Fundos internacionais de fomento investem no Semiárido e FAO deve abrir escritório na região

Pedro Calvi, CDHM

Redução dos investimentos nacionais em políticas públicas para o Semiárido é compensado por maior investimento internacional. Para discutir essa situação, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fez audiência pública nesta quarta-feira (2). O encontro foi uma parceria com a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido.

O Semiárido registrou por longo período os piores índices de desenvolvimento humano no Brasil, com baixa escolaridade, pobreza, fome e sede, por causa de uma histórica ausência ou fragilidade das políticas públicas destinadas à região.

Hoje, programas como o Água para Todos, de Assistência Técnica e Extensão Rural, de Agroecologia, e de distribuição de renda estão entre os que tiveram os orçamentos reduzidos. Essas iniciativas haviam sido construídas com a sociedade civil, através de conselhos e comitês representativos. Já a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Banco Mundial alertam para o aumento da população abaixo da linha de pobreza e a volta do Brasil para o Mapa da Fome.

Para Carlos Veras, que solicitou a realização do encontro “o Semiárido passou por históricos problemas socioeconômicos e políticos e esse território tem, para organismos multilaterais e agências de financiamento do desenvolvimento, uma grande potencialidade para investimentos, sobretudo pelas capacidades de inovações e enfrentamento aos problemas encontrados”.

Claus Reiner, diretor do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) no Brasil, explica que o Fundo desenvolve projetos desde o financiamento até a execução final. Ele diz que os objetivos são a produção, segurança alimentar, comercialização, inserção dos pequenos produtores no mercado, propostas para políticas públicas e fortalecimento de organizações da sociedade civil. “Queremos aumentar a produção, renda e postos de trabalho. Só atuamos na Região Nordeste e sabemos que lá a pobreza rural é grande. Temos vários projetos, como a construção de cisternas e dessalinização. Sem água, não tem vida”

Reiner enumera outras ações desenvolvidas pelo FIDA há 3 anos no Semiárido. “Já investimos 450 milhões de dólares em 16 anos, no Piauí, Paraíba, Ceará, Sergipe e Bahia. Também desenvolvemos o Projeto Dom Hélder Câmara, em parceria com o governo federal, em 12 áreas do Semiárido”. Com o Banco Interamericano de Desenvolvimento são mais 215 milhões de dólares em financiamentos globais para ações no Piauí e Paraíba. “Estamos também incentivando novas tecnologias com prêmios para inovações da juventude rural, hortas individuais para venda e consumo da própria família, hortas escolares, incentivo ao associativismo para novas possibilidades de mercado”. O FIDA deve avaliar todas as iniciativas no próximos dia 16, em um encontro com representantes dos governos federal e estaduais do Nordeste.

“Os investimentos das agências multilaterais e bancos de fomento no Nordeste, em apoio à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural, somados às políticas públicas do Estado, contribuem de forma significativa para mudar o cenário de extrema pobreza e de fome no Semiárido”. Diz Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM. “Especialmente no atual contexto de retrocessos sociais e extinção de direitos, é fundamental debater esses investimentos”, prossegue o parlamentar.

Escritório da FAO na região

Gustavo Chianca, assistente do representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil anuncia a abertura, em 2020, de um escritório da FAO no Semiárido. “Está dentro dos nossos Objetivos do Milênio um programa de fome zero, a partir da experiência brasileira, e nossa presença é para ajudar no desenvolvimento da região”. Chianca ressalta que 800 milhões de pessoas no mundo estão em situação de insegurança alimentar. “O número vinha baixando, mas por causa de conflitos e mudanças climáticas, principalmente me regiões semiáridas, votou a crescer. No Semiárido temos o maior índice de insegurança alimentar do país”.

Para o representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala, não há mais espaço para a produção de alimentos que não seja sustentável.  “Em 2050 nosso consumo de alimentos vai ser 60 por cento maior e o estoque mundial deve acabar devido às mudanças no clima e no solo, não teremos mais terra produtiva. Uma alimentação saudável também faria parte dessa sustentabilidade. Além disso, não só a fome voltou a crescer, vivemos também uma alarmante epidemia de obesidade”. Zavala informa ainda que no Brasil, há 1 milhão  e 700 mil famílias trabalhando na agricultura camponesa. “Apesar da riqueza dessa produção, no campo e nas pequenas cidades ainda existem milhares de pessoas na pobreza. Precisamos fortalecer as economias locais”.

Cristina Albuquerque, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, alerta a obesidade infantil. “Fizemos uma pesquisa com indígenas Yanomami e 80 por cento das crianças estão com baixa estatura para idade e níveis de anemia alarmantes. Nesse ritmo, em 2025 teremos mais de 11 milhões de crianças obesas no Brasil e consequentemente, aumento nos casos de diabetes e hipertensão”. A especialista continua dizendo que “estão deixando de tirar da roça jerimum, inhame e macaxeira, para comprar comida que não é de verdade no mercado. Todo alimento que sai da terra é saudável e não o processado. Precisamos de políticas públicas mais fortes que promovam a agricultura familiar, principalmente no Semiárido e na Amazônia Legal”.  

Também participaram do encontro agricultores familiares do interior de Minas Gerais e organizações da sociedade civil. Os trabalhadores rurais criticaram a falta de iniciativas do governo federal para o Semiárido e a paralisação de assentamentos para a reforma agrária.

Números da pobreza

Segundo dados do IBGE (2018), o Brasil saltou de 52,9 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza do Banco Mundial em 2016, para 54,9 milhões, em 2017. Esse cenário é diferente regionalmente e o Nordeste concentra a maioria desse contingente, com 44,8% ou 25,6 milhões de pessoas. Nessa região, a renda média também é menor em comparação com outras áreas do país.

O Semiárido

A região semiárida brasileira é a maior do mundo e tem uma área de 982.566 Km2, que corresponde a 18,2% do território nacional, 53% da região Nordeste e abrange 1.262 municípios e 10 estados. A população é de aproximadamente 31 milhões de habitantes, a maior concentração de população rural do país. A área inclui os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, a maior parte da Paraíba e Pernambuco, sudeste do Piauí, oeste de Alagoas e Sergipe, região central da Bahia e uma faixa que se estende em Minas Gerais, seguindo o Rio São Francisco, juntamente com uma parte da região média do rio Jequitinhonha.

Foto: Fernando Bola

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