Belo Monte e Belo Sun. O desenvolvimentismo triunfalista e violento que afunda a região amazônica em degradações. Entrevista especial com Elielson Silva

Por: João Vitor Santos, em IHU On-Line

Com a promessa de gerar empregos e prosperidade econômica através de megaempreendimentos de mineração, uma ideia de  desenvolvimentismo acaba sendo vendida como saída para a região amazônica. Mas, na verdade, o que fica para as populações locais são inúmeras degradações, de ambientais a sociais. “Em síntese, é um processo social descontínuo marcado por graves conflitos e violências”, resume  Elielson Silva, pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. O caso da mineradora canadense Belo Sun, que se instalou na  Volta Grande do Rio Xingu, no Pará, é um clássico exemplo desse desenvolvimentismo. Elielson tem acompanhado de perto essas transformações desde os primeiros movimentos de instalação do empreendimento. “A intensificação das atividades da Belo Sun está envolta, por um lado, em regimes de representação sustentados por um  desenvolvimentismo triunfalista, e de outro, por múltiplas violências”, observa.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador detalha a estratégia de dominação da empresa. E isso se inicia desde a abertura do primeiro escritório administrativo, ainda antes de começar a obra propriamente dita. “A presença de um escritório físico da empresa na  Vila Ressaca reforça a ideia do ‘fato consumado’, no sentido de que o início das operações seria inexoravelmente uma questão de tempo”, observa. “Do ponto de vista do imaginário social, isso produz instabilidade, medo e terror, agravado com o colapso econômico da pequena mineração, os danos provocados pelo barramento do rio e as sucessivas tentativas de esvaziamento da vila”, completa.

Quando fala de “medo e terror”, Elielson se refere especificamente a “expropriações, desterritorialização, deslocamentos compulsórios, apropriação irregular de terras, cálculos de indenização draconianos, proibição de acesso a áreas de uso comum, fechamento de garimpos artesanais, ameaças, silenciamentos e criminalização de lideranças com perfil contestatório”. Isso ainda sem citar as degradações ambientais do entorno do Rio Xingu. “A grande ameaça que se apresenta diz respeito à  cumulatividade de danos numa região já gravemente afetada pelo barramento do Rio Xingu, em decorrência da construção de Belo Monte”, dispara.

Assim, conclui que “o dinamismo social e econômico do lugar foi colapsado pela tensão, incerteza e mudança dos fluxos”. Mas ressalta que a Vila Ressaca, local de onde parte a ação do grande empreendimento de Belo Sun, mesmo diante de tanta degradação, ainda é ponto de resistência. “Ressaca é um território de vida que resiste”, reitera. E, para reforçar e potencializar essa resistência, diz que é preciso insistir na “necessidade de escuta, evidenciação e visibilização das narrativas dos povos e comunidades tradicionais cercados por megaempreendimentos econômicos na Amazônia”. Afinal, o Xingu ao longo dos tempos é, como diz, “fonte de reprodução física, social, econômica e cosmológica dos povos que ali vivem”.

Elielson Pereira da Silva é bacharel em Administração pela Universidade da Amazônia, mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, no Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará, e doutorando em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. É também pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A história da instalação da mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu é marcada por conflitos entre os interesses da empresa, moradores da região e a preservação do meio ambiente. Gostaria que recuperasse essa história e a atualizasse, descrevendo qual a situação neste momento.

Elielson Silva – Registros orais indicam que a mineração na Volta Grande do Xingu foi iniciada por pequenos garimpeiros no final dos anos 1930; no entanto, o ato formal autorizador da atividade foi expedido pela Coletoria de Rendas do município de Altamira em 12 de maio de 1941, através da emissão de licenças a estes agentes sociais. A escala dos conflitos sociais e étnicos cujos efeitos culminaram com a expulsão, desterritorialização e mortes de indígenas tomou outra proporção quando a partir de 1976 a empresa Oca Mineração Ltda, sediada em Altamira, protocolizou quatro pedidos junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM  para exploração de ouro e tantalita na Volta Grande, por meio dos processos nº 805657, 805658, 805659 e 812559.

