questão nacional[5], enfim, em última instância, o reconhecimento da urgência da tomada de consciência e da criação de um novo homem.

Fanon viveu, na pele, a época revolucionária das lutas pelo fim do colonialismo. Assim, ele é perpassado por um etos mental análogo ao de outros grandes revolucionários e teóricos que tiveram vivências similares. A questão nacional perpassa a vida e a obra de Fanon, desde suas considerações acerca dos antilhanos e sua visão de mundo até sua percepção da realidade argelina, que ele ajuda ativamente a transformar. Nos debruçarmos sobre esses escritos é abrir uma janela privilegiada para a compreensão da obra fanoniana e a genialidade de sua interpretação marxista do mundo que o circundava.

Fanon leitor de Mao e Ho Chi Minh

Na quinta parte do segundo volume das obras completas de Fanon, Jean Khalfa nos apresenta uma lista comentada da biblioteca de Frantz Fanon[6]. Este instigante trabalho preenche importantes lacunas na obra fanoniana. Muitas vezes escrevendo durante suas andanças como revolucionário e representante diplomático da FLN, Fanon não é um adepto das notas de pé de página, tampouco possuía sua biblioteca sempre ao alcance das mãos. Assim, traçar as origens de seu pensamento se torna um jogo de “gato e rato”.

Não obstante, para além do vasto material marxista presente na biblioteca, chama atenção especial a quantidade de obras de Lênin[7] e Mao[8], além de estudos sobre as experiências do marxismo periférico, como a da Indochina[9]. É por esta janela entreaberta de suas raízes marxistas que tentaremos fazer escutar os silêncios da obra fanoniana.

“O objetivo da revolução chinesa na etapa atual não é abolir o capitalismo em geral, mas derrotar a dominação do imperialismo, do feudalismo e do capitalismo burocrático e estabelecer uma república de nova democracia das amplas massas populares, com os trabalhadores como força principal.”[10]

“A primeira tática dos países colonialistas consiste em ir buscar apoio aos colaboradores oficiais e aos feudais… As autoridades colonialistas esperam com confiança, depois ansiedade, e finalmente sem esperança, os resultados dessas mensagens. Solicitados de novo, os servidores tomam o hábito, até então desconhecido, de declinar convites, fogem às encenações oficiais e adotam muitas vezes um vocabulário novo.

É que o compromisso revolucionário se revela cada vez mais total e os colaboradores têm consciência do gigantesco despertar do povo em armas.”[11]

Aqui já podemos ouvir um primeiro eco das leituras maoístas de Fanon em sua interpretação das condições específicas da situação colonial na Argélia. Os colonialistas, ao se aperceberem do despertar da Revolução Nacional, apelam aos seus mais fiéis súditos, seus colonos e àqueles nacionais aculturados que compõem a burguesia e a burocracia local.

Porém, o despertar da Nação possui um clamor que desaliena os homens. É necessário então partir para uma guerra total. O despertar do povo em armas romperá a um só tempo os múltiplos mundos econômicos que convivem e se sobrepõe no solo da nação colonizada, a ruptura deve se dar, a um só tempo, com os resquícios do feudalismo, bem como com as elites arraigadas.

Uma vez principiada a marcha da conscientização nacional, ela se torna indelével; seu processo configura a um só tempo a libertação final da nação e de seus homens. Seu desenvolvimento já pressupõe a sua vitória. Sua base de apoio é toda a nação desperta que caminha, apesar de todos os pesares, para o triunfo.

“Na era do capitalismo monopolista, grandes potências controladas por um punhado de financistas exercem seu domínio sobre os países dependentes e semidepentes; assim, a libertação dos povos dos países oprimidos tornou-se parte integrante da revolução proletária. […] a luta revolucionária dos povos coloniais e semicoloniais auxilia diretamente o proletariado dos países capitalistas em sua luta contra as classes dominantes, para se libertar do jugo capitalista.”[12]

“Dizia-se que num país colonial há entre o povo colonizado e a classe operária do país colonialista uma comunidade de interesses. A história das guerras de libertação levadas a cabo por povos colonizados é a história da não verificação dessa tese.

