O Bolsonaro de Ralph Lauren

por Fausto Salvadori, em Ponte Jornalismo

Dia, sim, dia também, o governo de Jair Bolsonaro e os seus apoiadores adotam uma medida ou fazem uma declaração que até pouco tempo seria considerado um absurdo inimaginável. E a repetição de tudo isso tem um efeito perigoso: mesmo as ideias mais racistas, cruéis e autoritárias acabam se tornando menos chocantes se forem repetidas todos os dias à exaustão.

Isso pode levar as pessoas a nivelarem tão por baixo suas expectativas que, de repente, um político como o governador de São Paulo, João Doria, passe a ser visto como uma alternativa “de centro”, apenas porque, diante da grosseria de Bolsonaro com suas piadas de quinta série e chinelos de dedo, o estilo camisa pólo do tucano soaria mais afeito à civilização e à democracia.

Doria passou até a pregar respeito ao jornalismo, algo que deveria ser básico para qualquer governante, mas que nos dias que correm se tornou tão raro que chega a virar notícia. O tal respeito, porém, não é fácil de ser encontrado fora da retórica governamental. Na semana passada, dois repórteres da Ponte sentiram na pele o tamanho do respeito que o governo Doria tem pelo jornalismo: Daniel Arroyo, que recebeu golpes de cassete ao documentar uma cena de violência policial, e Arthur Stabile, que, mesmo identificado com crachá, foi revistado por policiais militares e obrigado a responder se portava drogas. As ações mereceram o repúdio de diversas entidades de defesa do jornalismo, da Fenaj ao CPJ, e não foi para menos.

Nada disso deveria surpreender. Muito antes de Bolsonaro transformar em modinha os gabinetes do ódio e fazer do assédio (virtual e presencial) a sua principal ferramenta de relacionamento com os jornalistas, Doria já  incitava perseguições a repórteres com o apoio de milícias virtuais ligadas ao MBL. Curiosamente, ambos, Doria e MBL, hoje posam de moderados e críticos dos métodos autoritários bolsonaristas, dos quais foram legítimos precursores.

Será que Doria teria recuado do apoio ao extremismo de direita, personificado no personagem Bolsodoria que criou durante a campanha eleitoral, e estaria agora caminhando, de fato em direção à moderação? Não é o que se vê nas ruas, quebradas e vielas. Na primeira manifestação do Movimento Passe Livre, como a Ponte denunciou, também na semana passada, a PM encheu um ônibus com 32 pessoas detidas ilegalmente, entre elas o repórter fotográfico Rodrigo Zaim. Uma prática digna das piores ditaduras. Como também é ação típica de ditaduras o extermínio em massa de jovens negros, algo que a Polícia Militar de São Paulo sempre praticou, mas que ganhou ainda mais força com Doria, e que teve seu exemplo mais visível no massacre de Paraisópolis. O mesmo Doria que, é bom não esquecer, baixou no seu primeiro mês de governo um decreto inconstitucional limitando o direito de protesto, que determinava até a possibilidade de a polícia ligar para os empregadores de manifestantes detidos.

Que alguém acredite que Doria seja de fato uma alternativa democrática, ou mesmo de “centro direita”, ao bolsonarismo, é algo que só mostra como o debate político perdeu o prumo depois que os absurdos se consagraram como o novo padrão de normalidade. 

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