Era o corolário territorial das recentes medidas adotadas pela ditadura, objetivadas através do Código de Mineração (1967) e do Projeto Radam  (1970), os quais tinham como finalidade institucionalizar a exploração mineral por grandes empresas e realizar um mapeamento completo do potencial minerário do país, notadamente da Amazônia. Naquele momento também se começou a planejar a construção de Belo Monte (1975). Na década de 1980, os conflitos se agravaram e a documentação do período registra as práticas de pistolagem, torturas, silenciamentos e ameaças exercidos pela empresa, em face de pequenos garimpeiros e outros grupos sociais.

Um dos episódios mais chocantes foi quando os capangas da  Oca  amarraram algumas pessoas e as colocaram de joelhos sobre o piso de uma balsa durante o sol quente no meio do Rio Xingu. Em 1986 foi criada a empresa Verena Minerals Corporation, mediante associação entre os irmãos Jad e Elmer Salomão (o segundo havia sido Presidente do DNPM) e os canadenses, que assumiu o controle das operações da Oca Mineração Ltda, na área conhecida geologicamente como Cinturão Verde Três Palmeiras, localizado na Volta Grande do Xingu, numa área de 27.184 hectares. Testes de perfuração e prospecção continuaram sendo feitos, coetâneos às etapas de Belo Monte e em colisão com povos tradicionais e pequenos garimpeiros; em 2010 os acionistas da joint venture realizaram uma assembleia na cidade de TorontoCanadá, reconfigurando seu nome para Belo Sun Mining Corporation, atual dona da subsidiária brasileira  Belo Sun Mineração Ltda.

Situação na atualidade

Desde então a mineradora canadense vem empreendendo uma série de estratégias empresariais, coadunadas com políticas governamentais, visando implantar o denominado Projeto “Volta Grande”, que prevê a extração em grande escala de 107,8 toneladas de ouro a céu aberto (a maior mina do Brasil), por um período de 17 anos, dentro do projeto de assentamento Ressaca. Quatro grandes players do setor de mineração financiam este megaempreendimento controlado pelo Grupo Forbes & Manhattan Inc.: Sun Valley GoldSun Valley Gold Master FundRBC Global Asset Management e 1832 Asset Management. Até meados de 2018 a Agnico Eagle Miners detinha a maior parte do capital acionário, mas decidiu vender as ações devido a pressões internacionais exercidas pelos povos tradicionais da Volta Grande do Xingu.

A intensificação das atividades da Belo Sun está envolta, por um lado, em regimes de representação sustentados por um desenvolvimentismo triunfalista (promessa de empregos e prosperidade econômica) e, de outro, por múltiplas violências: expropriações, desterritorialização, deslocamentos compulsórios, apropriação irregular de terras, cálculos de indenização draconianos, proibição de acesso a áreas de uso comum, fechamento de garimpos artesanais, ameaças, silenciamentos e criminalização de lideranças com perfil contestatório. A grande ameaça que se apresenta diz respeito à cumulatividade de danos numa região já gravemente afetada pelo barramento do Rio Xingu, em decorrência da construção de Belo Monte. Em síntese, é um processo social descontínuo marcado por graves conflitos e violências.

IHU On-Line – Quais as transformações que a Vila Ressaca vem passando desde a instalação do escritório da Belo Sun?

Elielson Silva – Os efeitos são diversos e decorrem da consecução de múltiplas estratégias de controle e disciplinamento exercidos pela  mineradora. Na esfera local se tem um encadeamento de táticas que vão da persuasão triunfalista à implantação do megaempreendimento, empregando as técnicas da comunicação e da “mediação social” corporativas, até a vigilância e mapeamento das resistências esboçadas por opositores ao projeto. A presença de um escritório físico da empresa na Vila Ressaca reforça a ideia do “fato consumado”, no sentido de que o início das operações seria inexoravelmente uma questão de tempo. Do ponto de vista do imaginário social, isso produz instabilidade, medo e terror, agravado com o colapso econômico da pequena mineração, os danos provocados pelo barramento do rio e as sucessivas tentativas de esvaziamento da vila.

É a partir dessa base local que se operam faccionalismos, no sentido de estimular divisões internas entre os próprios moradores, através do velho método “dividir para conquistar”, cujos meios mais empregados são a cooptação e a oferta de vantagens, com o objetivo de arrefecer os processos sociais contestatórios silenciando-os e eclipsando sua existência política. Por outro lado, a mencionada célula organizativa é a responsável pelo monitoramento dos agentes sociais mapeados como força contrária ao “Projeto Volta Grande”, em última análise criminalizando as práticas e condutas das lideranças mais resistentes.

