Estratégia fascista de Bolsonaro segue os mesmos passos de outros líderes autoritários

Por Carlos Eduardo Araújo*, em Justificando

“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência.” – Marco Tulio Cícero

Marco Tulio Cícero, grande tribuno e homem público romano, disse certa vez que a história é mestra da vida. A aludida expressão foi objeto de críticas, porque se percebeu com o passar do tempo, que conhecer os erros cometidos no decorrer da história não equivaleria a inocular um antídoto para que as sociedades humanas não os repetissem, como sistematicamente o têm feito ao longo dos séculos. Apesar da advertência, ainda hoje cabível, vamos buscar em um acontecimento específico do passado inspiração para reflexões, que se fazem necessárias no presente, com a pretensão de trazer um mínimo de luzes, na tentativa de dissipar as trevas que nos envolve hodiernamente.  

Todavia, não temos a pretensão de colher um ensinamento que nos “salve” de nossos desacertos e desatinos, mas para perceber como a história se repete, inexorável e infelizmente, sem deixar lições aos pósteros. Como já disse Marx “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. [1]

A Alemanha nazista, dos primeiros anos da década de 30 do século XX, guardadas as abissais diferenças que nos separam, tem muito a “ensinar” ao Brasil de hoje sobre a escalada do poder autoritário, do arbítrio, da violência, do ataque aos “inimigos”, da conspurcação das instituições, da inércia do povo em face do perigo que o espreita.

Há uma obra, de cunho testemunhal e histórico, de valor inestimável, que pode fornecer elementos para a análise e compreensão do presente momento da vida brasileira, sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. Estou a me referir aos “Diários de Victor Klemperer”, que foram traduzidos e publicados no Brasil pela Companhia das Letras, cujo o subtítulo é “testemunho clandestino de um judeu na Alemanha Nazista”. O livro é um calhamaço de 895 páginas e cobre o período entre os anos 1933/1945, da ascensão de Hitler ao poder até o fim da segunda guerra mundial.

Victor Klemperer nasceu aos 9 de outubro de 1881, em Landsberg, na Alemanha. Era filho de um casal de primos, o rabino Wilheim Klemperer e Henriette Klemperer. Teve nove irmãos. De origem judia, ainda jovem se converteu ao Luteranismo. Era casado com Eva Klemperer, que não era judia, fato que foi determinante para fazê-lo escapar das garras do nazismo inúmeras vezes. Também contou a seu favor o fato de ter sido condecorado como soldado, que lutou nas fileiras do exército alemão, na primeira guerra mundial. Ainda assim, foi vítima de constantes humilhações e ameaças à sua integridade física e psíquica. Faleceu em Dresden, aos 11 de fevereiro de 1960.

A obra de Klemperer foi publicada logo depois do término da segunda guerra mundial, primeiramente na Alemanha Oriental. Após a reunificação da Alemanha torna-se mundialmente conhecida. Revela um testemunho de imenso valor e grande singularidade, visto que são poucos os relatos de uma testemunha ocular, como ele, que acompanhou, na condição de judeu culto e esclarecido, mesmo que convertido, o dia a dia da Alemanha sob Hitler e o nacional-socialismo. 

Nesse sentido, seu testemunho difere de outros, pelo ângulo mais abrangente de visão que propicia. Há dezenas de livros publicados por pessoas que vivenciaram a trágica experiência do holocausto, formando um substancial libelo acusatório em face do nazismo. Todavia, o universo de observação desses relatos, em regra, é mais restrito, não obviamente quanto à densidade e qualidade das narrativas, apenas quanto ao espaço geográfico e sócio-cultural que abarcam. 

Há testemunhos que se expressaram por meio de uma literatura de alta qualidade, como aquele que se depreende das obras do italiano Primo Levi, prisioneiro de Auschwitz, cuja visão dos acontecimentos encontra-se, contudo, restringida pelos limites do campo de concentração. Ou os diários de Anne Frank, escritos de dentro de um porão de uma casa em Amsterdã.