[…] em momento algum pode estar em questão para os democratas franceses juntarem-se às nossas fileiras ou traírem o seu país. Sem renegar a sua nação, a esquerda francesa deve lutar para que o governo de seu país respeite os valores que se chamam: direito dos povos de dispor de si próprios, reconhecimento da vontade nacional, liquidação do colonialismo, relações recíprocas e enriquecedoras entre povos livres.

A FLN dirige-se à esquerda francesa, aos democratas franceses, e pede-lhes que encorajem qualquer greve levada a cabo pelo povo francês contra a subida do custo de vida, os novos impostos, a restrição das liberdades democráticas em França, consequências diretas da guerra da Argélia.”[13]

A luta contra a colonialidade perfaz um caminho dialético que a um só tempo deve destruir a alienação na colônia e na metrópole. Uma leitura superficial do excerto citado de Ho Chi Minh pode levar a uma conclusão mecanicista que o excerto fanoniano combate e expõe, não necessariamente que a revolução indochinesa tenha recaído nesse erro de leitura.

Lembremo-nos aqui da citação de Marx sobre a Questão Irlandesa no início de nossa caminhada. Assim como na Inglaterra e na França, seja a primeira diante da Irlanda, seja a última perante indochineses e argelinos, o estratagema das forças coloniais é unívoco, a saber: tentar cooptar as massas trabalhadoras da metrópole para apoiar o irrespaldável, alienar o proletariado metropolitano para cessar a solidariedade internacionalista.

Fanon é taxativo em sua resposta. A situação colonial é igualmente monstruosa para a metrópole e seus trabalhadores. Ela é inextricável da exploração do homem pelo homem onde quer que aconteça. É necessário que democratas e comunistas metropolitanos ouçam as admoestações que partem da colônia e percebam o peso nefasto da exploração colonial sobre a sua própria sociedade.

É somente rompendo as bases materiais da exploração no mundo colonial que se romperão verdadeiramente tais bases no mundo metropolitano. A solidariedade metropolitana não é um ato de fé ou de caráter, é a percepção desalienada das condições que mantêm o próprio trabalhador metropolitano explorado e alienado.

“Pode um comunista que é internacionalista, ser, ao mesmo tempo patriota? Sustentamos que apenas não pode, como deve sê-lo [..] em consequência, nós, os comunistas chineses, devemos combinar o patriotismo com o internacionalismo”.[14]

“Os povos colonizados reconheceram-se geralmente em cada um dos movimentos, em cada uma das revoluções desencadeadas e levadas a cabo pelos oprimidos. Para além da necessária solidariedade com os homens que, sobre toda a superfície da terra, se batem pela democracia e pelo respeito dos seus direitos, impôs-se, com uma violência inusitada, a firme decisão dos povos colonizados de quererem, para si próprios e para seus irmãos, o reconhecimento da sua existência nacional, da sua existência enquanto membros de um Estado independente, livre e soberano”.[15]

A questão levantada por esses excertos expõe a dialética dúplice entre colônia e metrópole e nacionalismo e internacionalismo, seja no seio dos colonizadores, seja no dos colonizados.

O despertar nacional é a um só tempo nacional e internacional, conforme já indicava Lênin. Assim como a nação só pode ser livre se cada um de seus indivíduos se tornam livres, também as nações só podem existir livremente longe do julgo da alienação e da exploração por meio das liberdades nacionais.

Ao contrário da visão simplista de muitos marxistas filocidentais, o nacionalismo revolucionário que surge contra a situação colonial, bem como o apoio desalienado dos trabalhadores da nação colonizadora, são complementares à solidariedade internacionalista que perfaz a égide do movimento comunista mundial.

O despertar das revoluções nacionais faz ecoar de forma triunfante os longos ecos do Congresso de Baku – aqui, de fato, temos a união do proletariado e dos povos oprimidos de todo o mundo.

“[…] Temos de construir uma sociedade inteiramente nova e desconhecida em nossa história. Temos de alterar radicalmente hábitos e costumes milenares, maneiras de pensar e preconceitos …. Nosso país, ignorante e dominado pela pobreza, será transformado numa nação de cultura avançada e vida alegre e feliz.”[16]

“A tese de que a promoção de uma nova sociedade não é possível senão no âmbito da independência nacional encontra aqui seu corolário. É que ao mesmo tempo que o homem colonizado apoia-se e rejeita a opressão, ocorre nele uma reviravolta radical que torna impossível e escandaloso qualquer tentativa de manter o regime colonial.

