O maior projeto de extração de carvão mineral do Brasil (Mina Guaíba) não viu o Bioma Mata Atlântica em seus estudos ambientais

“O empreendimento Mina Guaíba, de responsabilidade da empresa Copelmi Mineração, pretende ser a maior mina de carvão do Brasil instalada na Região Metropolitana de Porto Alegre“, escreve John Wurdig, engenheiro ambiental e mestre em Planejamento Urbano e Ambiental pela UFGRS. 

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O empreendimento Mina Guaíba, de responsabilidade da empresa Copelmi Mineração, com investimentos superiores a 4 bilhões de reais do BNDES, da empresa norte-americana AIR Products e da chinesa Zhejiang Energy, pretendem instalar nas margens do Rio Jacuí, nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, a maior mina a céu aberto de carvão do Brasil, cuja área corresponde a 4.373,37 ha (equivalente a 4.373 campos de futebol).

Esta mineração não se trata somente de uma Mina de Carvão, pois a empresa Copelmi pretende minerar um volume de 166 milhões de toneladas de carvão, 422 milhões de metros cúbicos de areia e 200 milhões de metros cúbicos de cascalho.

Conforme relatado na apresentação do Relatório de Impacto Ambiental do projeto Mina Guaíba, de responsabilidade da Copelmi Mineração Ltda, o EIA tem por objetivo subsidiar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM). Os estudos técnicos ambientais para a viabilização do projeto Mina Guaíba foram elaborados pela ABG Engenharia e Consultoria Ambiental Ltda e Tetra Tech Engenharia e Consultoria Ltda, empresas fornecedoras de serviços multidisciplinares em meio ambiente.

Qual a importância do Bioma Mata Atlântica?

Conforme o Ministério do Meio Ambiente, a Mata Atlântica é composta por formações florestais nativas (Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual), e ecossistemas associados (manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste).

Originalmente, o bioma ocupava mais de 1,3 milhões de km² em 17 estados do território brasileiro, estendendo-se por grande parte da costa do país. Porém, devido à ocupação e atividades humanas na região, hoje restam cerca de 29% de sua cobertura original.

Mesmo assim, estima-se que existam na Mata Atlântica cerca de 20 mil espécies vegetais (35% das espécies existentes no Brasil, aproximadamente), incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

Esse é um dos motivos que torna a Mata Atlântica prioritária para a conservação da biodiversidade mundial.

Em relação à fauna, o bioma abriga, aproximadamente, 850 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes.

Além de ser uma das regiões mais ricas do mundo em biodiversidade, a Mata Atlântica fornece serviços ecossistêmicos essenciais para os 145 milhões de brasileiros que vivem nela.

Neste contexto, a conservação dos remanescentes de Mata Atlântica e a recuperação da sua vegetação nativa tornam-se fundamentais para a sociedade brasileira, destacando-se para isso áreas protegidas, como Unidades de Conservação (SNUC – Lei nº 9.985/2000) e Terras Indígenas (Estatuto do Índio – Lei nº 6001/1973), além de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal (Código Florestal – Lei nº 12.651/2012).

O bioma também é protegido pela Lei nº 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica, regulamentada pelo Decreto nº 6.660/2008.

No dia 27 de maio é comemorado o Dia Nacional da Mata Atlântica.

Conheça mais sobre a Mata Atlântica e as ações do Ministério do Meio Ambiente nesse bioma acessando aqui

Quais os prazos da etapa prévia de licenciamento ambiental da Mina Guaíba?

Este empreendimento encontra-se em sua fase de licenciamento prévio junto ao órgão ambiental, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM). Conforme os Editais de Consulta, Manifestação e Audiência Pública referentes ao EIA/RIMA do Licenciamento Prévio de lavra de carvão com recuperação de área degradada, do empreendedor Copelmi Mineração Ltda, já foram realizadas duas Audiências Públicas, sendo uma em Charqueadas (Março/2019) e outra em Eldorado do Sul (Junho de 2019). Depois dessas duas ocasiões foi dado como encerrado o período para o envio de comentários e pareceres a respeito do empreendimento em questão. Para serem considerados, estes materiais deveriam ser protocolados ou enviados até o dia 04 de julho de 2019 para a FEPAM, conforme o último Edital de Audiência Pública.

A impossibilidade de debate imposta por este prazo e o silêncio da proponente colocaram a sociedade gaúcha diante de uma incógnita, pois, até o momento, somente o material técnico do projeto foi disponibilizado para a consulta popular. É importante destacar que este documento conta com mais de 7 mil páginas e apresenta uma linguagem hermética, o que dificulta e, na maioria dos casos, impossibilita o entendimento e a o estudo do projeto.

A empresa Copelmi informa na página da Mina Guaíba as fases do cronograma de licenciamento do empreendimento, dividas em Licenciamento Prévio (LP), Licenciamento de Instalação (LI) e Licenciamento de Operação (LO). Dentro da primeira etapa, a empresa afirma que serão necessários apenas seis meses para a obtenção da licença prévia, emitida pela FEPAM, um tempo recorde no estado para um empreendimento deste porte. Em outras palavras, a estratégia orquestrada foi de impedir que os erros e as falhas dos estudos fossem encontrados, estabelecendo um período de consulta reduzido e atuando de forma silenciosa, tentando deixar o empreendimento atrás do véu da tecnicidade da sua comunicação com a sociedade civil.

