Greve Mundial pelo Clima: agora também no Brasil

Em São Paulo, grupos organizam ato e lançam manifesto. Na preparação, ciclo de cinedebates sobre grandes temas socioambientais brasileiros. Ataque de Bolsonaro contra indígenas, Amazônia e agroecologia pode ter resposta à altura

Outras Palavras

Os protestos socioambientais, que fizeram parte da paisagem política brasileira nas marchas contra a Usina de Belo Monte e na defesa dos territórios indígenas, podem povoar de novo as ruas em breve. Em São Paulo, uma Coalizão pelo Clima — formada por ativistas de diversas origens — decidiu somar-se à Greve Global pelo Planeta, convocada em dezenas de países para a semana entre 20 e 27 de setembro. Haverá manifestação na Avenida Paulista, em 20/9. O ato está sendo organizado em encontros abertos, o próximo dos quais marcado para 17/8. Um manifesto de convocação está pronto, e publicado ao final deste texto.

A mobilização é resposta, também, à saraivada de ataques — concretos e simbólicos — que o governo Bolsonaro lançou contra os povos originários, a Amazônia, o cerrado, a agroecologia e todas as iniciativas que propõem novas relações entre ser humano e natureza. A tentativa de calar o INPE, órgão que monitora o desmatamento amazônico, é apenas o atentado mais recente. Os retrocessos têm chocado a opinião pública internacional e brasileira. Uma forte participação do país na greve planetária é uma forma de expressar esta indignação nas ruas, estabelecer alianças e resistências.

A causa ambiental, antes restrita a grupos de classe média, parece ter tomado dimensão inteiramente nova no último ano — tanto do ponto de vista social quanto político. Manifestações gigantescas, marcadas em especial pela presença de jovens e adolescentes, eclodiram em 2018 nas capitais europeias, mas também em países como a Índia, África do Sul e Colômbia. Nos EUA, uma nova esquerda irreverente, com clara postura anticapitalista, lançou a ideia de um “Green New Deal”, que soma o esforço contra o aquecimento global a uma clara luta pela redistribuição de riqueza. Os defensores da proposta associam a meta de emissão líquida zero de CO², em 2025, à redução das desigualdades e do desemprego, por meio de uma vasta agenda de ações de infraestrutura destinadas a superar os combustíveis fósseis, construir usinas eólicas e fotovoltaicas, substituir o transporte automotivo por ferrovias, promover reflorestamento com espécies nativas e outras medidas.

“Outras Palavras” participa ativamente deste esforço. Em conjunto com o Instituto Scietiae Studia, o site promoverá, no início de setembro, uma sequência de cinedebates sobre grandes temas socioambientais brasileiros. Serão exibidos, no Teatro Commune, em São Paulo, os documentários “Belo Monte, anúncio de uma guerra” (3/9), “A lei da água – Novo código florestal” (11/9) e “Ser tão velho cerrado” (18/9). O diretor André D’Elia estará presente e após a exibição das obras haverá diálogo — inclusive sobre a preparação da Greve Global. (A.M.)

Leia na íntegra, a seguir, o manifesto que prepara a manifestação em SP.

Há Mundo por Vir?¹ — Manifesto da Coalizão pelo Clima São Paulo

A Coalizão pelo Clima São Paulo é uma articulação ampla, suprapartidária e democrática, composta por diversos coletivos que debatem e fazem ações de informação e combate às mudanças climáticas. Este manifesto pretende iniciar um diálogo com a sociedade, com base no conhecimento da ciência atual e nos saberes dos povos originários, como indígenas, quilombolas e caiçaras, sobre a Emergência Climática e os níveis já perigosos de interferência humana na Terra. Reivindicamos ações concretas e urgentes das autoridades. Pois, se tudo continuar como está, o futuro não existirá.

Não faltaram avisos às autoridades governamentais e corporações sobre o colapso ecológico global. Desde finais dos anos 1960, sucedem-se advertências e alertas de que, se continuarmos nesse ritmo, a civilização humana tal como a conhecemos deixará de existir. A lógica de desenvolvimento econômico desenfreado, que entende a natureza como fonte de recursos infinitos (não é!) que se mede em dinheiro, nunca trouxe equilíbrio nem justiça. Pelo contrário: criou as condições que nos levaram a esta situação.

