Férias sem viagem. Por Janio de Freitas

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro

Na Folha

As datas agendadas para a cirurgia reparadora de Jair Bolsonaro, hoje, e para seu discurso na Assembleia Geral da ONU, 24 deste mês, juntam-se em uma utilidade não originária do acaso. Ao informar da hospitalização, Bolsonaro falou em “férias de dez dias, talvez doze”. Duração bem maior, e com fim mais próximo da viagem, do que a previsão médica de “uns sete dias”. Pouco depois, fez a menção dramática à possível ida “de cadeira de rodas” e, logo, “até de maca”. Duas formulações não motivadas que contrapõem, no senso comum, a cirurgia e a viagem a Nova York.

A movimentação de Bolsonaro nas últimas semanas sugere que sua situação não tem gravidade, nem a cirurgia tem urgência. Ou poderia estar feita. O aparecimento repentino da hospitalização e sua data dão a Bolsonaro o recurso da eventual “recomendação médica” de não viajar. Seria uma “ausência forçada”, caso venha a lhe parecer, se ainda não parece, que a ida à ONU é uma imprudência. Ou provocação.

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro. É natural que por lá não tenham esquecido sua afirmação de que, eleito, retiraria o Brasil da entidade, tratando-a como um amontoado de comunistas. E, mais recentes, seus ataques ao secretário-geral António Guterres e à dirigente do Alto Comissariado de Direitos Humanos,  Michelle Bachelet, de muito prestígio na diplomacia e entre políticos de nível internacional. Amazônia condenada, indígenas perseguidos, liberação de armas, ataques a NoruegaAlemanha e França integram o cardápio da recepção a Bolsonaro. Sem surpresa, se ao som de vaias.

Além de poupar o Brasil de mais vergonheiras, a permanência aqui oferece a Bolsonaro um cardápio tão interessante quanto o nova-iorquino. Assunto que o mobiliza, por exemplo, não é gratuito o reaparecimento das suspeições que atingem o filho Flávio. Por ora, requentadas.

Mas a volta promete.

Embora não se possa afirmar que haja polícia capaz de investigar, de verdade, os entornos políticos e outros das milícias, a desarticulação que Bolsonaro quer fazer na Polícia Federal, facilitada pelo exangue Sergio Moro, deve ter retorno. E o hoje senador Flávio Bolsonaro é muito vulnerável no tema milícias e milicianos, com os imagináveis desdobramentos. Aliás, não é o único na dinastia.

Em todos os sentidos, o melhor para o país é que Bolsonaro dispense mesmo a cadeira de rodas, a maca e o avião. Lá fora talvez até debitem a ausência à cirurgia.

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Os três preteridos por Bolsonaro para o cargo de procurador-geral da República têm a mais honrosa das compensações: Mario Bonsaglia, seguido por Luiza Frischeisen e Blal Dalloul foram escolhidos pela própria classe para representá-la por inteiro.

As apreciações menos desfavoráveis ao preferido por Bolsonaro  conceituaram Augusto Aras com a mesma imagem: “uma caixa-preta na PGR”. Nem tanto. É clara sua repetição de Bolsonaro, com melhor forma e a mesma farsa: “Proteger minorias, como indígenas, passa por interesses econômicos”. Logo, não é proteção. É submetê-los a interesses econômicos.

Ou, também em serviço a interesses econômicos: “A preservação ambiental não pode ser radicalizada”. Questões de ambiente e fauna, entre outras, não incluem o meio-termo, que não é preservação, é devastação incompleta. Como Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral da República nomeado por Fernando Henrique para dois mandatos, Aras parece ver a Procuradoria-Geral como uma milícia a serviço da Presidência.

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Graças ao Instituto Moreira Salles em associação com a Casa de Rui Barbosa, digitar cronicabrasileira.org.br leva a um tesouro: à sua disposição, as crônicas de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, e outros encantadores das páginas quase sempre áridas dos jornais.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, do dono do SBT, Silvio Santos, e do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, participa do desfile de 7 de Setembro, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Pedro Ladeira /Folhapress

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