Atingidos do ES recebem deputados federais para denunciar violações de direitos

Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal realiza diligência em 4 municípios do Espírito Santo

No Mab

Entre os dias 03 e 05 de outubro, comunidades do Espírito Santo que foram atingidas pelo crime da Vale, Samarco e BHP no Rio Doce receberam a visita do Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado federal Helder Salomão. Além do deputado e da equipe da Comissão, também participou da diligência a deputada estadual Iriny Lopes, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa.

Resultado de uma articulação do Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB junto à comissão de Direitos Humanos e Minorias, a diligência percorreu quatro municípios ouvindo depoimento das comunidades atingidas, com o objetivo de levantar os relatos da população.

Infelizmente, passados mais de 4 anos, milhares de famílias ainda sofrem com as consequências ambientais da ganância sem freios da grande mineração, enquanto seguem à mercê das desastradas e mal-intencionadas tentativas de reparação movidas pelas empresas através da sua testa de ferro nos territórios, a Fundação Renova.

O resultado final da diligência será um relatório a ser apresentado em Audiência na Câmara dos Deputados no dia 06 de novembro, com recomendações à Fundação Renova e aos entes federativos (estados e municípios) envolvidos na gestão da mesma.

Segue abaixo um pouco do que é vivido e foi relatado por cada uma das comunidades que participaram das diligências:

ARACRUZ

No dia 03, o encontro foi no Clube Riachão, na Vila do Riacho. O local proporcionou o primeiro contato dos deputados em diligência com os relatos que se repetiriam nos dias que se seguiriam: críticas à qualidade da água oferecida à população, relatos recorrentes de problemas de saúde e o não reconhecimento por parte da Fundação Renova de categorias de atingidos.

Nesta região de Aracruz, a dura questão da transposição da bacia do Rio Doce para a do Rio Riacho para atender a planta de celulose da Suzano é o principal fator de preocupação: o braço do Rio Doce que foi aberto para a fábrica é responsável pela dispersão da contaminação nos territórios da bacia do Rio Riacho, mas segue sendo utilizado como fonte de água por várias comunidades.

LINHARES

Já no dia 04 pela manhã, a diligência se dirigiu à vila de Regência, na Foz do Rio Doce, contando com a participação de comunidades do entorno como Povoação e os ribeirinhos do Entre Rios.

Mais uma vez se confirmam os relatos de problemas na saúde, na qualidade da água e o (mau) tratamento que a Fundação Renova dá ao atingidos: morosidade e desrespeito com o sofrimento das vítimas, que seguem sem voz ou sem poder de decisão nas iniciativas de reparação que a Fundação criada pelas criminosas diz conduzir na região.

Povoação trouxe relatos sérios de adoecimento na comunidade, em especial de crianças e idosos, assim como a interferência da Fundação Renova na auto-organização comunitária ao usar o dinheiro da reparação na promoção de festas, a título da retomada do turismo na região, para fomentar a desunião e desconfiança entre atingidos e instituições locais pela falta de transparência tanto na decisão dos gastos quanto na prestação de contas dos mesmos.

Outro relato comum é a dificuldade de reconhecimento de diversas categorias, como comerciantes, surfistas e principalmente as mulheres, que têm dificuldade em acessar os seus direitos via Fundação Renova.

Mesmo os pescadores, inegavelmente atingidos, tem visto seus direitos sendo recusados pela representante dos criminosos do Rio Doce: sendo uma vila tradicional pesqueira onde todos, com mais ou menos intensidade, participavam da cadeia do pescado seja por exercício da atividade ou participação no beneficiamento e distribuição do mesmo, até hoje a Renova não estabeleceu uma política clara e transparente do reconhecimento dos pescadores que não possuíam registro na secretaria de pesca (SEAP).

SÃO MATEUS

Na noite do mesmo dia, a diligência seguiu para a escola Comunitária Rural do Nativo de Barra Nova, no litoral de São Mateus para ouvir as denúncias e relatos do local e as comunidades do entorno. Denúncias graves sobre a saúde das crianças e das mulheres e a constatação do dano psicológico generalizado diante da deterioração das condições ambientais nessa região do litoral.

Com a chegada da lama ao mar, mangues e rios de São Mateus tiveram um impacto profundo nas espécies das quais a população dependia economicamente: além da proibição da pesca no mar, caiu muito a produção de pescado e crustáceos como o caranguejo, que sempre foram abundantes e de grande importância econômica nessa região de ocupação tradicional. Apesar disso, a exemplo de outros territórios, categorias como artesão, ou mesmo os pescadores dos rios da região seguem não sendo reconhecidos como atingidos pela Fundação Renova.