Uma das implicações mais visíveis dessa engrenagem é a quantidade de casas com placas de venda dentro da vila, outras marcadas com “x” para identificar as unidades residenciais abrangidas pelos avaliadores de benfeitorias contratados pela Belo Sun. O dinamismo social e econômico do lugar foi colapsado pela tensão, incerteza e mudança dos fluxos. Ainda assim, a Ressaca é um território de vida que resiste.

IHU On-Line – No que consiste a área do PA Ressaca e como Belo Sun já tem impactado essa área?

Elielson Silva – O PA Ressaca é um projeto de assentamento federal criado há 20 anos, em setembro de 1999, com uma área de 30.265 hectares e 500 famílias beneficiárias. O projeto minerário da Belo Sun incide em 2.050 hectares desse PA, consoante documentos que ela mesma enviou ao Incra. A principal estratégia articulada pela empresa nos últimos anos é a chamada “desafetação” do assentamento, visando atender uma das condicionantes do licenciamento ambiental prévio. Observa-se que a “desafetação” (exclusão da parte do PA afetada pelas futuras operações de extração mineral) é uma definição técnico-jurídica, que na realidade tem como efeito ocultar processos de expropriação e negação de direitos.

Em nível local, tem se observado e documentado a compra irregular de terras de assentados e de pessoas alheias ao assentamento – p. ex., dos pretensos donos dos garimpos do GaloItatáGrota SecaRessaca –, cercamento das terras; expropriações; deslocamentos compulsórios; obstrução de livre acesso a áreas de uso comum por parte da mineradora, mediante afixação de placas e cercas; análises da terra nua e de benfeitorias suscetíveis de indenização; celebração de contratos de cessão de uso e direitos dos assentados em favor da empresa, sob cláusulas draconianas; emissão de títulos definitivos com o objetivo de facilitar as transações imobiliárias; e, por fim, a possível “emancipação” do assentamento, conforme previsto na Lei nº 13.465/2017, aprovada no  governo Temer.

Na esfera geral, a Belo Sun tem intensificado as articulações junto ao  Incra/Sede, em Brasília, visando obter a “desafetação”. Parte dessa coalizão de interesses está esboçada no Protocolo de Intenções firmado entre as partes em dezembro de 2016, cujas intencionalidades foram reiteradas pelo Memorando de Entendimentos assinado em novembro de 2017, quatro dias antes da realização do Seminário As Veias Abertas da Volta Grande do Xingu, que culminou com o cárcere privado de pesquisadores da Universidade Federal do Pará – UFPA ameaçados por um grupo de pessoas lideradas pelo prefeito de Senador José Porfírio, Sr. Dirceu Biancardi. Na prática, os dois instrumentos celebrados têm como objetivo criar as condições objetivas de implantação do Projeto Volta Grande, por meio de deslocamentos forçados e compras de terras para compensação de área.

Colisão

A questão central é que há uma colisão entre dois tipos de “interesse público”: a mineração e a reforma agrária. Como as regras são bastante incipientes em relação ao manejo desse conflito, a tendência tem sido a prevalência dos interesses corporativos do poder econômico, em detrimento das famílias que vivem ali há décadas.

IHU On-Line – Como as autoridades locais e órgãos federais, como o Incra, têm agido nesses conflitos entre população local e a empresa Belo Sun?

Elielson Silva – Salvo raríssimas exceções, o comportamento das autoridades dos poderes executivo e legislativo, em geral, é pró-mineradora, consoante a conjugação de estratégias empresariais, medidas legislativas e políticas governamentais. Reeditam-se os mesmos discursos e práticas etnocêntricos utilizados por ocasião da implantação de Belo Monte e de outros megaprojetos na Amazônia, centrados na enunciação do empreendimento como a chave para o “progresso”, o “desenvolvimento” e a “modernização” da região. Todos os modos de vida e os processos étnicos e culturais que não se encaixam nesse estereótipo são classificados como obstáculos a serem removidos para que a prosperidade econômica assim prevaleça. Só mudam os tempos e lugares, mas a cartilha é a mesma.

IHU On-Line – As ameaças ao meio ambiente e à população local que hoje se materializam na empresa Belo Sun não são novas. Mas qual a origem dessas violações? Como diferentes agentes, privados e estatais, vêm ameaçando as formas de vida na região?