O grave crime de ocultação nos estudos do empreendimento da área legal do Bioma Mata Atlântica, conforme a Lei Federal nº 11.428/ 2006

A partir do cruzamento de todas estas informações e estudos, a organização 350.org Brasil esclarece à população gaúcha que a empresa Copelmi informou no EIA que a vegetação nativa alvo de intervenções para a implantação e operação do empreendimento, representada pela Área Diretamente Afetada (ADA), resume-se apenas ao Bioma Pampa, como mostra o mapa datado do ano de 2011; segundo a empresa esta publicação seria de autoria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e utilizado no Volume III, página 51 do documento de estudos da proponente, ilustrado com a cor amarela.

Na verdade o mapa utilizado no EIA RIMA da Mina Guaíba pela COPELMI não é de autoria do Ministério do Meio Ambiente e sim do Programa RS Biodiversidade, onde em sua página eletrônica, no links – Mapas > Mapas disponíveis para download > Rio Grande do Sul > Mapa dos Biomas do RS, disponível aqui: é possível fazer o download do verdadeiro mapa que foi elaborado no ano de 2004 pelo IBGE, onde o estado do Rio Grande do Sul estava praticamente dividido entre o Bioma Pampa e o Bioma Mata Atlântica.

Qual o correto mapa que define a área do Bioma Mata Atlântica no estado do Rio Grande do Sul?

Diante das informações apresentadas acima, foram cruzadas estas com a Lei n° 11.428/2006, lei do Bioma Mata Atlântica, e conclui que houve uma fraude/omissão no EIA/RIMA do empreendimento, pois de acordo com o Art. 2º, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, que está disponível na página do Ministério do Meio Ambiente: as Florestas Estacional Decidual, brejos interioranos (banhados), estando aquém da área indicada nos estudos. Em suma, não se trata apenas de Bioma Pampa, como indica o mapa de 2004 apresentado pela COPELMI, com mais 15 anos de defasagem, mas nos estudos do empreendimento fica destacado que o mesmo não se encontra no Bioma Mata Atlântica, conforme as imagens abaixo:

Além disso, o empreendedor ainda informa que dentre as atividades previstas na fase de implantação, está a limpeza do terreno proposto para implantação da Mina Guaíba, envolvendo a remoção de cobertura vegetal, representada por fisionomias de formações secundárias: Floresta Estacional Decidual em estágios inicial e médio de regeneração, banhados, áreas de cultivo de arroz (orizicultura), e áreas antropizadas (pág. 335 do EIA Volume I). Em outras palavras, fauna e flora locais protegidas por lei estão sendo ignoradas nesta fase do projeto e posteriormente serão totalmente retiradas das áreas em que a mina será instalada, dentre elas uma das fontes de emprego e renda das populações locais – plantação de arroz orgânico.

Em relação ao uso do solo, verifica-se que, ao longo da vida útil do empreendimento, haverá interferências diretas em áreas de preservação permanente (APPs), como é o caso dos arroios Jacaré e Pesqueiro, assim como a vila residencial Guaíba City e o Assentamento Apolônio de Carvalho (pág. 179 do EIA Volume I). A Área Diretamente Afetada (ADA) pela Mineração de carvão, areia e cascalho foi informada no EIA de modo que podemos saber na íntegra o tamanho e as fisionomias, o tipo de cobertura vegetal que serão removidos:

• 304,38 hectares de Campo/Pastagem
• 101,57 Hectares do Condomínio Rural Guaíba City
• 43,29 hectares de silvicultura
• 23,83 Hectares de Vegetação Secundária – Estágio Inicial
• 14,38 Hectares de Vegetação secundária – Estágio Médio
• 116,51 hectares de Banhado

Neste sentido, destaca-se novamente a afirmação do empreendedor que: “a implantação da Mina Guaíba envolverá a remoção de cobertura vegetal, representada por fisionomias de formações secundárias, Floresta Estacional Decidual em estágios inicial e médio de regeneração e dos banhados” (pág. 335 do EIA Volume I). Diante da fraude identificada, os técnicos em geoprocessamento das organizações empenhadas na defesa ambiental elaboraram um mapa temático, disponível abaixo, que localiza e sobrepõe a área da Mina Guaíba com a área de aplicação da Lei da Mata Atlântica, ou seja, mostrando a delimitação das áreas afetadas, tornando possível a comprovação de que o empreendimento está SIM em Zona de Mata Atlântica, onde conforme sua Lei de Proteção indica, e que o corte ou a supressão da vegetação do Bioma Mata Atlântica será realizado de maneira diferenciada, pois a supressão da vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados: I – em caráter excepcional, quando necessários à execução de obras, atividades ou projetos de utilidade pública ou de interesse social, pesquisa científica e práticas preservacionistas.

Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) e o Decreto nº 6.660/2008, que a regulamenta, determinam que a sua área de aplicação segue as delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, considerando as formações florestais e ecossistemas associados que integram o bioma.

Conforme a Lei da Mata Atlântica, em seu Capítulo I, das definições, no Artigo 2º. diz que: Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. (Vide Decreto nº 6.660, de 2008)

Este mapa está disponível aqui:

Esta denúncia foi também realizada pelo Eng. Ambiental e Mestre em Planejamento Urbano e Ambiental pela UFRGS na audiência do MPE no dia 20 de agosto de 2019.

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