Entidades e parlamentares pressionam pela aprovação da política nacional para redução do uso de pesticidas no Brasil
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O Ministério da Agricultura liberou, nesta terça-feira (17), mais 63 agrotóxicos para serem usados no Brasil. Do total, 56 são genéricos de pesticidas existentes no mercado, cinco são produtos novos e dois são princípios ativos para produção de venenos ainda inéditos.
Com os registros, o governo Bolsonaro (PSL) continua batendo recordes de liberação. Agora são 325 produtos em nove meses. No ano passado, foram 309 em igual período.
A maneira acelerada como o Brasil vem liberando mais venenos para a lavoura foi um dos temas de debate na Câmara dos Deputados na segunda-feira (16).
Em uma comissão geral no plenário da Casa, especialistas, movimentos populares e parlamentares voltaram a pedir a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), que está paralisada no Legislativo por força de articulações da bancada ruralista.
“Se eu estivesse com dois produtos na mão, um com agrotóxico e outro sem, qual vocês escolheriam pros filhos de vocês? Acho que a resposta óbvia é aquele que não leva agrotóxicos”, afirmou a apresentadora e nutricionista Bela Gil, falando aos deputados.
“Por que precisamos expandir áreas de monocultura e agrotóxicos, diminuindo e piorando a legislação de redução de veneno e produção agroecológica? Só estamos pedindo uma política séria, capaz de organizar uma transição e estimular sistemas sustentáveis de verdade. Eles já existem, mas faltam investimentos. Só este ano já foram liberados mais de 300 agrotóxicos, enquanto programas de incentivo à agricultura familiar e sem veneno são totalmente enfraquecidos”, comparou a apresentadora, que tem sido uma das mais principais interlocutoras de defesa da Pnara no meio midiático.
A Pnara (PL 6670/2016) resulta de uma sugestão legislativa articulada por especialistas e entidades ligadas ao tema. Do outro lado, na pauta do parlamento, está o chamado “PL do Veneno” (PL 6299/02), de interesse dos ruralistas, que flexibiliza as normas para liberação pesticidas no país.
O tema tem ganhado destaque na agenda nacional, a ponto de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), transformar a sessão plenária de segunda-feira em “comissão geral” para debater o uso de “agroquímicos” na agricultura.
Narrativas
Como a disputa de narrativas está no centro da pauta, especialistas que participaram do debate começaram criticando o uso da palavra “agroquímicos”.
“É uma nítida tentativa de minimizar o efeito que tem a substância tóxica. Eles enfeitam, chamam de outra coisa, pra parecer que é menos nocivo à população”, disse a enfermeira Juliana Santorum, da Campanha Permanente em Defesa da Vida e contra os Agrotóxicos
O engenheiro agrônomo Rogerio Pereira Dias lembrou que o termo atualmente utilizado é “agrotóxico” e que a terminologia resulta de uma pressão feita sobre parlamentares constituintes para que se garantisse “mais controle sobre o uso de substâncias perigosas”.
Segundo Juliana Santorum, a plataforma popular que deu origem à Pnara conta com mais de 1,7 milhão de assinaturas.
Diferentes grupos de interesse participaram da discussão. O representante da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Eduardo Brandão, acusou a mídia de tratar o tema “sem informação científica adequada”.
“Os produtores não usam agroquímicos porque querem ou para envenenar alguém. Usam porque necessitam. Nós estamos em um país tropical, com larga incidência de pragas e doenças e temos que controlá-las”, sustentou.
“É verdade que produtor nenhum quer usar veneno. Isso é fato. Quem quer flexibilizar a legislação pra vender mais agrotóxicos é a indústria química. Mas estamos tratando também do fato de que pequenos produtores não têm dinheiro nem assistência técnica pra produzir de forma diferente, por isso ainda se paga caro por orgânicos, porque o subsídio não chega lá. Precisamos mudar o modelo, mas, pra isso, é preciso ter coragem política. Precisamos pegar o dinheiro que hoje está na isenção dos agrotóxicos e investir num modelo de agroecologia”, contrapôs o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP).
“O modelo de produção agroecológica não é uma ideologia. É real. Um dos maiores exemplos vem do MST, que é um dos principais produtores de arroz orgânico e de outros produtos espalhados no Brasil inteiro”, acrescentou Sandra Cantanhede, liderança da organização no Distrito Federal.
Já a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defendeu o modelo de utilização de venenos e se queixou do ritmo dos processos de liberação no país, afirmando que há “lentidão”.
“A morosidade, às vezes, tem a ver com o número de trabalhadores dentro dos órgãos de fiscalização. Então, não dá pra fazer uma comparação reta, linear. Precisamos ter cautela com o tema”, pontuou a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Interlocutor do governo, o diretor do Departamento de Temas Técnicos do Ministério da Agricultura (Mapa), Leandro Feijó, chamou o discurso crítico aos pesticidas de “desinformação” e acrescentou que o Ministério está “muito confortável em relação ao trabalho que vem sendo realizado”.
Para a coordenadora da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacorte, o modelo adotado no Brasil é predatório e não tem caráter sustentável.
“Quando se fala em agrotóxico, estamos indo na contramão. Nós estamos comendo todos os dias venenos que não estão na mesa de países europeus”, destacou.
Novas liberações
Entre os produtos liberados pelo governo nesta terça-feira estão dois novos princípios ativos – para produção de pesticidas ainda inéditos em solo brasileiro: o dinotefuram e o fluopiram.
O dinotefuram mata insetos sugadores, como percevejos. Ele poderá ser aplicado em lavouras de arroz, aveia, batata, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada, citros, feijão, milheto, milho, pastagem, soja, tomate, trigo e triticale.
O pesticida não é autorizado na União Europeia e está em reavaliação nos Estados Unidos.
Já o fungicida fluopiram mata parasitas que atacam a raízes das plantas (nematoides) e terá autorização para 7 culturas: algodão, batata, café, cana-de-açúcar, feijão, milho e soja.
*Com agências
Edição: João Paulo Soares