Os diários de Victor Klemperer atestam, efetivamente, o destino do povo judeu na Alemanha de Hitler, desde a perda dos direitos civis até a deportação e o extermínio. Tudo registrado com minúcias por um observador arguto, consciente e crítico, que foi antevendo para onde iam se dirigindo as ações e feitos maléficos do nazismo. Neles estão registrados os discursos dos líderes nazistas, as notícias sobre a guerra, as informações veladas sobre os campos de concentração, a conversa mantida na casa de amigos, enfim o dia a dia de alemães e judeus sitiados pela atmosfera plúmbea e irrespirável da Alemanha nazista daqueles tempos.

Por meio dos “Diários” tomamos contato com os atos violentos e arbitrários do nazismo e como os mesmos afetavam a vida e a saúde física e psíquica de Klemperer e sua esposa Eva, seus amigos e parentes. Os seus estados de saúde sofriam freqüentes abalos. Ele sofria de angina e problemas oculares. Em dado momento fora submetido ao trabalho forçado, de remover neve das ruas por semanas, sendo alvo de chacota e humilhação. Em seus diários encontramos registros de pensamentos de morte e a tentativa de suicídio de pessoas conhecidas. 

Victor Klemperer imaginava, a princípio, que o nacional-socialismo fosse uma loucura passageira. No entanto, sua opinião vai se transformando à medida que o regime vai sofrendo crescente embrutecimento, à medida que concessões vão sendo feitas não impedindo, antes encorajando, o exercício do terror e da violência, que vão se intensificando de forma progressiva e inexorável. 

Apesar de Klemperer ter sido um judeu assimilado, não praticante do judaísmo e sim do protestantismo, perante as autoridades nazistas ele era judeu. Como diria Hannah Arendt “Os judeus haviam podido escapar do judaísmo para a conversão; mas era impossível fugir da condição de judeu”. [2]

Destarte, ele foi sofrendo um gradual processo de isolamento e segregação. Era professor catedrático na Universidade de Dresden desde 1920, onde lecionava filologia românica, sendo afastado de suas funções em 1935, dois anos depois da chegada de Hitler ao poder. Paulatinamente foi destituído de todos os direitos associados à cidadania alemã. Foi proibido de freqüentar a biblioteca da universidade e de prosseguir em suas atividades intelectuais. 

Ler esses “Diários” de Victor Klemperer, nestes primeiros meses da triste era bolsonaro, é como, guardadas as incomensuráveis proporções, se mirássemos um espelho intertemporal e nos identificássemos com os acontecimentos que, gradativamente, vão corroendo a vida e a alma do povo alemão. Quantas analogias possíveis, infelizmente para nós brasileiros.

A ascensão dos nazistas ao poder se deu por meio de uma combinação de sucesso eleitoral (à base de muita distorção e mentira) e grande violência política nos anos da grande depressão econômica de 1929 a 1933. Os nazistas formavam um grupo de pessoas amalucadas, que nutriam ideias racistas, posturas violentas, teorias da conspiração, muito ódio e sede de poder. Um ajuntamento de pessoas medíocres e ressentidas. Em muito pouco tempo conseguiram estabelecer uma ditadura de partido único na Alemanha, suprimindo, com brutalidade, potenciais e efetivos adversários, com ínfima resistência do povo alemão.

Quando Victor Klemperer começa redigir seus diários, em 14 de janeiro de 1933, a Alemanha já estava infiltrada com o germe daquilo que seria a selvageria do regime fascista alemão. A Klemperer não falta sensibilidade e acuidade para perceber a atmosfera que se vai formando. Escreve neste dia: “As angústias do ano novo, as mesmas de antes: a casa, temperaturas abaixo de zero, perda de tempo, perda de dinheiro, nenhuma possibilidade de crédito, a teimosia de Eva em relação à casa e seu desespero crescente. Ainda vamos afundar com essa história. Já pressinto isso, e sinto-me desamparado”. [3] 

