Governo Bolsonaro e ruralistas tentam implodir Código Florestal, enquanto Amazônia pega fogo

Comissão mista do Congresso aprova regularização ambiental automática por decurso de prazo. Relatório sobre MP 884 vai ao plenário da Câmara

Por Oswaldo Braga de Souza, ISA

Ruralistas e governistas aprovaram um projeto que pode inviabilizar o novo Código Florestal, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2019) – enquanto parte da Amazônia continua sendo destruída pelo fogo alimentado pelo desmatamento.

A Comissão Mista do Congresso destinada a analisar a Medida Provisória (MP) 884/2019, que pretendia originalmente apenas alterar prazos da lei, aprovou, na tarde de hoje (4), o parecer do senador Irajá Abreu (PSD-TO), com um dispositivo que permite a regularização ambiental automática por decurso de prazo. O relatório segue agora ao plenário da Câmara e, se também for aprovado, vai ao do Senado.

Segundo o texto chancelado pela comissão, após o registro dos produtores rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR), os órgãos ambientais estaduais terão apenas três dias para convocá-los e formalizar o termo de adesão aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs). Se não o fizerem nesse período, o imóvel rural estará automaticamente regularizado, inclusive se estiver em desacordo com a lei. Só o Pará, um dos Estados mais afetados pelo fogo e o desmatamento, tem mais de 414 mil imóveis cadastrados.

A regularização ambiental é fundamental para a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente e a proteção daquelas que devem ser preservadas nas propriedades e posses privadas. Aprovar uma lei que, na prática, dispensa os produtores rurais dessa responsabilidade seria mais um sinalização de impunidade para os crimes ambientais. A série de anistias para quem desmatou ilegalmente previstas pelo novo Código Florestal é considerada pelos pesquisadores como um dos principais fatores para a retomada do ritmo de devastação da floresta amazônica, a partir de 2013.

Instituído pela Lei 12.651/2012, o CAR é um registro de todos os imóveis rurais no país, integrando suas informações ambientais em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental, o controle e monitoramento do desmatamento. O cadastro é autodeclaratório e inclui dados sobre as Reservas Legais (RLs), Áreas de Preservação Permanente (APPs), aquelas desmatadas e que devem ser reflorestadas.

O PRA também foi criado pelo novo Código Florestal e prevê um conjunto de ações que todo produtor rural deve realizar para regularizar ambientalmente sua propriedade, após registrá-la no CAR. Os programas devem ser regulados e administrados pelos Estados. De acordo com o texto original da lei, para ter direito a suspensão de multas e outras sanções, por exemplo, o proprietário deveria aderir ao CAR e ao PRA em um prazo de, no máximo, dois anos.

Chancela da irregularidade

A aprovação do parecer de Irajá Abreu acontece na mesma semana em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou que, de janeiro até o início de setembro, ocorreram mais de 93,1 mil focos de queimadas no Brasil, um aumento de 64% ante os 56,8 mil focos observados no mesmo período de 2018. Mais da metade dos focos está na Amazônia. Trata-se do maior número para o período em nove anos.

Estudos como os realizados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) comprovam que, ao contrário do que disse o governo no início da crise das queimadas, elas têm relação direta com o desmatamento: a imensa maioria é feita para destruir o que restou da floresta derrubada e abrir caminho à grilagem e à pecuária (leia aqui).

“O resultado da aprovação desse relatório da MP 884 será a chancela estatal de regularização para propriedades irregulares ambientalmente. Isso vai aprofundar a crise ambiental e explicita a defesa de atividades ilegais pela bancada ruralista, em contradição ao que ela afirma publicamente”, avalia o consultor jurídico do ISA Maurício Guetta.

“O órgão ambiental estadual teria três dias úteis para chamar o produtor rural para assinar o Termo de Compromisso. Ou seja, toda análise, correção e validação das informações do CAR deveriam ocorrer em até 2 dias úteis!”, alerta Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil. “Uma vez passado o prazo, o proprietário não deve mais nada! Nem multa, nem a reposição de uma só árvore. É um trem da alegria que vai acabar, com um artigo, com toda a regularização ambiental prevista na lei”, critica.

Esta é a segunda vez, neste ano, que a bancada ruralista e o governo Bolsonaro tentam fragilizar o Código Florestal. Em maio, a MP 867/2019, que tinha o mesmo objetivo, acabou não sendo votada pelo Senado e caducou.

Negociações e “acordo”

Outra medida incluída no relatório de Abreu também pode ser considerada uma sinalização contra a conservação da floresta. O parecer prevê o adiamento, até 31/12/2020, da adesão aos PRAs. Na prática, o produtor rural poderá aderir ao CAR até essa data e, conforme o parecer, teria mais dois anos para pedir seu ingresso no PRA. Se a MP for aprovada dessa forma, seria a 6ª vez que o início da regularização ambiental é postergado. É bom lembrar que dez Estados ainda não regulamentaram seus PRAs, o que pode concorrer para forçar novos adiamentos.

O relatório de Abreu foi aprovado depois de sua votação ter sida interrompida, ontem, por pressão da oposição. O dispositivo da regularização automática por decurso de prazo só foi apresentado hoje, de surpresa, pelo relator. O parecer acabou aprovado após nova suspensão da votação para negociações.

Segundo parlamentares ambientalistas e da oposição, havia um acordo apenas para adiar o prazo de adesão ao PRA. Conforme o deputado Nilto Tatto (PT-SP), diante da situação, foi fechado um novo entendimento com o relator, com o presidente da comissão mista, deputado José Mário Schreiner (DEM-GO), e a assessoria da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para excluir a nova mudança, por meio da apresentação de um destaque no plenário da Câmara. A assessoria do senador Irajá Abreu, porém, informou à reportagem do ISA que ele não reconhece o novo pacto.

A informação é de que o relator da MP 884 no plenário da Câmara será o deputado Nelson Barbudo (PSL-MT), um dos ruralistas mais radicais e próximos ao presidente Bolsonaro.

Imagem: (E) O relator da MP 884 na comissão mista, Deputado Irajá Abreu, filho da senadora Kátia Abreu (PDT-TO), e o presidente do colegiado, José Mário Schreiner (DEM-GO) | Waldemir Barreto/Agência Senado

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