Não é a primeira vez que contaminação das águas afeta o litoral de PE

Impactos do derramamento de petróleo no meio ambiente, na saúde e na economia de pescadores artesanais é antigo

Eloísa Amaral, Rodrigo Lima e Edson Fly*, Brasil de Fato

O ano era 1983, o período início das chuvas fortes no litoral, as marés grandes, suas corredeiras, correntezas e redemoinhos assombravam os não conhecedores das dinâmicas do ambiente molhado. Predominantemente verde, mangue fortemente diversificado, de informações equiparadas às importantes contextualizações do ponto de vista acadêmico nas cadeiras das exatas, biológicas, sociais e humanas. Ou seja, um verdadeiro laboratório vivo.

Porém, de maneira irresponsável o governo executivo de Pernambuco, de conluio com muitos representantes do legislativo à época que eram parlamentares, usineiros e especuladores imobiliários, cometeram um crime ambiental, com o derramamento de vinhoto e derivados, advindos de fábricas, usinas e indústrias têxtil e químicas. Dessa forma, impactando de maneira negativa e irreversível até os dia atuais as realidades dos povos ribeirinhos de Pernambuco, com um alto índice de contaminação das águas, acarretando em altas taxas de mortalidade de diversas espécies, inclusive a humana, por conta da epidemia de cólera. É importante ressaltar que embora tenha sido um impacto dessa proporção, só encontramos publicações e registros superficiais sobre o ocorrido, e nunca houve responsabilização e reparação.

Esse atentado contra a vida segue até os dias atuais, alterando diretamente a dinâmica dos territórios e a biodiversidade, empobrecendo o ambiente e gerando uma condição de vulnerabilidade social, cultural, ambiental e econômica que se pode traduzir como violação de direitos humanos e racismo ambiental. Isto causou uma redução do poder aquisitivo, tendo a fome como consequência imediata. Mas, de forma mais alarmante, o envenenamento dos recursos naturais, sobretudo os  manguezais, maternidade das espécies marinhas e fábrica natural de alimentos. 

Omissão e invisibilidade

“Oxalá, salve a massa mansa que come a massa, amassada pelas as mãos da massa massacrada que se mata pelo pão de cada dia.

Deus, salve e nos tire dessa atônita agonia, dessa extensa massa que sonha com a desgraça da falta do que comer da maioria. 

As vísceras mal acostumada com o verso maldito que da boca sai, mal dizendo os dias muitos inconscientes invocando maus presságios anunciado armas para exterminar, seus alvos por todos já sabido, os nossos jardins.”

Os direitos fundamentais dos povos tradicionais pesqueiros são alvo direto do fascismo que aplica uma política higienista e compreende o extermínio desses povos como saída para estruturação do “desenvolvimento” e que defendem um processo escravocrata, vivenciado ao longo do processo histórico com diversas formatações. Nesta perspectiva, as proporções do impacto socioambiental gerado pelo derramamento de petróleo ao longo da costa do Nordeste brasileiro, vai muito além do que tem sido veiculado nas empresas de comunicação. Configura um crime ambiental catastrófico, de proporções assustadoras, de tal modo que profissionais da pesca tem vivido a angústia e a ansiedade pelo o impacto desse crime em suas vidas.

O cenário atual, 36 anos depois causado pelo derramamento de petróleo na costa nordestina, aponta o governo estadual e federal como omissos pela demora em executar medidas protetivas e não atuar de forma articulada para reduzir os danos da região atingida. Em Pernambuco, desde o início de setembro, a chegada do óleo tem se intensificado, atingindo estuário, recifes de corais e manguezais, provocando violações à vida e á dignidade humana.

Não bastasse a invisibilidade e a ausência de políticas públicas, estruturadas com base no racismo ambiental, o extermínio da juventude negra, o alto índice de mulheres assassinadas e a violação dos direitos das comunidades tradicionais, a atual conjuntura reafirma e efetiva o caráter bélico e o rastro de destruição, que deixa danos irreversíveis.

A luta das pescadoras e dos pescadores

Durante a manhã da última terça-feira (03), pescadores e pescadoras artesanais de todo o litoral do estado lotaram o auditório Ênio Guerra (Assembléia Legislativa de Pernambuco) para participar incisivamente na Audiência Pública, impulsionada pelas co-deputadas Juntas, do PSOL, que discutiu os impactos diretos e indiretos do petróleo nas vidas das comunidades tradicionais e territórios pesqueiros de Pernambuco. 

De um lado, protagonizando o diálogo, pescadores, pescadoras, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadoras e pesquisadores de instituições públicas cobravam respostas e ações concretas do governo estadual que revertam os prejuízos, amenizem as dificuldades econômicas e espantem o mal que vem se manifestando gradualmente nestas comunidades: a fome. Do outro lado, a representante do Executivo Estadual Inamara Melo (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) defendia as ações do governo tanto na remoção e destinação adequada do petróleo quanto no processo de coleta da água e de pescados para avaliações de contaminação.

A reivindicação dos pescadores e pescadoras nesse cenário de incertezas e indefinições é que o estado de Pernambuco decrete estado de emergência, com base nos riscos à saúde e segurança alimentar das pescadoras, pescadores e todos os outros consumidores do pescado. Além disso, o governo tem o dever de adotar medidas urgentes no âmbito da saúde das pescadoras e pescadores que entraram em contato com petróleo, com um monitoramento permanente sobre o risco ambiental e mensuração dos impactos econômicos para a pesca artesanal do estado.  

É preciso que o poder público olhe para os trabalhadores da pesca artesanal e garanta a todas e todos, o direito ao seguro, que, até o momento, não se tem informações precisas sobre a liberação. O que também tem sido uma imparcialidade, diante da negligência do governo federal, que desde de 2012 não emite o Registro Geral da Pesca, influenciando hoje na impossibilidade de pescadoras e pescadores receberem o seguro, visto que o encaminhamento tem sido de possível liberação somente para trabalhadores e trabalhadoras que tenham o RGP. 

Após a audiência, com os ânimos exaltados da sociedade civil que clamava por ações práticas, pescadores, pescadoras e os movimentos sociais da Pesca Artesanal seguiram em marcha até o Palácio do Campo das Princesas, manifestar sua revolta com a falta de prioridade do governo com a categoria. Depois de uma longa espera sob o sol, uma comissão composta por representantes do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil, Conselho Pastoral dos Pescadores, Articulação Nacional das Pescadoras, Ação Comunitária Caranguejo Uçá e da Pesca Urbana de Recife se reuniu com integrantes da Casa Civil e entregaram uma pauta. 

Dentre as reivindicações, estão: Decretar situação de emergência; Adotar medidas urgentes no âmbito da saúde de pescadoras e pescadores; Monitoramento e reparação dos impactos socioambientais; Mensurar os impactos socioeconômicos na cadeia produtiva da pesca;  Estabelecer benefício emergencial; Criar um Comitê Permanente de Monitoramento e Ações Estratégicas e Garantir representatividade da categoria no Comitê de Crise do Litoral de Pernambuco. Esta comissão formada estabeleceu um prazo até o dia 12 de Dezembro, quando haverá uma próxima reunião, para que o governo do estado responda às reivindicações. 

* Integrantes da Ação Comunitária Caranguejo Uçá.

Edição: Marcos Barbosa

Imagem: Mais do que prejudicar a economia da região, por afetar o turismo e a atividade pesqueira, o dano à vida marinha deverá ser trágico, afirmam especialistas. Foto: Agência Brasil

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