É verdade que a independência realiza as condições espirituais e os aspectos materiais da reconversão humana. Mas também é a mutação interior e a renovação das estruturas sociais e familiares que impõe com o rigor da lei a emergência da Nação e o florescimento de sua soberania.”[17]

Os indivíduos que (sub)existem sob a psicopatologia colonialista são indivíduos cingidos, frutos incompletos, co-dependentes do conceito hegeliano da dinâmica senhor-escravo que não conseguem plenamente ultrapasar[18]. Tanto o senhor (dominador, metropolitano) quanto o escravo (dominado, colonial) não podem ter encontros “reais” enquanto não se livrarem desse nó infraestrutural que perpassa cada etapa de suas dinâmicas sociais.

É somente com o advento da libertação do homem em condição colonial da opressão da colonialidade que pode se fundar um novo indivíduo completo e se restaurar tanto para ele quanto para seu antigo dominador a possibilidade de um encontro real, um encontro entre iguais.

Se, em Peles Negras, Máscaras Brancas, Fanon fala das impossibilidades e das psicopatologias geradas pela condição da colonialidade, em L’an V de la révolution Algérienne temos precisamente o momento dessa ruptura. Será com o processo revolucionário e a tomada de consciência da questão nacional que o povo argelino poderá romper o processo psicopatológico da alienação e finalmente tomar consciência de si enquanto povo livre e, dialeticamente, enquanto homens e mulheres livres.

Da mesma maneira, é sob a égide desta libertação que a cultura sairá de seu imobilismo, das amarras que a mumificavam e veremos um renascer criativo e uma adaptação revolucionária de antigas formas de se vestir[19] ou novos usos de tecnologias que anteriormente somente serviam aos propósitos do colonizador[20].

“Em seu apelo aos revolucionários do Oriente, Lênin escreveu: “[…] seguindo a teoria e a prática do comunismo, aplicando-as às condições específicas que não existem na Europa, vocês tem de adaptá-las às condições em que os camponeses são as grandes massas; a tarefa não é lutar contra o capitalismo, mas contra os vestígios feudais”. Essa é uma instrução valiosa para um país como o nosso, em que 90% da população vide da agricultura, e onde subsistem muitos vestígios medievais.”[21]

“No fogo do combate, todas as barreiras interiores devem desaparecer, a impotência burguesa dos negociantes e de compradores, o proletariado urbano, sempre privilegiado, o lumpen-proletariat dos bairros pobres, todos devem alinhar na mesma posição das massas rurais, verdadeira fonte do exército nacional e revolucionário; nessas regiões, cujo desenvolvimento foi sufocado deliberadamente pelo colonialismo, o campesinato, quando se revolta, aparece imediatamente como a classe radical: conhece a verdadeira opressão, sofreu muito mais que os trabalhadores das cidades e, para não morrer de fome, necessita de derrubar todas as estruturas.[…][22] E é evidente que nos países coloniais somente o campesinato é revolucionário. […]A insurreição, aparecida no campo, penetrará nas cidades por intermédio do campesinato bloqueado na periferia urbana, o qual não pôde encontrar ainda um osso para roer no sistema colonial. Os homens obrigados pela crescente população do campo e pela exploração colonial a abandonar a sua terra natal, giram incansavelmente em volta das bonitas cidades, esperando que algum dia possam penetrar nelas. É nessa massa, nesse povo dos bairros de miséria, das casas de lata, no seio do lumpen-proletariat, que a insurreição encontrará a sua ponta de lança urbana. O lumpen-proletariat, coorte de esfomeados, destribalizados, descolonizados, constitui uma das forças mais espontâneas e radicalmente revolucionárias de um povo colonizado.”[23]

Uma das contribuições mais geniais de Fanon – contribuição essa profundamente devedora de seus estudos do Leninismo, do Maoísmo e do marxismo periférico[24] – é sua análise profunda, profícua e não mecanicista das bases materiais e das classes sociais na Argélia pré-revolucionária.