Outra categoria que tem enfrentado muita dificuldade em ser reconhecida é a dos pequenos agricultores deste território que participaram da audiência denunciando a morte de animais de criação após consumirem ou terem com a água (galinhas, porcos e vacas além de animais silvestres). Denunciam também a dificuldade que têm de garantir água de qualidade para a irrigação; segundo relatos como os do seu Jerônimo, a água dos rios ou dos poços artesianos que eram tradicionalmente utilizados tem causado a morte das hortas de subsistência e mesmo de plantações de espécies resistentes como a aroeira: as folhas queimam e a planta não desenvolve. Sintomático e preocupante é a utilização destas mesmas fontes de água para o abastecimento de grande parte da população no território.

BAIXO GUANDU – COLATINA

Por fim, no sábado dia 05 a diligência fez a sua última audiência no Círculo Operário de Baixo Guandu. Participaram atingidos do município de Colatina, incluindo o grupo de apoio de mulheres com câncer “Mãos que se Cruzam” e do coletivo de mulheres negras “Zacimba Gaba”.

A abertura da diligência foi realizada pela a Secretaria de Saúde e o Prefeito Municipal Neto Barros – que inclusive representa as prefeituras no Comitê Interfederativo (CIF) da Fundação Renova. Além de um relato bem detalhado do descaso ao qual estão expostos tanto os atingidos quanto os entes federativos que sofrem as consequências do crime, o prefeito denunciou a morosidade da justiça ao lidar com as grandes empresas e o absurdo da situação onde os criminosos, com a anuência de representantes do Estado, assumem pra si a responsabilidade de reparar o crime que eles mesmos cometeram contra terceiros a partir da criação de uma entidade de direito privado.

Em Baixo Guandu, os relatos são parecidos com os feitos no município de Regência, de não reconhecimento de categorias de atingidos, como as artesãs, e a dificuldade que os pescadores do rio têm de ser reconhecidos, já que a Fundação segue uma regra criada por ela mesma de não legitimar o pescador que mora há mais de 1km de distância das margens do rio Doce.

Outros relatos impactantes foram os do aumento do número de casos de câncer, tanto em Baixo Guandu quanto Colatina, e o depoimento das educadoras que vivem em sala de aula os dramas com o aumento de crianças necessitando de auxílio psicológico e a constatação dos próprios pais de que muitos dos problemas advêm da precarização da situação econômica. Desde a interrupção total da atividade como a pesca ou mesmo da necessidade de substituição do pescado outrora abundante pela carne do supermercado na alimentação ou mesmo da conta extra de água alguns pagam, a desconfiança do abastecimento com a água do Rio Doce leva às famílias a aumentarem seus gastos comprando água mineral mesmo para cozinhar.

MULHERES

Além disso, acompanharam a diligência em Aracruz e Linhares as defensoras Maria Gabriela Agapito e Mariana Sobral, que conduziram a aplicação de um questionário específico sobre a saúde das mulheres atingidas, dando continuidade ao diagnóstico anterior já realizado pela Defensoria Pública sobre o machismo institucional ao qual as mulheres estão submetidas nas tentativas de garantia dos seus direitos junto à Fundação Renova, desta vez para comprovar in loco os relatos recorrentes sobre os impactos à saúde feminina do contato com a água contaminada.

A VALE DESTRÓI, O POVO CONSTRÓI!”

Ao término da diligência, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado federal Helder Salomão assumiu o compromisso de construir um relatório a ser apresentado em audência no dia 06 de novembro na Câmara dos Deputados em Brasília com todos os graves depoimentos colhidos; também se comprometeu a fazer uma nova rodada aos territórios com a vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente deputada estadual Iriny Lopes e o Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB apresentando os desdobramentos do relatório na Câmara Federal.

A diligência faz parte da jornada de lutas do MAB para denunciar os crimes da Mineração no Espírito Santo e em Minas Gerais. Com a chamada “A Vale destrói, o Povo Constrói: O Lucro Não Vale a Vida”, de outubro de 2019 à janeiro de 2020 serão realizadas uma série de atividades pelas atingidas e atingidos organizados para denunciar as empresas criminosas Samarco, BHP, Vale e a Fundação Renova nas bacias do Rio Doce e no Rio Paraopebas.

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