Direito Penal: Defensoria Pública obtém absolvição de morador de comunidade quilombola denunciado por suposto dano ambiental

Por DPE-SP

A Defensoria Pública de SP obteve a absolvição sumária de um morador de comunidade quilombola, denunciado por suposto crime ambiental. A comunidade em questão é formada por remanescentes do Quilombo da Caçandoca, na zona Rural de Ubatuba.

Jorge (nome fictício) foi denunciado pelo Ministério Público (MP) com base no artigo 48 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), segundo a qual “impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação” é um delito com pena de detenção de seis meses a um ano e multa.

Denúncia

Consta na denúncia que, desde agosto de 2013, Jorge mantém no local uma construção de alvenaria medindo 8,5m x 6,7m – sua residência – e que tal conduta impede a regeneração natural de 0,0055 hectare de vegetação situada às margens de curso d’água, área considerada de preservação permanente. Durante fiscalização, a Polícia esteve no local, constatando em boletim de ocorrência a suposta degradação ambiental.

Apesar da argumentação da Promotoria de Justiça, a denúncia foi arquivada, sob o argumento de que “comprovou-se que se trata de ocupação humana de baixo impacto ambiental, por população de comunidade tradicional”. Além disso, foi constatado que o curso d’água que caracterizaria a área como de preservação permanente não teve sua existência confirmada e que se trata de área menor a 0,1 hectare, sem indício de impacto ambiental significativo e de prática contínua de supressão de vegetação. Ante o arquivamento, o MP-SP recorreu ao Colégio Recursal de Caraguatatuba.

Na apresentação de contrarrazões em favor do morador quilombola, o Defensor Público Wagner Giron de La Torre, que atua na unidade da Defensoria em Taubaté, em parceria com a Advogada Sabrina Diniz Bittencourt Nepomuceno, que atua na Rede Nacional de Advocacia Popular (Renap), afirmou que a residência em questão não se localiza às margens de curso hídrico, como conta da denúncia, tratando-se na verdade de vala aberta artificialmente para mero escoamento de águas da chuva.

“O autuado e sua família são pessoas vinculadas à luta pela posse do território do Quilombo da Caçandoca, sendo descendentes de antigos moradores de área inserida no Quilombo, detêm direito fundamental de reformar e terminar a construção de sua moradia localizada no território do Quilombo, hoje em estado precário, semiconstruída, e sujeita às agressões das intempéries”, argumentaram o Defensor Público e a Advogada.

Intervenção mínima

Wagner Giron e Sabrina Nepomuceno argumentaram que a acusação de dano ambiental já tinha sido arquivada em inquérito civil pelo próprio Conselho Superior do MP-SP, o que apenas corroborava não haver danos ambientais ou a existência de curso hídrico no local. Diante desse fato, a insistência pela acusação criminal feria o princípio da intervenção mínima. “É fora de dúvida que o pretérito e arquivado inquérito civil denota prova da total inexistência de delito.”

No acórdão, o Juiz Relator Gilberto Alaby Soubihe Filho, do Colégio Recursal de Caraguatatuba, acolheu os argumentos da defesa, mantendo a absolvição. “Não olvida a independência das Instâncias Cível e Criminal. No entanto, a Instância Criminal deve ser a última ratio, prestigiando-se o Princípio da Intervenção Mínima”, considerou o Magistrado. Ele ainda aplicou o entendimento do Conselho Superior do Ministério Público, que, em sua súmula nº 29, exclui a punibilidade em termos de impactos socioambientais de áreas inferiores a 0,1 hectare.

Para o Defensor Público Wagner Giron de La Torre, trata-se de importante precedente em prol das Comunidades de Remanescentes de Quilombos. “É realidade entre as comunidades tradicionais do Litoral Norte/SP um número crescente de processos criminais, por ‘danos ambientais’, em razão do exercício de atividades de reprodução da existência material dos remanescentes de Quilombos, em especial, a criminalização de construções de moradias quilombolas nos territórios ancestrais”, avalia.

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