Ao considerar os resquícios feudais propiciados pela colonização sui generis da Argélia enquanto colônia de povoamento, bem como ao levar em conta a maneira como a situação colonial cria clivagens no interior do proletariado colonizado, Fanon percebeu três fatores fulcrais para o sucesso da revolução nacional na Argélia.

Primeiro, o proletariado autóctone argelino se comporta de forma burguesa e reacionária, é classe extratora de mais-valor. Fruto da situação colonial, vivendo de migalhas e prebendas que “sobram” da exploração colonial por França, tal proletariado não é verdadeiramente uma classe revolucionária, tendendo, portanto, muito mais aos conluios e pautas reformadoras dos partidos “nacionais” do que propriamente à ruptura revolucionária da guerra de libertação, devido exatamente à exploração do campo pela cidade que propicia a essa classe a extração de mais-valor sobre o campesinato.

Segundo, dadas as condições remanescentes de feudalidade do modelo econômico do colonato argelino, somente o campesinato era em Argélia uma classe verdadeiramente revolucionaria. Desclassificado, esfomeado, explorado, rapidamente o camponês descobre que só tem a perder e nada a ganhar. Ademais, no mundo colonial a clivagem entre cidade e campo é ainda mais acentuada e todo o parco mais-valor extraído por parte do proletariado urbano o é sobre a exploração das massas camponesas.

Terceiro, dada a situação específica da Argélia, a revolução penetraria as cidades a partir dos campos, uma vez que os elementos de vanguarda oriundos da cidade seriam repelidos pelo ambiente burguês citadino e se veriam forçados a buscar abrigo e apoio junto ao campesinato. Ora, as franjas citadinas que permitiriam essa (re)penetração da revolução vinda do campo seria precisamente o lumpen-proletariat, de origem camponesa, que migrou forçosamente para cidade, mas ainda não fora absorvido, vivendo em condições análogas às da exploração do campesinato servindo como exército de reserva aos interesses do capital na situação colonial. Por mais frágil enquanto classe, por mais alienado de sua situação, esse lúmpen ainda era cooptável na situação argelina.

É essa leitura precisa que propicia o sucesso da FLN e que serve como chave para se entender as revoluções nacionalistas decoloniais, bem como para interpretar, a partir das classes que são alavancadas ao protagonismo, suas possibilidades de sucesso e seus ulteriores desdobramentos infra e superestruturais. Fanon aqui nos brinda com o seu gênio único e, ao mesmo tempo, responde à altura ao chamado de Lênin.

“A cultura revolucionária é para as grandes massas populares uma poderosa arma de revolução. Antes da revolução, prepara ideologicamente o terreno e durante ela, constitui um setor necessário e importante de sua frente geral…. Disto se depreende quão importante é o movimento cultural revolucionário para o movimento prático da revolução. Tanto o movimento cultural quanto o prático devem ser de massas”.[25]

“Pensamos que a luta organizada e consciente empreendida por um povo colonizado para restabelecer a soberania da nação, constitui a manifestação mais plenamente cultural que existe. Não é unicamente o triunfo da luta que dá validade e vigor à cultura, não existe hibernação da cultura durante o combate. A luta, no seu desenvolvimento, no seu processo interno, faz progredir as diferentes direções da cultura e esboça outros caminhos. A luta de libertação não restitui à cultura nacional o seu valor e os seus antigos contornos. Esta luta, que tende para uma redistribuição fundamental das relações entre os homens, não pode deixar intactas as formas nem os conteúdos culturais desse povo. Depois da luta não desaparece apenas o colonialismo, mas desaparece também o colonizado. […]. É no coração da consciência nacional que se eleva e se aviva a consciência internacional. E esse duplo nascimento não é, definitivamente, senão o núcleo de toda a cultura.”

