Líbano: de mãos dadas, os manifestantes ligaram o país inteiro

Uma corrente humana atravessou o Líbano este domingo. No décimo dia de protestos os 170 quilómetros da costa do país foram ligados mão na mão numa mobilização sem precedentes. Na sequência dos protestos massivos, o primeiro-ministro, Saad Hariri, anunciou a sua demissão. Notícia atualizada dia 29 de outubro às 18.55.

Esquerda

Durante 25 anos, o Líbano viveu uma guerra civil dilacerante. Depois do seu fim, em 1990, o poder político ficou meticulosamente dividido entre as várias comunidades étnico-religiosas do país. E assim, dizia-se, tinha de continuar.

Com os recentes protestos contra a corrupção e a desigualdade social, o que muitos pensavam impossível aconteceu subitamente. Tendo começado a sair às ruas contra a tentativa do governo de impor uma taxa nas ligações por serviços como o WhatsApp, os manifestantes continuaram depois desta ter sido anulada e encontraram o seu ponto de união, assumindo-se apenas como libaneses, criticando os políticos de todas comunidades por igual como fazendo parte da mesma elite corrupta que governa o país.

O último capítulo desta transformação foi no passado domingo quando mais de uma centena e meia de milhar de libaneses conseguiram ligar a costa inteira do país, numa distância de 170 quilómetros, num cordão humano. Segundo declarou à Associated Press uma das organizadoras do protesto, que começou online, Julie Tegho Bou Nassif, uma professora de História de 31 anos, “a ideia por detrás desta cadeia humana é mostrar uma imagem de um Líbano que, de norte a sul, rejeita qualquer filiação sectária”.

Mas os libaneses não se limitam a protestar de mãos dadas. As escolas e bancos estão fechados, assim como muitas outras empresas. Muitas estradas estão bloqueadas há vários dias. O ambiente é pacífico e muitas vezes de festa. Grita-se “revolução” e “o povo quer a queda do regime”. Há quem acampe nas praças. Para além das tradicionais barricadas com pneus a arder, vários dos bloqueios são originais: num está montada uma sala, com sofá e frigorífico incluídos, noutro há aulas de yoga, noutros ainda toca-se música e dança-se. E, na manhã seguinte a cada dia de protestos, o cenário tem sido o mesmo: centenas de pessoas limpam os detritos do dia anterior.

Apesar do clima geral, não deixam de existir incidentes. Sexta-feira, o exército abriu fogo sobre um grupo de pessoas que estava a bloquear uma estrada em Tripoli, tendo resultado do incidente pelo menos seis feridos. Esta segunda-feira a tentativa de bloquear a estrada para o aeroporto levou a uma outra intervenção da tropa.

A crise aperta

Não são só os números dos protestos que impressionam. Os da crise também. As reservas de trigo só durarão vinte dias, devido à falta de moeda estrangeira para pagar importações. A dívida pública é uma das maiores do mundo atingido mais de 150% do PIB. E teme-se que a reabertura dos bancos possa redundar numa corrida à retirada dos depósitos.

Uma outra forma de crise tem sido mais permanente: faltam eletricidade e água potável frequentemente e o lixo não é recolhido em muitas áreas.

De forma a responder aos protestos e à situação de emergência económica, o primeiro-ministro libanês Saad Hariri apresentou um pacote de medidas que foi visto como apenas mais uma tentativa da elite se manter no poder.

Saad Hariri demite-se

Após 13 dias de protestos massivos, o primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, anunciou a entrega do seu pedido de demissão ao Presidente, Michel Aoun. Os manifestantes que se manifestavam nas ruas, aplaudiram o pedido de demissão de Hariri.

A agência Lusa refere que antes da demissão, houve choques de homens armados, associados ao movimento Hezbollah, contra os manifestantes, derrubando tendas e partindo cadeiras.

Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, não apoiou a demissão do governo. Segundo a imprensa internacional, também os governos da França e dos Estados Unidos defendiam a manutenção de Hariri como primeiro-ministro.

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