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Em tom agressivo, presidente brasileiro mandou duros recados à ONU, a governos, ongs e imprensa, surpreendendo atores internacionais e levando muitos a lamentar.
GENEBRA – Jair Bolsonaro não tinha chegado sequer à metade de seu discurso e meu whatsapp, Signal e email já estavam sendo bombardeados por mensagens de diplomatas e representantes de entidades internacionais. Todos chocados com o que estavam ouvindo.
Mas uma das mensagens particularmente dura veio de um representante que faz parte da cúpula das Nações Unidas: “Ele (Bolsonaro) acabou de perder a última chance de ser respeitado”. Em outra mensagem, um mediador perguntava: “há algo mais extremo que essa visão de mundo?”.
Depois do vexame do discurso de seis minutos em Davos, em janeiro, de uma participação apagada no G-20, e de ofensas a líderes internacionais, Bolsonaro tinha mais uma chance de mostrar ao mundo que poderia ser moderado e, assim, começar a recuperar seu respeito internacional. Fracassou rotundamente.
Dentro da ONU, não foram poucos os comentários diante de seu discurso. Era esperado do Brasil um sinal de que o País estava pronto a fazer parte do esforço internacional para lidar com desafios globais. Mas Bolsonaro chamou a atenção ao repetir em várias ocasiões as palavras soberania e pátria.
O presidente, sem dúvida, fez questão de reposicionar o Brasil no mundo e na ONU. Mas não da forma que muitos na entidade esperavam.
A ONU, segundo ele, não representa interesses globais. Mas é sim um espaço de nações soberanas. “Não estamos aqui para apagar nacionalidades em nome de interesses globais”, disse. E emendou um alerta de que o Brasil não aceitará que haja uma mudança na ONU.
Uma forma de dizer: não mexam comigo. No fundo, o que se viu no palco foi um presidente com um discurso ainda mais radicalizado, intolerante e nacionalista que nas demais reuniões internacionais.
Militarismo, Deus, elogios à polícia e ameaças substituíram palavras como sociedade civil, espaço democrático, diversidade, multilateralismo e o sistema internacional. “Acho que nunca começamos nosso trabalho nesse tom”, lamentou uma fonte.
No lugar de se comprometer com metas ambientais, Bolsonaro preferiu partir para o ataque e rejeitou a tese de que a Amazônia seja um patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, fez alusão ao “espírito colonialista” da França e preferiu garantir que a Amazônia está “praticamente intocada”, gerando inúmeros comentários.
Fustigou Raoni, acusado de ser usado como “peça de manobra” em uma guerra pela floresta, e manobrou a própria Constituição. “Bolsonaro distorce argumentos sobre autonomia dos povos originários para negar direitos que a própria Constituição garante”, disse Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
“Categoricamente, anuncia que não promoverá novas demarcações de terras indígenas. É extremamente grave que o presidente tenha usado a Assembleia Geral da ONU como palanque para atacar uma liderança indígena e ameaçar a segurança jurídica das terras Yanomami e Raposa Serra do Sol, que já estão demarcadas”, afirmou.
Bolsonaro atacou ongs e a imprensa internacional, proliferou teorias da conspiração e fez um discurso com a forte marca da demagogia de um populista que duvida do poder da democracia.
Ditaduras
Bolsonaro também surpreendeu com sua nova apologia às ditaduras do Cone Sul, desta vez feita sem citar nomes. Experientes embaixadores brasileiros admitiram que o que ele fez no palco da ONU não tem precedentes na era democrática do país e poderia se igualar à apologia a um torturados que ele fez em pleno Congresso Nacional, ainda quando era deputado.
Ele justificou o Golpe de Estado de 1964 e as demais ditaduras na região, num tom radicalmente oposto ao que disse José Sarney quando falou no mesmo palco, nos anos 80. Naquele momento, ele lembrou que o Brasil “saiu de uma longa noite autoritária” e se apresentava ao mundo como uma democracia.
Ao citar socialistas cubanos, ele indicou que eles “tentaram mudar o regime brasileiro” e de outros países. “Civis e militares foram mortos e outros tantos tiveram reputação destruídas. Mas vencemos aquela terra e resguardamos nossa liberdade”, declarou. Ao dizer essa frase, ele simplesmente cuspiu sobre a entidade, que o havia criticado por sua apologia às ditaduras. Um dos representantes da ONU exclamou: “não posso acreditar no que estou ouvindo”.
Bolsonaro fez um discurso de guerra, repleto de termos e inimigos dos anos 60 e 70: a ameaça socialista e a necessidade de impedir que nossa soberania seja questionada.
Mas, acima de tudo, ofendeu a muitos naquela sala. Num trecho comentado por vários diplomatas, ele alfinetou os demais governos e entidades, alertando que eles tinham aplaudido os presidentes brasileiros que, por ali, tinham passado.
Sua insistência em citar a Bíblia, os cristãos e Deus foram vistas com cautela, num sinal de que tentará redirecionar a agenda internacional com base nesses valores. “Ele esqueceu que preside sobre um país diverso”, disse um diplomatas.
Ele ainda chocou ao falar das vítimas entre os policiais, e não citar os números de mortos pela polícia no Brasil.
Elogios? Apenas para seu mentor, Donald Trump.
Nos minutos que esteve no palco do mundo, não deu garantias, não construiu pontes. Não reconheceu os problemas do país.
Usando um tom de voz desafiador, como se o Brasil estivesse em guerra, Bolsonaro escolheu apenas os inimigos imaginários, enquanto os reais problemas foram ignorados.
Em Nova Iorque, ele apenas confirmou a visão ideológica da política externa e do que será seu governo. E agora o mundo inteiro ouviu, em todas as línguas oficiais da ONU.
“Quando será a próxima eleição?”, me escreveu um experiente embaixador asiático.