Pouco mais de um mês depois, no dia 21 de fevereiro, continua suas elucubrações: “Há mais ou menos três semanas, depressão devido ao regime reacionário. Não escrevo aqui história contemporânea. Porém, minha amargura, mais profunda do que jamais poderia imaginar senti-la, esta sim quero deixar anotada. É uma vergonha que a cada dia se torna pior. E todos se calam e baixam a cabeça, principalmente os judeus e sua imprensa democrática. Uma semana depois da nomeação de Hitler estivemos (no dia 5 de fevereiro) em casa dos Blumenfeld junto com Raab. Raab, o falastrão, economista, presidente do clube Humbolt, fez um longo discurso e explicou que se deveriam eleger os nacionais-alemães, para fortalecer a ala direita da coalização. Opus-me exasperadamente a ele. Mais interessante foi a sua opinião de que Hitler vai acabar num delírio religioso… O que mais perturba é nossa cegueira diante dos acontecimentos, e como ninguém tem noção da verdadeira divisão do poder”. [4]

Também, no caso brasileiro, o que mais perturba são nossa cegueira e passividade diante dos graves acontecimentos decorrentes dos quase oito meses do insano governo Bolsonaro, que segue em sua sanha destrutiva por todos os quadrantes da vida nacional. Destruição de nossos direitos a uma previdência social pública, destruição dos nossos direitos trabalhistas, da nossa educação pública de qualidade, do nosso direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (com a destruição da Amazônia em curso acelerado). Some-se a isso a entrega de nossas riquezas, a escalada da violência institucionalizada, o recrudescimento da violência urbana, a perseguição a grupos defensores dos direitos humanos, os ataques aos movimentos sociais, aos LGBTI, aos quilombolas, aos indígenas, sem que panelas tilintem, sem que brasileiros, tão ciosos do seu verde e amarelo, esbocem reação.  Nepotismo e corrupção sendo naturalizados e nada! Tudo tão desolador, tudo tão carregado de angústia, de tamanha letargia, de desalentado desamparo, de atormentado desespero.

Voltemos aos “Diários” de Klemperer e suas inquietações. Será que guardam alguma relação com as nossas? No dia 10 de março de 1933 escreve ele: “Hitler chanceler. O que denominei terror até o domingo da eleição, 5 de março, foi um prélude suave. Repete-se agora exatamente, apenas com outros sinais – com a suástica –, a situação de 1918. Mais uma vez, é surpreendente como tudo desmorona sem reação. Onde está a Baviera, onde está a bandeira do Reich etc. etc? Oito dias antes da eleição, aquele episódio grosseiro do incêndio do Reichstag, do Parlamento – não consigo imaginar que alguém realmente acredite em autoria comunista, em vez de trabalho encomendado pela SS. Logo em seguida, a selvageria das proibições e das agressões. E, além de tudo, a propaganda ilimitada pelas ruas, pelo rádio etc. No sábado, dia 4, ouvi um trecho do discurso de Hitler em Konigsberg. O hotel da estação, uma das fachadas iluminadas, desfile de tochas em frente, tocheiros e suportes para bandeiras com a suástica nas sacadas, e microfones. Só consegui ouvir palavras isoladas. Mas o tom! A gritaria patética – realmente gritaria – de um fanático religioso”. [5] 

É curioso, para dizer o mínimo, o entorpecimento da sociedade brasileira, excetuando algumas minorias esclarecidas, que sozinhas pouco podem, em face das agressões diuturnamente perpetradas pelo desgoverno Bolsonaro, com seu séquito de ministros pândegos e aparvalhados. Com sua militância estulta e hidrófoba. Transpondo a fala de Klemperer para a atual realidade brasileira, podemos dizer: é surpreendente como tudo desmorona sem reação.

Como as tiranias se repetem. Como os ditadores guardam tanta similitude entre si, no longo decurso da história! Não há como não nos lembrarmos dos famosos discursos de Cícero, que viveu no século I a.C., contra Catilina. Bolsonaro é o nosso Catilina: “Uma nação pode sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos. Mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma. Um inimigo exterior não é tão perigoso, porque é conhecido e carrega suas bandeiras abertamente. Mas o traidor se move livremente dentro do governo, seus melífluos sussurros são ouvidos entre todos e ecoam no próprio vestíbulo do Estado. E esse traidor não parece ser um traidor; ele fala com familiaridade a suas vítimas, usa sua face e suas roupas e apela aos sentimentos que se alojam no coração de todas as pessoas. Ele arruína as raízes da sociedade; ele trabalha em segredo e oculto na noite para demolir as fundações da nação; ele infecta o corpo político a tal ponto que este sucumbe. Deve-se temê-lo mais que a um assassino.” [6]