Elielson Silva – O conflito é estabelecido na medida em que se confrontam diferentes formas ontológicas de vida e de uso da terra. Esse é o marco delimitador. A Volta Grande do Xingu é formada por uma multiplicidade de grupos sociais caracterizados como povos e comunidades tradicionais, como indígenas (aldeados ou não), ribeirinhos, pescadores, extrativistas, agricultores, pequenos garimpeiros e assentados. Em outra ponta estão os agentes do “agronegócio”, da mineração, da produção de energia, da infraestrutura e logística, da pecuária extensiva, da grilagem de terras e da exploração predatória de madeira, beneficiários de incentivos fiscais, linhas de crédito e subsídios concedidos pelo Estado.

O Xingu historicamente sempre foi a principal fonte de reprodução física, social, econômica e cosmológica dos povos que ali vivem. Barrar o rio, alterar profundamente a dinâmica do curso de suas águas e a mobilidade das pessoas, reduzir drasticamente sua vazão em mais de 80%, a pretexto de uma suposta “modernização”, trouxe consequências gravíssimas para quem dele depende para viver.

A mesma lógica etnocêntrica de colonização autoritária da Amazônia, destinada a fomentar a criação de empresas rurais e incentivar a abertura de novas frentes de expansão da fronteira agrícola, se repete na atualidade, sob novas roupagens, na forma do planejamento de  megaempreendimentos econômicos coetâneos para favorecer interesses do agronegócio e da mineração, com vistas à exportação de commodities.

IHU On-Line – Como esses projetos de grandes mineradoras impactam a cartografia social do norte do país?

Elielson Silva – Se observarmos os dados constantes no Sistema de Informações Geográficas da Mineração – Sigmine, gerenciado pela  Agência Nacional de Mineração, e os cruzarmos com as terras indígenas, unidades de conservação, territórios quilombolas e projetos de assentamento da Amazônia ficaremos chocados com a sobreposição de interesses das mineradoras em face dos povos tradicionais. Em 2017, por exemplo, 41,9% do território do estado do Pará estava esquadrinhado para projetos minerários. Não é por acaso que o atual regime autoritário em curso no país, conjugado com setores do Congresso Nacional, pretendem aprovar a liberalização da mineração nesses territórios, removendo os obstáculos jurídico-formais a tal empreendimento.

No caso específico da Volta Grande do Xingu, a mina da Belo Sun Mineração é apenas a ponta de lança de outras dezenas de “direitos minerários” para exploração de substâncias como ouro, diamante, estanho, tantalita, manganês, cassiterita, fosfato e outros. Nesse sentido, se verifica a imbricação e coetaneidade das economias políticas da energia e da mineração. O barramento do Xingu cumpriu fundamentalmente duas funções: a) oferecer a oportunidade de fornecimento de energia a valores irrisórios para as empresas mineradoras que viriam em seguida; b) reduzir os custos de transação da extração mineral no leito do rio, através da razão da vazão e do consequente assoreamento. O enredo de  Tucuruí  com  Barcarena tende a se repetir com Belo Monte.

IHU On-Line – De que forma, na prática, a degradação social se materializa no entorno desses projetos de grandes mineradoras no norte do Brasil? E que ações têm sido feitas para se tentar frear a degradação social?

Elielson Silva – A materialização do que chamas de degradação social se exerce de várias maneiras. Destacaria novamente as remoções compulsórias, a desterritorialização, os faccionalismos, as cooptações, a produção de subjetividades associadas ao triunfalismo desenvolvimentista e o etnocentrismo, ou seja, as tentativas contínuas de morte das culturas e dos modos de vida dos povos tradicionais.

Dentre as múltiplas formas de resistência a esses efeitos perversos, o  Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA tem se constituído como um meio de evidenciar publicamente as autocartografias realizados pelos próprios agentes sociais afetados por esses megaempreendimentos econômicos, de maneira a confrontar com os seus saberes o planejamento tecnocrático e as classificações do Estado empresarial.