Hoje o consenso científico acerca das causas antropogênicas do aquecimento global chega a 99% entre os climatologistas e outros cientistas da Terra. Mesmo assim, visando apenas seus ganhos, grandes empresas empregam estratégias de desinformação com o objetivo de semear dúvidas na opinião pública e, junto aos  governos de cada país, violar a natureza com cada vez mais brutalidade – e impunidade.

Enquanto isso, as evidências empíricas se acumulam:

  • Cada década desde a de 1970 foi sucessivamente mais quente que a anterior
  • 20 dos 22 anos mais quentes registrados em escala global ocorreram desde 1998
  • O período entre 2014 e 2018 acusa uma clara aceleração do aquecimento global

A queima crescente de combustíveis fósseis para satisfazer um modo de vida cada vez mais consumista faz com que as temperaturas atinjam, ano após ano, novos recordes. Todo esse aquecimento causará consequências gravíssimas como desmoronamentos, incêndios florestais, quebras de safras agrícolas, fome, doenças, chuvas extremas, ondas de calor, enchentes e secas prolongadas.

O aumento do nível dos oceanos, provocado pelo derretimento das geleiras, produzirá um número cada vez maior de refugiados climáticos, inclusive na costa brasileira. Tais eventos não ocorrem sem aumentar ainda mais as instabilidades políticas e disputas e guerras por recursos naturais. A mudança de temperatura já provoca também extinção de diversas espécies, ocorrendo a taxas 500 a 1000 vezes maiores do que as consideradas normais.

Isso levou vários cientistas a afirmar que estamos em meio à 6ª extinção em massa da história da vida na Terra.

No Brasil, o desmatamento causado pela expansão devastadora do agronegócio e da pecuária, a mineração e a poluição dos rios e oceanos contribuem para a aceleração desse processo. Nossos ecossistemas estão todos prejudicados. A previsão é que nosso Cerrado, o berço da maior parte das bacias dos rios São Francisco, Araguaia e Tocantins, pode acabar em 2030. Restam apenas 12,4% da Mata Atlântica. O Pantanal e os Pampas estão sendo destruídos. A Floresta Amazônica já perdeu 20% de sua cobertura original e está perdendo hoje o equivalente a três estádios de futebol por minuto.

Não seremos capazes de evitar o colapso global se não mudarmos a dinâmica do sistema vigente. Isso não é possível de forma individual: precisamos de medidas concretas que alterem profundamente os modos de produção, distribuição e consumo atuais. O caminho pela frente é imenso e extremamente difícil. Ainda que possa parecer irrealista, com o colapso que já se avista e suas enormes consequências, irrealista mesmo é achar que não precisamos enfrentá-lo. Nossa casa é aqui e nosso tempo é agora.

Temos muito trabalho pela frente.

Por isso, a Coalizão pelo Clima São Paulo reivindica que as autoridades brasileiras:

1. Neutralizem as emissões de carbono até 2030 e criem políticas públicas de promoção do reflorestamento e investimentos em energias renováveis, além de cumprir o compromisso de Estado assumido no Acordo de Paris de reflorestar 12 milhões de hectares até 2025;

2. Mobilizem mais recursos para pesquisa e implementação de iniciativas e soluções voltadas para ações climáticas;

3. Ampliem a educação sobre meio ambiente e sustentabilidade nas escolas, universidades e comunidades;

4. Cobrem grandes devedores do governo no setor empresarial – agronegócio, pecuária, bancos, igrejas, indústrias – para formar um fundo de combate às mudanças climáticas;

5. Instituam um conselho de combate às mudanças climáticas composto de forma paritária pela sociedade civil, comunidade científica, organizações não-governamentais e representantes do governo.


Coalizão pelo Clima São Paulo: [email protected]

Twitter: @coalizaoclima_sp / Facebook: Coalizão pelo Clima / Instagram: coalizaoclimasp

A Coalizão pelo Clima SP agradece à professora Déborah Danowski e ao professor Luiz Marques pela colaboração e revisão do presente manifesto.

[1] Título inspirado no livro dos autores Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro “Há Mundo por Vir? Ensaio sobre os Medos e os Fins”, e autorizado pelos mesmos.

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