Regressemos ao indignado e amargo testemunho de Klemperer. Ainda no dia 10 de março de 1933 anota: “Desde então, dia a dia, comissários, governos desestruturados, bandeiras nazistas hasteadas, casas ocupadas, pessoas fuziladas, proibições etc. etc. ontem, “por ordem do Partido Nazista” – nem ao menos por ordem do governo –, demissão do dramaturgo Karl Wolff; hoje, de todo o ministério saxão etc. etc. Revolução total e ditadura do partido. E todas as forças de oposição desapareceram do mapa. [7] 

Em 20 de março de 1933 assenta: “Cada ato, notícia etc. do governo é ainda mais vergonhoso do que o anterior”. [8] Semelhanças com nossa realidade brasileira, sob Bolsonaro, talvez sejam mera coincidência. 

Será exagero dizer que estamos indo rumo ao abismo, eu queria dizer rumo ao fascismo? Como funciona o fascismo? Jason Stanley nos ensina que “A política fascista inclui muitas estratégias diferentes: o passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público”. [9] Parece-me que vários desses ingredientes fazem parte do cardápio bolsonarista.

Segundo Jason Stanley: “A política fascista pode desumanizar grupos minoritários mesmo quando não há o surgimento de um Estado explicitamente fascista. O sintoma mais marcante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma população em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos envolvem tal divisão”. [10]

Ainda segundo os estudos de Jason Stanley os fascistas buscam reescrever a compreensão geral da população sobre a realidade, promovendo sua ideologização reacionária por meio da linguagem, “por meio da propaganda e promovendo o anti-intelectualismo, atacando universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias. Depois de um tempo, com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar do debate fundamentado”. [11] 

A questão amazônica, com o desmatamento se alastrando como um rastilho de pólvora, provoca a atenção e apreensão de nós brasileiros e de todo o mundo. O governo Bolsonaro, com seu peculiar desdém pela verdade, vai, como lhe é próprio, espalhando fake news e desacreditando dados científicos e oficiais sobre o ecocídio em marcha. “O governo está em maus lençóis”, como registrou Klemperer do dia 27 de maio de 1933, se referindo ao governo nazista: “O governo está em maus lençóis. Do exterior, “propaganda das atrocidades” devido a sua campanha contra os judeus. O governo omite desmentidos constantes, não há pogroms, e manda associações judaicas divulgarem negativas. Por outro lado, ameaça abertamente agir contra os judeus alemães caso a agitação subversiva do judaísmo internacional não pare. Nesse ínterim, no país não há derreamento de sangue, apenas opressão, opressão, opressão. Ninguém mais respira livremente, não há liberdade de palavra, nem imprensa, nem fala.” [12] É só trocarmos algumas palavras e somos transportados para o presente momento brasileiro.

Aos 7 de abril de 1933, ainda no primeiro ano da triste era Hitler, que durará doze anos, mais um registro angustiado de Klemperer: “A pressão que me oprime é maior do que a da guerra e pela primeira vez na minha vida sinto ódio político por todo um grupo (o que não aconteceu na guerra), ódio mortal… Hoje (isso varia diariamente) já não estou certo de que a catástrofe virá logo”. [13] É impressionante a acuidade com que Klemperer capta os sinais do que está por vir. 

Em 20 de abril de 1933 mais uma anotação atormentada: “Estou quase acreditando que não vou sobreviver ao fim desta tirania. E já estou quase acostumado à situação de ausência de direitos. Já não sou alemão e ariano, e sim judeu, e devo ficar agradecido se me deixarem vivo. Genial como eles entendem de propaganda. Anteontem, vimos (e ouvimos), no cinema, como Hitler passa as tropas em revista: a massa dos homens da SA diante dele, diante de seu púlpito, há meia dúzia de microfones que espalharão suas palavras a seiscentos mil homens da SA em todo o terceiro Reich – percebe-se sua onipotência e todos se curvam”. [14]

Já se fizeram analogias entre antissemitismo, na Alemanha de Hitler, e o antipetismo existente no Brasil de hoje, com enorme incremento durante a campanha à Presidência da República e sob o atual desgoverno Bolsonaro.  O indigitado senhor, quando em comício, de sua campanha eleitoral, na cidade de Rio Branco, no Acre, fez gestos de arma, como se tornou corriqueiro durante toda sua campanha, muitas vezes com as mãos a simular uma arma de fogo. Naquela ocasião, no Acre, usou um tripé de câmera imitando um fuzilamento enquanto discursava em cima de um carro de som, e disse as mortíferas e ignóbeis palavras: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. 

