No tempo em que as escolas cantavam. Por José Ribamar Bessa Freire

No TaquiPraTi

Fulana catibiribana seja matutana firifirifana. (Canção infantil do Amazonas)

Há 20 anos, uma amiga jornalista me telefonou angustiada. A revista  Manchete, onde trabalhava, fechara as portas e ela estava no olho da rua. Sem saber como confortá-la, meio que brincando, sugeri:

– Come feijão.

– O quê?

– É. Isso mesmo! Feijão!

Uma pesquisa na Universidade da Califórnia –  eu disse à minha amiga – feita por aquele famoso bioquímico Joseph Oversea Toomuch, descobriu que o feijão, rico em aminoácidos, traz alegria. Cerca de 88% dos estudantes de Berkeley que comem feijão são alegres e 92% dos que não comem são deprimidos e melancólicos, com uma margem de erro de 2% para mais ou para menos. Isso acontece porque o feijão contém lisina, um aminoácido polar básico, seja lá o que isso signifique.

Um mês depois ela me telefona lépida e fagueira:

– Deu certo.

– O quê?

– O feijão. Comi diariamente. Continuo desempregada, mas estou alegre – ela disse meio que brincando.

O fato parece confirmar que qualquer descoberta, se vier ancorada em pesquisa de universidade dos Estados Unidos, ganha foro de verdade. Quem acreditaria num cientista chamado José Ribamar, nome de porteiro de motel? Já Joseph Oversea Toomuch (tradução canhestra do nome deste locutor que vos fala) traz credibilidade. Não sei se isso tem algo a ver com o nosso complexo de vira-lata cantado e decantado por Nelson Rodrigues. Mas uma postagem nas redes sociais me permitiu checar uma vez mais o prestígio, entre nós, dos saberes produzidos pelos irmãos do Norte.

Um instante, maestro

A postagem, que logo compartilhei, é sobre um estudo sério que revela o forte impacto da música no funcionamento do cérebro e, por isso, recomenda a professores que cantem diariamente nas escolas com as crianças. A pesquisadora Elvira Souza Lima, autora de diversos livros, entre eles Neurociência e aprendizagem”“A criança pequena e suas linguagens” e “Neurociência e escrita”, discute como as artes têm a mesma complexidade que as ciências no desenvolvimento mental e no processo cognitivo. Deu vontade de ler seus escritos.

Por enquanto, li apenas suas entrevistas, nas quais destaca que as pesquisas de neurocientistas não trazem muitas novidades para a educação. “A pedagogia já contempla há séculos várias práticas só agora confirmadas pela neurociência”. No entanto, novos instrumentos de investigação não invasiva permitiram avançar os estudos do cérebro vivo e em funcionamento, com aportes para a educação formal de crianças, jovens e adultos. Um deles é a de que “quem aprende a ler música, desenvolve redes neuronais funcionais para a sintaxe, que está presente tanto na escrita como na matemática”.

–  Uma função básica para o amadurecimento do jovem é o desenvolvimento da imaginação, que depende do acervo guardado na memória. Pesquisas revelam claramente que a ausência de experiências estéticas compromete a formação deste repertório, além de levar à mediocridade e de limitar as estratégias de tomada de decisão – segundo Elvira Lima. E eu complemento: Taí os atuais governantes antimusicais no Brasil que não me deixam mentir.   

O cérebro é interdisciplinar – prossegue Elvira – “a aprendizagem de um conceito em uma área de conhecimento se transforma em instrumento mental para aprender, refletir e solucionar questões em outras áreas”. Ou seja, quem canta, o conhecimento transplanta. Quem aprende a tocar um instrumento musical na infância, melhora as funções cerebrais ligadas a habilidades como memória, organização e controle das emoções. Esta atividade pode começar a partir dos quatro anos, quando a criança é capaz de fazer movimentos mais sutis com a mão.

Ficar no canto

Até aqui, reproduzi a postagem que compartilhei, entusiasmado, e que mereceu comentário da minha sobrinha Paula. Ela é fissurada na produção acadêmica dos Estados Unidos e da Europa. O único cientista brasileiro que admira é um físico da USP, somente porque ele é reconhecido e idolatrado, com razão, fora do país. Ela me advertiu:

– Cuidado, tio! Essa pesquisa foi feita por uma brasileira.

E daí? Efetivamente, Elvira Souza Lima é brasileira da gema, formada em neurociência, psicologia, antropologia e música. Mas encontrei no currículo dela elementos, para mim totalmente dispensáveis, que serviram, porém, para tranquilizar minha sobrinha. Elvira tem doutorado na Sorbonne e três pós-doutorados em universidades estadunidenses: no Institute for the Study of Child Development da Universidade de New Jersey; em linguística e antropologia na Universidade de Stanford (EUA) com bolsa da FAPESP; e em Educação Multicultural na Universidade de New Mexico (pelo CNPq).

Quando soube disso, Paula, correndinho, colocou sua filha Sofia, de 4 anos, para cantar como nos velhos tempos das escolas no Brasil, que tinham ensino diário de Música, Canto Orfeônico ou simplesmente Canto,  até 1971, quando o ditador, general Garrastazu Medici, sancionou a lei que praticamente baniu a música do currículo, diluindo-a no que denominou de Educação Artística. No tempo em que as escolas cantavam, o destaque era para as canções populares regionais, evidenciando como a música mexe também com a identidade.

Uma delas, que aprendi no Jardim-de-Infância no Colégio de Aparecida, em 1953, com a irmã Cecília, é uma parlenda cantada, que não encontrei nem no Dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo, nem no Folclore Amazônico do Mário Ypiranga e sequer no Google, que registra tudo, mas é omisso neste caso. Quem quiser saber mais procure, se ela estiver viva, a irmã Cecília catibiribilia seja matutilia, firifirifilia. Ou minha prima Dodora catibiribora, seja matutora firifirifora. Ou ainda minha irmã Tequinha, catibiribinha, seja matutinha, firifirifinha.

A música é pegajosa. Estou cantando para as novas gerações, aqueles que me acham jovem como o Manu catibiribu seja matutu firifirifu e minhas netas: Ana Pereira catibiribeira, seja matuteira, firifirifeira. Para a Bochecha catibiribexa seja matutexa firifirifeixa e para a Maia catibiribaia seja matutaia firifirifaia. Cantemos todos para espantar a barbárie e a mediocridade. Com os cumprimentos do Babá catibiribá seja matutá firifirifá.

Ver também Cadê a clave de sol? O canto na escola

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