Quanto à Volta Grande do Xingu em si, entre 2016 e 2017 foram realizadas várias oficinas de autocartografia que culminaram com a publicação do  Boletim Cartografia da Cartografia Social: uma síntese das experiências / Povos tradicionais da Volta Grande do Xingu: Garimpeiros, Agricultores, Assentados, Indígenas, Pescadores e Moradores – nº 12, disponível aqui. A pesquisa também resultou na produção de dossiês específicos (questão fundiária, licenciamento ambiental e notícias associadas ao megaempreeendimento da Belo Sun), realização de dois seminários, em  Belém e Altamira, respectivamente. O primeiro intitulado “As veias abertas da Volta Grande do Xingu”, realizado em janeiro de 2018, na  Universidade Federal do Pará – Campus Belém, e o segundo chamado “Povos e Comunidades tradicionais da Volta Grande do rio Xingu face aos projetos desenvolvimentistas”, ocorrido no Campus Altamira, em julho de 2018.

O “pior inferno”

Uma das narrativas do conflito mais contundentes proferidas no Seminário de Altamira foi a do garimpeiro Francisco Pereira da Silva: “falar de mineradora para nós que convivemos na Volta Grande do Xingu é o pior inferno, porque a gente vivia bem, vivia bem por conta própria, e por causa da mineradora nós vivemos desassossegados (…) até hoje não temos sossego. Ela prometeu mundos e fundos quando chegou lá, mas o melhor que ela poderia fazer seria desocupar a área e nos deixar viver em paz”.

No Boletim nº 12, o Sr. José Pereira Cunha, presidente da Cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Itatá, GaloOuro Verde e Ilha da Fazenda – COOMGRIF, enfatizou a Volta Grande como um território de vida sob ameaça: “Então, aqui é lugar bom, nós vive de peixe, nós vive de caça, da floresta, nós vive de fruta, aqui, como eu tava falando, aqui tem uns jovens que a gente vê eles brincando por aí, esses meninos ganham dinheiro com o que? Eles vão aqui na floresta, eles tiram 4, 5 sacos de açaí, de manhã pra meio-dia eles faz 400, 500 reais, eles não vão precisar trabalhar pra ninguém, a tarde eles tão brincando, tomando banho no rio, que é hora que tá quente, vão para casa, come do jeito que quer, tem lá sua vida. Tem uns garotinhos ali que moram na beira do rio, mas de vez em quando eles tão lá pegando o peixinho deles, vão lá na geleira vende, 10 reais o quilo do peixe”.

IHU On-Line – Além das mineradoras, que outros projetos têm contribuído para a degradação social e ambiental do norte do Brasil, especialmente na região amazônica?

Elielson Silva – Destacaria, sobretudo, os megaprojetos agropecuários do chamado “agronegócio”, especialmente a produção de grãos (soja e milho) e a pecuária extensiva; a exploração predatória de madeira; os empreendimentos de infraestrutura e logística implantados para favorecer o “agro” e a mineração; os projetos corporativos de venda de créditos de carbono no mercado. A situação tende a se agravar na medida em que a região Norte é considerada pelos agentes empresariais como a mais estratégica rota de escoamento das commodities minerais e agrícolas do Centro-Oeste do país para os mercados internacionais, notadamente para a China. Todos esses projetos de construção de rodovias, ferrovias, portos, hidrovias, visando promover o encurtamento do espaço pelo tempo, compõem o portfólio da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana – IIRSA e do Projeto Arco Norte.

IHU On-Line – Quais os desafios para resistir diante desses ataques e degradações sociais e ambientais?

Elielson Silva – Diante do contexto atual, os desafios residem na articulação de um conjunto de iniciativas, ao redor de três eixos principais: primeiramente, sair da condição passiva da reação para uma lógica ativa da ação. Significa não ficar apenas “correndo atrás do prejuízo”, mas de fato dar dois passos à frente delineando estratégias de afirmação dos direitos territoriais e sociais, agregando as unidades de mobilização existentes.

Em segundo lugar, é preciso internacionalizar as resistências, quer seja através de práticas comunicativas, jurídicas e políticas, bem como por meio de ações unitárias envolvendo povos e comunidades tradicionais atacados por megaempresas transnacionais do agronegócio e da mineração na  América LatinaPan-AmazôniaÁfrica e Ásia.

Em terceiro lugar, o fortalecimento da pesquisa social crítica na universidade pública, gravemente ameaçada pelo atual governo, visando investigar, documentar e incomodar os detentores do poder, como diria  Edward Said.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Elielson Silva – Reforço a necessidade de escuta, evidenciação e visibilização das narrativas dos povos e comunidades tradicionais  cercados por megaempreendimentos econômicos na Amazônia.

Criança Munduruku durante ocupação em Belo Monte. Foto: Lunae Parracho /Reuters

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