Piora a saúde do profeta da Amazônia, D. Pedro Casaldáliga, o primeiro – em 1971 – a lançar o grito de dor dos povos e das igrejas da região

No IHU

Segundo notícias de muitos amigos, Dom Pedro Casaldáliga, padre espanhol naturalizado brasileiro de 91 anos, ordenado bispo em 1971, está passando por um momento delicado do ponto de vista de sua frágil saúde. Pede-se para orar por ele e este também é nosso humilde convite a todos aqueles que sabem de quem estamos falando. No entanto, é surpreendente que essas notícias cheguem exatamente na primeira semana de trabalhos dedicados ao Sínodo pan-amazônico, que ele sempre viu com grande esperança, afeto e simpatia e ao qual – se sua idade não fosse tão avançada – ele teria gostado de participar. Seria certamente o pastor que mais teria direito. De fato, há quase meio século, por ocasião de sua nomeação episcopal, lançou o primeiro grito de dor para chamar a atenção para os povos e igrejas da região de Pan-amazônica.

A informação é publicada por Il sismografo. A tradução é de Luisa Rabolini.

Era a famosa carta pastoral “A Igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e com a a marginalização” (Carta Pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o Latifúndio e a marginalização social“).

Em 16 de fevereiro de 2018, quando Dom Pedro completou 90 anos, o L’Osservatore Romano publicou um artigo de Ignacio Virgillito que republicamos aqui, porque ajuda a entender em profundidade o calibre desse padre.

O bispo poeta

Assim, em 1971, “Vida Nueva” intitulava a notícia da nomeação episcopal de Pedro Casaldáliga, destinado à prelazia brasileira de São Félix do Araguaia. Para o prelado claretiano que completa 90 anos em 16 de fevereiro, a última edição do semanário espanhol dedica dois retratos.

A prelazia de São Félix do Araguaia, em 16 de fevereiro, comemora os noventa anos de seu bispo emérito, Pedro Casaldáliga, referente da Igreja dos pobres – no Brasil e além de suas fronteiras – comprometida com a defesa dos direitos dos agricultores, dos indígenas e dos quilombolas, com participação ativa das comunidades eclesiais de base e, dentro delas, leigos como protagonistas principais.

“Para a realidade do Vale do Araguaia, que ele próprio chamou de ‘vale dos esquecidos’, a presença de Dom Pedro e do grupo de prelazia naquele momento foi fundamental para começar a estruturar socialmente o território”, reconhece o atual bispo de São Félix do AraguaiaAdriano Ciocca, ressaltando o importante papel de Casaldáliga na transformação da realidade daquela porção do Mato Grosso, abandonada pelo governo brasileiro e aflita pela marginalização social, pela injustiça, pela violação de direitos humanos e pelo analfabetismo da população, na maioria pobre e vítima dos interesses mesquinhos dos latifundiários.

“Prestar homenagem a Pedro pelos seus 90 anos é resgatar as grandes causas pelas quais ele viveu”, diz o padre espanhol Paulo Gabriel López Blanco, vigário provincial dos agostinianos no Brasil, lembrando as palavras do bispo de noventa anos: “Minhas causas são mais importantes que a minha vida”.

Em sua memória, o religioso agostiniano mantém uma clara lembrança do momento em que teve notícia, pela primeira vez, do missionário claretiano catalão, nascido em Balsareny (província de Barcelona e diocese de Solsona), que se mudara para o Brasil em 1968 para fundir-se com suas florestas e dar à Igreja um “rosto amazônico”, ao mesmo tempo profético e poético. “Foi em 1971, por ocasião de sua ordenação episcopal”, lembra ele. “Naquela época eu morava na Espanha e vi no “Vida Nueva” uma reportagem de Teófilo Cabestrero intitulada Un bispo poeta“. E ele continua: “Eu tinha vinte anos, queria ser missionário e vi naquela reportagem a Igreja com a qual sonhava, comprometida com os pobres, na luta pela justiça, um bispo diferente, despojado de todo poder e pompa”.

De fato, a reportagem corresponde ao número 797 daquele semanal, de 11 de setembro de 1971. Casaldáliga, então com quarenta e dois e dezenove anos de sacerdócio, depois de um ano como administrador apostólico da sede vacante de São Félix do Araguaia, foi nomeado por Paulo VI primeiro bispo da prelazia.

