Cultura: Álbum explora o sertão castigado e a fé da obra de Elomar

Músicos deste trabalho fazem shows desde 2015 com canções do universo elomariano

Por Augusto Diniz, no Carta Capital

Treze canções da obra singular de Elomar ganham releitura no piano de Tiago Fusco e na voz de Verlucia Nogueira no recém-lançado Estradar. Os músicos realizam desde 2015 apresentações com o trabalho do violonista. Há dois anos eles chegaram a ser convidados pela produção de Elomar para integrar um ciclo de homenagem de 80 anos do compositor.

A interpretação do universo elomariano não é simples, requer estudos e entendimentos de um dos maiores expoentes da expressão sertaneja.

O trabalho é aberto com a saudação Bespa, um pedido de licença. Segue com Cavaleiro do São Joaquim, retratando paisagens do sertão real e do imaginário sem sofrimento.

A terceira e quarta músicas, A Pergunta e Curvas do Rio, expressam a fome, a miséria e a tristeza na caatinga. 

Em O Pidido, a quinta faixa, ressalta-se o encantamento e os mistérios daquela região; Clariô remete às festas e Histórias de Vaqueiros, causos. A oitava composição registrada, Cantada, fala da paixão no contexto do sertão.

A faixa Função é, de novo, sobre festa da grande obra do compositor baiano.

Campo Branco aborda a fé em meio às dificuldades e a terra seca. Depois, no repertório, aparece Retirada, outra canção de sofrimento no sertão castigado e a necessidade de deixá-lo.

Incelença Pro Amor Retirante trata da saudade de alguém que partiu daquelas bandas. Por fim, encerrando, paisagens do imaginário sertanejo em Na Quadrada das Águas Perdidas.

Variedade musical

O trabalho contempla a diversidade criadora e a geografia do universo de Elomar Figueira Mello, com elementos musicais do barroco, do regional, da cantoria de viola, da narrativa épica.

“O sertão desenhado por ele é muito parecido com o sertão que vi e que vivi no Ceará”, diz Verlucia Nogueira, que nasceu em Juazeiro do Norte. Tiago Fusco carrega consigo também rastros interioranos: nasceu em Leme (SP).

Os dois fizeram os arranjos do álbum, onde algumas transposições para o piano da obra ao mesmo tempo rústica e erudita de Elomar impuseram grandes desafios.

Filho do compositor fez direção

Elomar é conhecido pela reclusão – ele vive numa fazenda em Vitória da Conquista, onde nasceu. Assim, para tocar o projeto com pelo menos alguém próximo dele, foi contatado o músico João Omar, filho do compositor baiano, que acabou sendo diretor artístico do trabalho Estradar (a produção musical é de André Magalhães; Selo Sesc).

“Tivemos um trabalho bastante intenso com o João, que trouxe contribuições nos fraseados, nos gestos musicais, nas harmonias elomarianas, no entendimento mesmo do lugar musical que estamos atuando em cada canção”.

Destacou-se no projeto o cancioneiro de Elomar, que tem outras inúmeras peças entre óperas, sinfonias, concertos. “Fizemos um longo estudo e leituras musicais de cadernos de partituras (como a obra do compositor) para nortear as escolhas (do repertório)”.

O trabalho não teve interferência direta de Elomar. “Ele nos contou que estava ouvindo de longe, e brincou dizendo ‘vai sair mesmo?’, pois sabia que desde 2017 passamos a planejar a gravação do trabalho. Contou muitos causos de sua juventude, umas histórias dessas de vaqueiros, com aquela magia poderosa do tempo que ele traz na áurea”, lembra quando o encontrou.

Verlucia Nogueira tem dois álbuns gravados com o projeto coletivo Clareira de músicas tradicionais brasileiras. Realizou estudos em canto lírico e popular.

Tiago Fusco é instrumentista de longa carreira de acompanhamento. Possui estudos tanto em piano erudito como popular, além de regência.

Foto: Kika Antunes /Divulgação

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 × quatro =