Banco Central também é responsável pelo total descontrole da cadeia econômica do ouro no Brasil, alerta MPF

BC tem tanta responsabilidade pela precariedade na fiscalização quanto a União e a Agência Nacional de Mineração, registra ação judicial

Ministério Público Federal no Pará

Além de pedir à Justiça Federal que obrigue a União e a Agência Nacional de Mineração a informatizarem o sistema de controle da cadeia econômica do ouro no país, a fiscalizarem o uso das licenças simplificadas para garimpos, e a definirem quem pode ter acesso a essas licenças, entre outras demandas, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que também o Banco Central (BC) é responsável pelo completo descontrole do Brasil sobre essa cadeia econômica e que, portanto, também deve ser obrigado a tomar providências para evitar a continuidade da extrema inércia do Estado nessa área.

O MPF quer que o BC apresente à Justiça e execute plano de implantação de medidas administrativas que garantam um maior controle da custódia do ouro adquirido pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) e pelos Postos de Compra de Ouro (PCOs). As DTVMs são instituições autorizadas pelo BC a realizarem, com exclusividade, a compra do ouro proveniente dos garimpos, e os PCOs são os braços das DTVMs nas regiões de exploração mineral.

Os pedidos foram feitos em uma das ações ajuizadas pelo MPF em 2019 com base em provas e dados coletados durante três anos pela instituição e pela Polícia Federal (PF). A investigação inédita esmiuçou o funcionamento de uma das maiores empresas compradoras de ouro no maior polo da mineração ilegal no Brasil, a bacia do Tapajós, no sudoeste do Pará. Nessa ação, o MPF cita, pela primeira vez, trechos de um manual de atuação da instituição para o combate à mineração ilegal. O documento foi elaborado pela força-tarefa Amazônia do MPF, que fez um diagnóstico aprofundado sobre os problemas, indicando soluções para a questão.

O MPF também pediu que o BC seja obrigado a proibir a DTVM Ourominas de comercializar ouro até que a empresa promova a devolução aos cofres públicos dos prejuízos causados, faça a compensação pelos danos ambientais provocados, e apresente plano que preveja mecanismos internos de accountability. O plano deve incluir, necessariamente, a fiscalização rigorosa das atividades dos PCOs vinculados à empresa, pediu o MPF na ação judicial.

Sanções obrigatórias – A empresa Ourominas foi a grande beneficiada pelas mais de 4,6 mil aquisições ilegais de ouro feitas durante os três anos que a investigação cobriu, registra o MPF. Só entre 2015 e 2018, o PCO da Ourominas em Santarém fraudou a compra de 610 quilos do minério, causando um prejuízo de R$ 70 milhões à União. E esse prejuízo pode ser muito maior, tendo em vista que o valor foi calculado com base nas indicações das notas fiscais, que são preenchidas apenas pelos criminosos, com indicações bem inferiores ao valor de mercado.

De acordo com a legislação, a Ourominas tem que ser punida por essas ilegalidades, ressaltam os procuradores da República autores da ação judicial. Eles destacam que a lei 13.506/2017 estabelece que as instituições supervisionadas pelo BC responsáveis por irregularidades estão sujeitas à proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação. A lei elenca como infração punível a realização de “operações ou atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a autorização concedida pelo Banco Central do Brasil”.

Prova do descontrole – As informações que o BC possui sobre o comércio do ouro são as autodeclaradas pelas DTVMs. Não há sequer uma checagem dos dados. Como prova disso, o MPF relatou na ação judicial que a PF não encontrou nem uma única grama de ouro no estabelecimento informado pelo BC ao MPF como local de armazenamento do ouro da Ourominas.

“Embora se saiba que a empresa revenda ouro, não é crível que uma das maiores compradoras de ouro do Brasil não tenha o minério em seu estoque (ou custodiado em empresas terceirizadas), mesmo porque seus estabelecimentos vendem ouro em barra sob encomenda. Após anos sendo investigada, neste e em outros casos – como a Operação Crisol, no Estado do Amapá – há fundada suspeita de que a OM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda [Ourominas] dissipe ou oculte o ouro ilegal adquirido, bem como seu próprio patrimônio de maneira geral”, critica o MPF.

“Esta prática só é possível graças ao completo descontrole do Banco Central do Brasil, assim como da União e da Agência Nacional da Mineração, no que diz respeito à fiscalização do comércio e da custódia do ouro. É clarividente que a OM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários mantém ouro custodiado em local desconhecido dos entes públicos. Também há desinformação generalizada quanto ao destino do ouro remetido às DTVMs, como se visualiza no presente caso”, complementam os procuradores da República.

O MPF acrescenta que é ao longo da cadeia de custódia que o ouro extraído ilegalmente tem sua origem “esquentada” (acobertada) e ingressa formalmente no mercado. “O ouro é um bem de domínio da União, explorado por particulares sob regime de concessão ou autorização, no ‘interesse nacional’, segundo a dicção do artigo 176, §1º da Constituição Federal. Embora o produto da lavra seja propriedade do concessionário, há evidente interesse público em se ter este comércio devidamente fiscalizado, incluindo a custódia do minério e o seu destino após remessa às DTVMs”.

Série – Desde o final de julho o MPF está publicando uma série de notícias para resumir como as várias fragilidades do sistema de controle da cadeia do ouro possibilitam a atuação de organizações criminosas como a denunciada pela instituição e geram prejuízos financeiros, sociais e ambientais de proporções devastadoras.

Também estão sendo descritos os pedidos feitos pelo MPF à Justiça relativos às instituições públicas e às empresas processadas.

Este é o quinto texto da série. O primeiro apresenta um panorama dos problemas, o segundo detalha as facilidades às fraudes e dificuldades à investigação resultantes da falta de um sistema informatizado de controle, o terceiro aponta as consequências da negligência do país em fiscalizar o uso das permissões de lavras garimpeiras e a produtividade dessas lavras, e o quarto registra os prejuízos ao país provenientes de uma legislação que desconsidera a existência da mineração de escala empresarial.

O conteúdo integral das ações, com todos os detalhes disponíveis, pode ser acessado nos links abaixo.

Ação cível: processo nº 1003404-44.2019.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)

Íntegra da ação

Consulta processual

Ação criminal: processo nº 0000244-28.2019.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)

Íntegra da ação

Decisão judicial

Consulta processual

Imagem: Área de garimpo ilegal em que Ibama desativou máquinas de mineração na Terra Indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2018. Crédito: Vinícius Mendonça/Ibama, em licença CC BY-SA 2.0, via Flickr

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