Para PFDC, reduzir maioridade penal ou ampliar internação de adolescentes não resultariam em mais segurança

Procuradoria encaminhou Nota Técnica ao Congresso Nacional para subsidiar a análise dos parlamentares acerca dos proposições legislativas sobre o tema que tramitam na Casa

A proposta de reduzir a maioridade penal e de aumentar o tempo de cumprimento de medida de internação de adolescentes que cometem atos infracionais não levariam a um incremento na segurança pública, além de gerarem impactos vultuosos nos custos públicos e de incidirem de forma absolutamente desproporcional sobre jovens negros pobres – dado que, por si só, já seria causa eficiente de inconstitucionalidade dessas normativas.

O posicionamento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal. Nesta quarta-feira (28), a PFDC encaminhou ao Congresso Nacional uma Nota Técnica para subsidiar a análise dos parlamentares acerca das proposições sobre o tema que tramitam na Casa.

O Projeto de Lei 7.197/2002, e seus vários apensos, assim como a Proposta de Emenda à Constituição 32/2015 buscam alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e a Constituição Federal no que se refere à aplicação de medidas socioeducativas aos autores de atos infracionais. Dentre as modificações pretendidas, estão a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação em regime especial para infrações análogas a crimes hediondos.

No documento aos parlamentares, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que as medidas propostas representam grave violação aos direitos fundamentais dessa população – tanto no âmbito da legislação nacional quanto no que se refere aos compromissos internacionais firmados pelo Estado brasileiro.

A Nota Técnica elenca dados que apontam o diminuto número de crimes cometidos pela população jovem, em comparação aos praticados por adultos – especialmente aqueles contra a vida, a integridade física e o patrimônio. Estudo de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, revela que dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil menos de meio por cento (0,013%) cometeu atos contra a vida ou integridade física – ou seja, atos análogos a homicídio, latrocínio, estupro e lesão corporal.

A Procuradoria aponta que, ao contrário do senso comum, os jovens têm sido, em regra, vítimas de violência, e não autores. Segundo o Atlas 2019, 35.783 jovens foram assassinados no Brasil em 2017, sendo o homicídio a principal causa de mortes de jovens brasileiros em 2017. Somente na faixa entre 15 a 19 anos, 51,8% foram vítimas desse tipo de crime.

Quanto ao cumprimento de medidas socioeducativas, dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, apontam que, entre 1998 e 2006, houve um aumento de 320% de adolescentes internados. De acordo com estudo do Ipea de 2015, do total de 23,1 mil adolescentes privados de liberdade no Brasil em 2013, 64% cumpriam medida de internação, 23,5% cumpriam medida de internação provisória, 9,6% cumpriam em semiliberdade e apenas 2,8% em liberdade.

“Há, em alguns setores da sociedade, e com forte ressonância no Congresso Nacional, a percepção de que o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) não responsabilizam com suficiência os adolescentes pelos atos infracionais cometidos. No entanto, o que os números demonstram é que a justiça penal juvenil tende a aplicar sanções de forma mais dura do que a justiça penal comum”, destaca a PFDC.

Na Nota Técnica, a Procuradoria lembra ainda dos impactos nos custos públicos para uma eventual implementação dos projetos de lei e da PEC em discussão no Congresso Nacional, e a incapacidade financeira de o Estado arcar com tais mudanças na legislação.

“Há um déficit de 4.601 vagas para internação de adolescentes em unidades socioeducativas ou 51 unidades de internação. Para fazer face a isso, seria necessário gastar aproximadamente R$ 1 bilhão de reais apenas para implantar fisicamente as novas unidades, sem considerar gastos com manutenção, recursos humanos, equipamentos, entre outros”, aponta a PFDC ao citar estudo de 2017 do então Ministério dos Direitos Humanos.

De acordo com a Procuradoria, como a atualidade do país é marcada por forte restrição no investimento público, o cenário que se apresenta como de possível antecipação é de aumento de superlotação das unidades de internação socioeducativa, “comprometendo ainda mais o projeto civilizatório de que esses jovens sejam tratados com dignidade e venham a se reincorporar à sociedade nacional”.

Implementação do Sinase – Para a PFDC, o adolescente que comete atos infracionais precisa ser tratado com dignidade, de modo a promover a sua efetiva e real ressocialização – inclusive a partir da lógica da Doutrina da Proteção Integral e da compreensão como pessoa em desenvolvimento biopsicossocial.

“Nesse sentido, o desafio que se coloca é a urgente e efetiva implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que tem como princípio nuclear a natureza pedagógica da medida socioeducativa, e daí a prioridade de seu cumprimento em meio aberto, como a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade”.

A PFDC aponta que, ainda hoje, é bastante escasso o investimento em medidas de cumprimento em meio aberto, que ofereçam atividades educacionais, esportivas, culturais e profissionais, a manutenção de intercâmbio com a comunidade local e o oferecimento de programa de apoio aos egressos e suas famílias.

Outro importante instrumento do Sinase, de responsabilização e ressocialização do adolescente infrator, é o Plano Individual de Atendimento – a ser planejado por um profissional de referência com o jovem e sua família por meio de um diagnóstico polidimensional em que são traçadas metas e compromissos de desenvolvimento, de modo a acompanhar sua evolução social e pessoal durante o cumprimento de medida socioeducativa.

Apesar da ausência de diversos serviços e estrutura necessários para a correta implementação do Sinase, esse sistema apresenta índices de reincidência melhores do que o sistema penal para adultos, conforme aponta estudo de 2015 do Ipea.

Foto ilustrativa: Agência Brasil

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