Em certos círculos reacionários, se confessar de esquerda ou petista representa sérios riscos à integridade física e moral. As perseguições começaram a se exasperar durante os anos que antecederam ao pleito presidencial e se acirraram com a chegada ao poder do “Terceiro Reich” tupiniquim. Professores acuados, intimidados, filmados, ameaçados, agredidos. Universidades Públicas, agora identificadas como inimigas, porque associadas, num imaginário tosco e grotesco, ao ideário de esquerda, são deixadas à míngua, sem recurso para suas mais comezinhas necessidades. Líderes de movimentos sociais sendo vitimados por todo tipo de violência, alguns, como aqueles que lutam por moradia em São Paulo, sendo jogados no cárcere, por meio de processos que se constituíram a margem da ordem legal. Indígenas sendo trucidados e suas terras invadidas ou sob constantes riscos. Creio que não é exagero a identificação com o ambiente alemão, durante os anos 30 do século XX, inventariados pelo filólogo Victor Klemperer.

Narra Klemperer, em 10 de abril de 1933: “A terrível sensação do “Graças a Deus! Estou vivo!“. A nova lei para os funcionários públicos permite-me ficar em meu posto como um soldado na frente de batalha – provavelmente, pelo menos e por enquanto. Mas, por toda a parte, açodamento, miséria, o mais puro medo. Um primo de Dember, médico em Berlim, foi arrancado de seu consultório, em mangas de camisa, e violentamente espancado; conduzido ao Hospital Humbolt, ali morreu, aos 45 anos. A Sr.ª Dember relata-nos a história, sussurrando, a portas fechadas. Fazendo isso, ela estaria espalhando “boatos alarmistas”, mentirosos, obviamente”. [15]

Em 17 de setembro de 1933 um desabafo desalentado: “A nós dois, a Eva e a mim, magoa desmedidamente o fato de a Alemanha profanar de tal modo toda a justiça e toda a cultura”. [16] Dois depois desse registro, constata: “Que manipulação das massas e que histeria! Hitler procede à benção de novas bandeiras por meio do toque com “a bandeira de sangue” de 1923. A cada toque das bandeiras, um tiro. (Eva diz: “histeria católica”).” [17]

Fiz uma incursão por uma parte ínfima dos Diários de Victor Klemperer. Todavia, penso que suficiente para estabelecer um cotejo possível entre os primeiros meses da ascensão de Hitler ao poder, com estes primeiros e desastrosos meses sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. É possível perceber como os regimes autoritários ou fascistas ganham volume e consistência à medida que vão perpetrando seguidas e cada vez maiores transgressões à ordem legal e democrática e não encontram reação, seja dos demais poderes institucionalizados da nação, seja da sociedade civil organizada, seja de parte substancial de sua população. E quando a sociedade se apercebe já se instaurou o mais duro e ignóbil dos regimes de força. Torço por um despertar e que não demande muito mais tempo. O país não agüentaria. Espero que o texto tenha despertado o interesse de eventuais leitores, possibilitado uma visada crítica sobre este momento crucial e tenebroso da vida nacional. 

*Professor Universitário e Mestre em Teoria do Direito (PUC – MG).

Notas:

[1] MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Napoleão. Boitempo, 2011.

[2] ARENDT, Hannh. Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras, 1990.

[3] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[4] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[5] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[6] CÍCERO, Marco Tulio. As Catilinárias. Edipro, 2019.

[7] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[8] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[9] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.

[10] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.

[11] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.

[12] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[13] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[14] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[15] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[16] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

[17] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

quatro + 4 =