Nos vinte anos em que López Blanco viveu sob seu mesmo teto, em seu grupo pastoral, pôde constatar que “Pedro é um homem radical no séquito de Jesus; radical na pobreza, na fé, na esperança, com absoluta coerência entre o que ele diz e o que faz. E isso lhe dá uma extraordinária autoridade moral”. O padre agostiniano está completamente convencido de que Casaldáliga é “o último bispo vivo dos padres da Igreja latino-americana” da mesma envergadura profética de pastores como o brasileiro Hélder Câmara, o chileno Manuel Larraín e o beato salvadorenho Óscar Romero, cujo martírio inspirou seu famoso poema-homenagem San Romero de América.

Seu misticismo poético e sua profecia incorruptível continuam inspirando obras pastorais de destaque, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que ele próprio ajudou a criar na Igreja brasileira. Com sua vida, ratificou seu compromisso com os deserdados, expresso na Missa da terra sem males e na Missa dos quilombos, ambas suas obras.

Essas e muitas outras expressões de fidelidade à Igreja dos pobres, traduzidas na sua poesia, na sua liturgia, na sua sinodalidade, na sua ousadia pastoral e nas suas corajosas denúncias – sempre sustentadas por seu testemunho pessoal – deram origem a essa carta pastoral corajosa, com o qual ele imediatamente deixou claro o significado de seu episcopado: Uma Igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social (1971).

Como todo profeta, o sinal da cruz estava presente em todas as batalhas que ele empreendeu por amor ao seu povo, até suas consequências extremas. Como naquele 11 de outubro de 1976, na época da ditadura, quando foi para a prisão de Riberão Bonito, acompanhado pelo jesuíta João Bosco Burnier, para socorrer duas mulheres que alguns militares estavam espancando e maltratando; o padre Burnier levou um tiro fatal na cabeça por uma bala que poderia muito bem ter sido dirigida contra o bispo. Desde então, a peregrinação aos Mártires da Caminhada, que acontece todos os anos em julho, tornou-se referência nacional de memória e libertação.

“Pedro sempre disse que a maior graça que Deus pode conceder aos que seguem os passos de Jesus é o martírio”, observa o provincial dos agostinianos. Embora as ameaças contra sua vida nunca tenham se materializado, o “irmão parkinson” o acompanhou na última parte de sua vida. “Forçado a uma cadeira de rodas, dependente em tudo dos outros, se queria ser um mártir, Deus o ouviu”, conclui o religioso.

Texto de Óscar Elizalde Prada.

Como quando era criança

Quando criança ele brincava de missionário. E de mártir. Até a morte de seu tio, Mosén Lluís Plá, fuzilado durante a guerra civil junto com dois padres quando ele tinha oito anos, que o marcou profundamente. Além disso, alguns anos depois, na época de sua formação em Barbastro, ele ficou impregnado da espiritualidade do martírio. Portanto, quando nos anos 1970 começaram a chegar notícias do Mato Grosso brasileiro que informavam que o bispo Casaldáliga estava ameaçado de morte, ninguém ficou surpreso. “Como quando era criança”, pensaram seus companheiros mais próximos.

Assim é dom Pedro. Muitas vezes anticonformista e radical durante esses noventa anos, tão cheios de coerência, profundidade espiritual e simplicidade. Dos quais setenta e três como missionário claretiano. Depois de fazer o noviciado perto do túmulo do padre Claret, o zelo apostólico nele aumentou. “Sempre as missões”.

No outono de 1967, Pedro participou do primeiro capítulo geral de renovação conciliar que a congregação celebrou em Roma. Chegaria para ele o momento, há tanto tempo desejado, de ser destinado à missão universal. E ele aceitou guiar a prelazia de São Félix do Araguaia. Apesar das ameaças de morte por sua fidelidade à missão profética de viver e proclamar o Evangelho libertador “sob a lei suprema de um calibre .38 e dominando a morte”. Foi uma igreja perseguida.

Em meados dos anos 1980, ele foi diagnosticado com parkinson, que ainda hoje o acompanha, aos noventa anos, quando os sinais da velhice são muito mais evidentes. Suas reações se tornaram mais lentas e ele tem que gerenciar as energia. No entanto, Pedro não se sente idoso, no sentido pejorativo do termo, porque mantém uma visão ampla e uma sensação vívida (e vivenciada) de quais são as causas que preenchem de significado todo o seu percurso.

Texto de Ignacio Virgillito.

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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Foto: Ana Helena Tavares /QTMD?

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