Para Fanon, existem três momentos da cultura nacional sob a égide da situação colonial. Em um primeiro momento ocorre a assimilação, o colonizado se preocupa em apreender a cultura do colonizador e seu público é o público da metrópole. No segundo momento, temos a rememoração e o mergulho no passado, seja o passado pessoal, seja o passado imemorial dos povos colonizados, é um momento de angústia, uma experiência de náusea e morte que já prevê a “ressureição” e o despertar. O último momento se dá precisamente na fase de luta: nele o colonizado se imiscui no povo e o desperta, finalmente tem-se a ruptura das faixas que mumificavam o povo e a sua cultura; a produção passa a ser pujante e cheia de novidades, a cultura se volta e ao mesmo tempo cria um público interno. Passa-se da letargia à explosão.

Quando Fanon argumenta que a luta de libertação nacional (essa luta que desaliena a um só tempo o homem em seu caráter ontológico e os homens enquanto classe) enseja mudanças nas superestruturas culturais, ele nos informa também que essa luta enseja, ao mesmo tempo, uma ruptura essencial nas estruturas materiais e econômicas dessa sociedade.

Fanon vê o despertar da cultura como uma manifestação suprassensível do despertar do homem e da nação, esse movimento tríplice se interpenetra e é a um só tempo causa e consequência da revolução nacional, é a suprassunção de tudo aquilo que jazia subsumido.

Destarte, Fanon propugna uma cultura nacional verdadeiramente popular e combativa, imiscuída no e para o povo. assim, se torna fácil compreender suas querelas contra os conceitos de negritude[26] os quais muitas vezes se baseiam em uma metafísica e um idealismo que se afastam da prática revolucionária, a única capaz de criar definitivamente e transmutar a cultura destruindo o colonialismo, o colonizador e o colonizado. Podemos finalmente entender como o desaparecimento do colonialismo também traz por sua vez o desaparecimento do colonizado, este ascendeu à consciência por meio da luta de libertação nacional.

Conclusão

Ao tensionarmos as leituras marxistas e marxianas de Fanon com sua prática revolucionária, podemos concluir que para ele, Nação, mais que uma realidade, é um horizonte, sua concepção é programática e voltada para o futuro. Nação é a própria construção revolucionária onde a consciência ontológica individual se desaliena e torna-se devir epistemológico coletivo.

Estudar Fanon é sempre buscar compreender a um só tempo o revolucionário e o psiquiatra que jamais coloca limites clínicos à sua prática revolucionária, nem limites revolucionários à sua prática clínica. O que importa a Fanon não é somente a cura do homem, mas sobremaneira a cura do corpo social que poderá de fato (re)humanizar às vítimas da violência colonial.

Nesses tempos de identitarismo rasteiro e armadilhas liberais, mais que bradar “Fanon, presente”, é preciso viver as lições do grande revolucionário para que ele esteja presente na relação entre nossa teoria e nossa prática; é preciso que marchemos em direção à História com o ímpeto que somente cabe aos condenados da Terra, será então que a violência revolucionária ensejará o nascimento de um homem novo.

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[1] MARX, Karl. Teses sobre Feurbach.  In: MARX, Karl. Obras Escolhidas. Edições Progresso Lisboa; Moscou, 1982.

[2] LANDI FAZZIO, Gabriel; MANOEL, Jones (orgs.) A Revolução Africana: uma antologia do pensamento marxista.São Paulo: Autonomia Literária, 2019, p.258

[3] FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

[4] FANON, Frantz. Sociología de una revolución. Cidade do México: Ediciones Era, 1968; FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980

[5] FANON, Frantz. Sociología de una revolución. Cidade do México: Ediciones Era, 1968; FANON, Frantz. Os condenados da terra. 2ª ed. Pref. Jean-Paul Sartre. Trad. José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

[6] KHALFA, Jean. La Bibliothéque de Frantz Fanon. Liste établie, présentée et comentée par Jean Khalfa. apud FANON, Frantz. Écrits sur l’aliénation et la liberté: Œuvres II. Ed. Jean Khalfa e Robert Young. Paris: Éditions La Découverte, 2015, pgs.715-798

[7] 11 obras no total, op.cit

[8] 49 obras de Mao mais 10 estudos sobre a Revolução Chinesa, op.cit

[9] 1 tomo de obras escolhidas de Ho Chi Minh, com ênfase para o estudo sobre o colonialismo francês e outras duas obras sobre a revolução na Indochina, op.cit

[10] TSÉ-TUNG, Mao. Sobre o problema da burguesia nacional e dos Shenshi sensatos. apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980, pg.217

[11] FANON, Frantz. “Decepções e ilusões do colonialismo francês. apud FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980. Págs. 62.63

[12] MINH, Ho Chi. A Revolução de Outubro e a libertação dos povos do Oriente. Apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980. Pg.261

[13] FANON, Frantz. “Os intelectuais e os democratas franceses perante a Revolução Argelina”. apud FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980. Págs. 91; 100.

