Por Renato Barreto, na Sur
Desde muito jovem, Michel Schlesinger, nascido em São Paulo, já se envolvia com projetos voltados à comunidade judaica. Após graduar-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), ele escolheu dedicar-se ao rabinato, prosseguindo com estudos rabínicos e mestrado no Instituto Schechter, em Jerusalém. Em 2005, completou a sua formação em Israel, recebendo a ordenação rabínica e o seu título de mestre em Talmude e Lei Judaica.
Aos 28 anos, retornou ao Brasil e tornou-se rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP), na qual, posteriormente, ocupou a função do rabino Henry Sobel.+A CIP é uma comunidade que, em momentos desafiadores da história do país, especialmente durante o período da ditadura militar, levantou a voz contra as torturas e o cerceamento das liberdades individuais. No mesmo sentido, Schlesinger segue o legado de defesa dos direitos humanos, especialmente como representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso, função que tem exercido com bastante intensidade.
Em sua atuação, um dos temas mais frequentes é a paz, a qual, segundo ele, resulta de uma educação que enxerga, no contato com o outro, um privilégio, uma oportunidade de aprendizado. “Quando nós nos encontramos com o outro temos duas possibilidades: uma delas é termos medo do desconhecido, daquilo que é diferente de mim, e esse medo muitas vezes acaba se traduzindo em violência. E outra possibilidade é a reverência, o reconhecimento da beleza que existe nessa diversidade”, afirma. Mesmo diante da discordância, a prática da escuta e do diálogo devem direcionar as pessoas à defesa dos direitos humanos e à consolidação de uma sociedade pacífica.
É nesse contexto de valorização da alteridade que o princípio judaico de tzedaká (justiça social) busca a articulação da fé com a prática social. Assim, é notório como o rabino Schlesinger tem se posicionado a favor da inclusão e de temas como o desafio da sustentabilidade, do cuidado com o meio ambiente, da liberdade religiosa e do tratamento igualitário a todas as pessoas, independentemente de orientação sexual ou gênero, por exemplo.
As fontes judaicas, em todas as etapas do desenvolvimento do judaísmo, tratam da importância de o povo judeu se responsabilizar pela sociedade, pela liberdade e pelos direitos humanos. Assim, a CIP é uma congregação que logo em seus primeiros anos de existência deu início à tarefa de acolher imigrantes, pessoas que chegavam ao Brasil sem falar o português, moradia ou trabalho, tampouco conhecimento sobre a cultura brasileira.
Na extensão dessa missão histórica, atualmente o projeto Trocas Urbanas, da Juventude da CIP, em parceria com a Missão Paz, da Paróquia Nossa Senhora da Paz, promove atividades de integração de refugiados com a cidade de São Paulo, objetivando desenvolver a autonomia dos participantes e oferecer a eles um maior contato com a cultura da nova terra.
Para além da mera empatia, em sentido prático, a própria Torá, o livro sagrado do judaísmo, expressa a responsabilidade de cuidar e amar o estrangeiro, uma posição historicamente já ocupada pelos próprios judeus. “Nós devemos cuidar do estrangeiro porque nós mesmos fomos estrangeiros na terra do Egito”, relembra.
Sob esse aspecto, o próprio modelo de construção das sinagogas carrega em si um elemento de comunhão. Segundo esses preceitos, embora existam variações arquitetônicas, todas as sinagogas precisam ter um elemento comum: uma janela que represente a conexão entre os rituais celebrados internamente e o mundo lá fora. A partir desse propósito, os judeus, segundo o rabino, têm a obrigação de se comprometerem verdadeiramente com o que acontece nas ruas e na sociedade de modo geral. Por essa razão, o histórico da CIP traz em sua gênese uma relação muito próxima com a defesa das liberdades individuais.
Fundada por judeus que fugiram da perseguição de uma Europa nazifascista, a congregação foi formada por pessoas que encontraram segurança no Brasil para poderem viver e exercer com liberdade o seu direito de culto religioso. E é justamente a valorização dessa liberdade, seja para todos os judeus, muçulmanos, cristãos ou seguidores das tradições afro-brasileiras, que assegura que cada um possa ser o que é de forma autêntica, e que seja possível viver em uma sociedade em que os direitos humanos sejam resguardados, preservados e garantidos.
Especificamente em relação ao tema dos direitos humanos, o rabino fala da relação entre a história dos judeus e o combate a toda forma de discriminação e de perseguição a minorias. No contexto eleitoral de 2018, advertiu sobre o vínculo dos valores da religião com a defesa da pauta dos direitos humanos, da laicidade e da democracia. Isso demonstra, em certa medida, o seu esforço de estabelecer pontes com as pessoas discordantes em relação a estes e outros tópicos que vêm polarizando a população brasileira.
O Estado laico, segundo o rabino, não significa um Estado que proíbe a religião, mas que garante a todas as religiões iguais possibilidades de se desenvolverem com liberdade. Isso implica que nenhuma delas pode ser proibida ou privilegiada pelo Estado brasileiro e todas têm o direito de participar politicamente, de dizer sua opinião sobre o que acontece no país. Segundo Schlesinger, cabe a cada um de nós continuarmos trabalhando para que o Estado brasileiro permaneça fiel a esses princípios. “O Estado laico é uma conquista, mas a sua execução, a prática, é complexa. Nós ainda não atingimos a totalidade da laicidade, mas estamos nesse caminho”.
Assim, o rabino Schlesinger destaca assiduamente o valor do diálogo. Para ele, há duas condições fundamentais para estabelecê-lo: por um lado, acreditar em si mesmo; por outro, o pluralismo. Ou seja, deve-se aceitar que a sua verdade não deve ser necessariamente a verdade para o outro, respeitando-se, portanto, a diversidade de crenças.