Fiocruz promove disciplina para povos tradicionais em Paraty

Vanessa Cancian, OTSS/Fiocruz

Paulo Freire sonhou e escreveu muitas linhas sobre a necessidade de autonomia nos processos educativos e sobre uma aprendizagem que pudesse ser feita em busca de libertar as pessoas e construir novos olhares sobre o mundo para poder transformá-lo. Foi com base nesse conceito e na Ecologia de Saberes, proposta por Boaventura de Souza Santos, que a Disciplina de Inverno da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) foi proposta pelo Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS). 

Território, Determinação Socioambiental da Vida e Inovação Social foi o nome dado ao curso, realizado entre os dias 22 e 27 de julho no espaço do OTSS e em algumas comunidades tradicionais do território da Bocaina. Dezessete pessoas participaram, entre as quais 16 mulheres e um homem. O público foi formado por estudantes de mestrado e doutorado da Ensp/Fiocruz e demais interessadas que se inscreveram em busca de mais conhecimento sobre os chamados Territórios Sustentáveis e Saudáveis (TSS).

“Essa disciplina foi pensada com base nos alicerces do OTSS. Nós trouxemos a discussão dos determinantes sociais da saúde com base em nossa prática na gestão e saberes”, pontua Indira Alves, coordenadora de Gestão de Saberes do Observatório. “Dentro da nossa proposta, colocamos em diálogo o saber científico e o saber tradicional para que possam, assim, serem criados novos saberes e narrativas. Também utilizamos a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, que trata do papel social da educação na transformação da sociedade”, completa.  

Saúde e territorialidades 

“O desenho desse curso foi feito em consideração ao território como uma centralidade. As dinâmicas do território, o processo vivo do território como elemento central de aglutinação das iniciativas e dos temas a serem trabalhados. Temos uma relação muito forte da questão da saúde com o meio ambiente na Fiocruz, a chamada determinação socioambiental da saúde”, explica Guilherme Franco Neto, da Vice-Presidência de Atenção e Promoção à Saúde (VPAAPS) e coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030.

Ele participou também da construção da disciplina e aponta: “buscamos compreender a saúde não apenas como uma ausência de doença, mas enquanto uma perspectiva muito mais ampliada que se relaciona com o processo que vai desde o nascimento ao processo de formação de uma pessoa, sua vida produtiva, seu processo de trabalho, seu envelhecimento, todo o ciclo da vida que, na verdade, é como a gente exercita a vida. Compreender a saúde na relação com todos as implicações econômicas, sociais, ambientais, políticas e éticas”, finaliza. 

“Eu, enquanto mulher caiçara, venho tentando estudar e me especializar para buscar o protagonismo e autonomia das comunidades caiçaras. Atualmente faço mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estudo meu território. Durante esse curso, pude ver na prática temas e trabalhos que desenvolvo na minha pesquisa, como a governança participativa e a gestão comunitária”, conta Paula Calegari de Souza, caiçara de Paraty que participou da disciplina. 

Território vivo como fonte de conhecimento 

“O trabalho do OTSS tem uma relação direta com os povos indígenas, caiçaras e quilombolas e estamos trabalhando, do ponto de vista conceitual e metodológico, caminhos para que esse processo ocorra em diversas unidades da Fiocruz. A iniciativa da disciplina de inverno da Ensp/Fiocruz traz para seu conteúdo pedagógico um conjunto de conceitos, valores e elementos que estamos considerando para renovar a agenda da saúde”, completa Guilherme.

Dentro da Fiocruz, há atualmente um grande esforço para que projetos como o do OTSS sejam ampliados em diversos aspectos. Em 2018, por exemplo, foi institucionalizada a Política Institucional de Territórios Sustentáveis e Saudáveis (Pitss). “Trata-se de um conceito que permite que a gente aproxime diversas agendas que não só do campo da saúde e do SUS, mas também novas possibilidades de fazer articulações nos territórios para a busca de novas soluções. A saúde pública tem sentido quando ela consegue apresentar soluções para a sociedade, sejam elas no campo da habitação, da preservação do meio ambiente, no campo do trabalho. Eu tenho certeza de que os resultados desse curso aqui vão trazer uma inspiração muito grande para dentro da Fiocruz e nós já temos outras iniciativas programadas para seguirmos trabalhando esses conceitos”, afirma. 

“A experiência de um curso como esse, construído com uma base territorial, é incrível. Poder ver as pessoas que estão aqui, imersas no território, falando com a gente, parando horas dos seus dias, apresentando as experiências em saúde, representou para mim um grande presente”, conta Lorena Portela Soares, aluna do mestrado em Saúde Pública da Ensp/Fiocruz.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

14 − seis =