[14] TSÉ-TUNG, Mao. Patriotismo e Internacionalismo. Apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980, pg.211

[15] FANON, Frantz. “Carta à juventude africana”. apud FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980. Págs. 137

[16] MINH, Ho Chi. Nacionalismo Revolucionário: Teoria e Prática. Apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980. Pg.255-256

[17] FANON, Frantz. Sociologie d’une révolution (L’an V de la Révolution Algérienne), pág. 149 acessado aos 22.11.2018 em http://classiques.uqac.ca/classiques/fanon_franz/sociologie_revolution/socio_revolution_algerie.pdf

[18] Para o conceito hegeliano da dinâmica senhor escravo ver KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel: aulas sobre a Fenomenologia do Espírito ministradas de 1933 a 1939 na École des Hautes Études reunidas e publicadas por Raymong Queneau. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014 e HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. 9ª ed. Petrópolis, RJ/Bragança Paulista, SP: Vozes/Editora Universitária São Francisco, 2014

[19] O uso do véu na cultura argelina muda drasticamente com o despertar da revolução nacional. Para o assunto ver L’Algérie se dévoile in: FANON, Frantz. Sociologie d’une révolution (L’an V de la Révolution Algérienne), pág. 149 acessado aos 22.11.2018 em  http://classiques.uqac.ca/classiques/fanon_franz/sociologie_revolution/socio_revolution_algerie.pdf

[20] O uso do rádio pela FLN bem como sua apropriação pelo povo argelino constitui outra novidade trazida à tona pela revolução nacional. Ver “Ici la voix de l’Algérie” in: FANON, Frantz. Sociologie d’une révolution (L’an V de la Révolution Algérienne), pág. 149 acessado aos 22.11.2018 em http://classiques.uqac.ca/classiques/fanon_franz/sociologie_revolution/socio_revolution_algerie.pdf

[21] MINH, Ho Chi. O Leninismo e a libertação dos povos oprimidos. Apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980. Pg.251

[22] SARTRE, Jean-Paul. “Prefácio de Jean-Paul Sartre”, p.8 apud FANON, Frantz. Os condenados da terra. Lisboa: Ulisseia, 1969.

[23] FANON, Frantz. Os condenados da terra. Lisboa: Ulisseia, 1969. Págs. 57 e 132

[24] Entendemos aqui por marxismo periférico os desenvolvimentos práticos da teoria marxiana bem como da literatura marxista posterior vis a vis às revoluções e às experiências do socialismo real na Rússia, no Oriente, na África e no chamado terceiro mundo. Tal conceito se constrói em par antagônico àquele de marxismo ocidental, propugnado por Domenico Losurdo e que se preocupa com os desdobramentos de um certo marxismo europeu, filocidental e autocentrado, que desconhece a questão colonial e, portanto, recai em um idealismo dos derrotados. Para mais sobre o assunto ver LOSURDO, Domenico. O Marxismo Ocidental. São Paulo: Boitempo, 2018

[25] TSÉ-TUNG, Mao. Cultura Nacional Científica e de Massas Apud. PINSKY, Jamie (org.) Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980, pg.216

[26] O movimento literário négritude nasceu do ambiente intelectual de Paris das décadas de 30 e 40 do século XX, foi um produto de escritos negros que se uniram para por meio da língua francesa afirmar sua identidade cultural. Sobre o movimento ver KESTELOOT, Lilya. Black Writers in French: A Literary History of Negritude. Washington: Howard University Press, 1991.

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João Carvalho é mestre em História Social pela USP, militante do PCB, podcaster pelo RevolushowAntiCast, entre outros, e Oficial de Chancelaria no Ministério de Relações Exteriores, tendo sido o primeiro presidente do Sinditamaraty, Sindicato dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

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