Fiocruz lança documentário sobre tradições de indígenas

Nathállia Gameiro, Fiocruz Brasília

O dia 13 de setembro marca os 12 anos da aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas pela Organização das Nações Unidas (ONU). O documento garante a eles o direito de dizer e determinar como querem viver, ter seus sistemas próprios de educação, saúde, financiamento e resolução de conflitos; o direito de que sejam consultados antes de qualquer medida legislativa e administrativa que lhes afete; o direito à reparação quando suas terras forem ocupadas indevidamente, ou se alguma propriedade cultural, intelectual ou religiosa foi utilizada sem consentimento; e o direito de manter seus próprios meios de comunicação em suas línguas. 

Para comemorar esta data e chamar atenção para a importância dos conhecimentos tradicionais indígenas, a Fiocruz lançou na última quinta-feira, 12 de setembro, no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Brasília, o documentário Mboraihu – O Espírito que nos Une. O filme dá voz a rezadores, pajés, parteiras e professores indígenas de aldeias da etnia Guarani-Kaiowá que vivem na região conhecida como cone sul, no Mato Grosso do Sul. Confira o trailer do documentário aqui

O nome Mboraihu foi escolhido pelo significado na etnia guarani: amor. E é essa mensagem que o filme busca passar, além de dar voz e vez aos povos indígenas. No documentário, eles contam suas histórias e cultura, explicando suas tradições com as plantas medicinais e as práticas de reza. Falam sobre a desapropriação de suas terras e plantações para exploração de mate e soja, escassez de recursos naturais e sobre o preconceito, racismo, discriminação e violência que ainda enfrentam. 

“Queremos conscientizar a sociedade sobre a importância de valorizar a cultura tradicional indígena para garantir o desenvolvimento sustentável no país. Buscamos ainda dar visibilidade às práticas tradicionais de cuidados e promover a valorização de manifestações culturais que contribuam para culturas diversificadas de cuidado no Sistema Único de Saúde [SUS], garantindo os princípios da integralidade, equidade, respeito, inclusão e cidadania”, explicou o produtor do documentário e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Paulo Basta.

Logo após a exibição do documentário, trabalhadores da Unicef, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde e ONU Mulheres participaram de debate e destacaram que existem mais de 300 etnias indígenas diferentes e cada uma tem uma realidade. Lembraram da necessidade de fazer o resgate da cultura, a valorização do conhecimento da população indígena e a sensação de pertencimento dos mais jovens, o que poderia evitar as altas taxas de alcoolismo, uso de drogas e suicídio.

Desnutrição, nanismo e altos índices de mercúrio

Em parceria com a Unicef, Ministério da Saúde, Funai e a ONG Instituto Socioambiental (ISA), a Fiocruz realizou pesquisa sobre os determinantes sociais da desnutrição de crianças indígenas de até cinco anos de idade em oito aldeias ianomâmis. O resultado é preocupante. “A situação nutricional das crianças ianomâmis menores de cinco anos é grave e os indicadores remetem a experiências compatíveis com crise alimentar e nutricional duradoura”, relatou o pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) e vice-coordenador da pesquisa, Jesem Orellana. Mais de 80% das crianças apresentam baixa estatura para a idade, 48,5% têm baixo peso e 69% anemia, que podem provocar perda cognitiva e outras consequências como elevadas taxas de mortalidade, adoecimento por doenças que poderiam ser prevenidas e impacto a médio e longo prazo. Aliado a isso, as condições de saneamento comprometem também algumas regiões do corpo devido a infecções como as provocadas pelo tungíase, ou bicho de pé como é mais conhecido, especialmente na região de Auaris. 

A terra ianomâmi é localizada entre os estados de Amazonas e Roraima e tem 9,6 milhões de hectares. É formada por 26 mil indígenas, com grupos distintos e realidades diferentes, incluindo a língua falada.

A equipe formada por médicos, nutricionistas e enfermeiros esteve nas aldeias de Maturacá e Ariabu – cerca de 150 quilômetros do município de São Gabriel da Cachoeira (AM) e Auaris – município de Amajari (RO), que juntas concentram mais de 28 aldeias. O estudo foi realizado em mães e mulheres que cuidam de crianças com menos de cinco anos de idade e são residentes das aldeias.  Para isso, aplicou questionário e testes rápidos para coletar informações como o número de habitantes e estrutura do domicílio, fonte de água para consumo, manejo de lixo, consumo de alimentos, local de nascimento, consulta de pré-natal, IMC e faixa etária das mães, níveis de hemoglobina, peso das crianças, histórico de doenças e desnutrição. Assim, puderam ter um histórico de doenças da família e alimentação das crianças e das mães.

Jesem explica que a idade, o local da residência, a densidade domiciliar – relação entre as pessoas que moram nos domicílios e o número de domicílios ocupados e as condições de moradia são os principais determinantes do baixo peso em crianças ianomâmis com menos de cinco anos. Outros fatores que chamaram a atenção da equipe foram a baixa renda no domicílio e acesso a benefícios sociais como o Bolsa Família, indisponibilidade de frutas para consumo, malária gestacional, idade materna e história pregressa de hospitalização por pneumonia bacteriana e tratamento para desnutrição.

O pesquisador destaca a necessidade de pensar em ações que possam reverter a desnutrição, pobreza e iniquidades em saúde entre os ianomâmis, respeitando demandas e saberes locais e considerando as evidências científicas. “É preciso primeiro ouvir a comunidade para conhecer a realidade local e depois aplicar soluções ou intervir. Essas ações devem ser iniciadas no período gestacional e continuada durante a primeira infância, principalmente nos dois primeiros anos do bebê”, destaca Jesem.

O estudo revelou também concentrações de mercúrio acima do percentual limite da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que pode resultar em doenças neurológicas na população ianomâmi. A pesquisa analisou amostras de cabelo de quase 300 indivíduos. Saiba mais sobre o estudo aqui.

O documentário será exibido nesta semana na comunidade indígena e depois será exibido em algumas unidades regionais da Fiocruz. Como devolutiva à comunidade indígena, serão apresentados também os resultados e o registro fotográfico realizada pela equipe de profissionais da saúde e pesquisadores, além da proposta de formação de técnicos indígenas de saúde, demanda que surgiu da comunidade.

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