A esperança pode vir do campo

Documentário sobre a Via Campesina relata a trajetória da organização que reúne lavradores e lavradoras dos cinco continentes e tem associado no Brasil o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e mais dez manifestações permanentes

Por Léa Maria Aarão Reis, em Carta Capital / MST

Se são muitos os que conhecem, no Brasil, o aguerrido Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, não são tantos os que já ouviram falar na Via Campesina, organização que reúne hoje milhões de trabalhadores rurais em atividade nos cinco continentes e da qual faz parte o MST. A trajetória da Via Campesina, criada em um congresso realizado na cidade de Mons, na Bélgica, há 27 anos, é relatada em um eficiente documentário dirigido pelo escritor Paul Nicholson e pela canadense Nettie Wiebe intitulado A esperança camponesa, um média metragem que pode ser assistido no final da página legendado em três idiomas.

Vale a pena. Com forte viés didático, e este é o seu objetivo, mas nem por isto desinteressante, apresenta entrevistas de dezenas de dirigentes do Via Campesina enunciando e comentando sua luta globalizada pela segurança alimentar e contra as políticas catastróficas neoliberais que pretendem levar ao desaparecimento físico da agricultura e dos camponeses.

Logo no início do doc, na sua entrevista, o economista João Pedro Stédile, dirigente do MST, lembra que ”as sociedades transnacionais querem impor uma agricultura sem agricultores, com uma tecnologia de ponta, mas sem indivíduos. Este modelo transformou os alimentos em especulação financeira e a fome em negócio. A fome dá rentabilidade ao sistema.”

A alimentação, lembra Stédile, permite ao sistema acumular benefícios e manter a rentabilidade que garanta a sua existência.

“Mas não devemos nos deixar explorar, abrir mão dos nossos territórios e de seus recursos necessários à alimentação de nossas famílias porque isto levará ao fim da humanidade. ”

Em outra participação, o líder francês José Bové, que ficou conhecido mundo a fora pela sua combatividade, fala sobre a dificuldade por parte dos camponeses de serem competitivos. “Através dos tratados da OMC,” diz Bové, ”os países mais ricos tratam de tornar impossível o desenvolvimento dos países mais pobres a partir da sua própria economia; nessas condições os camponeses não podem ser competitivos.”

A maior parte, diz ele, dos produtos alimentares vendidos nas grandes cidades vêm de dumping. A produção local não pode ser vendida e isto desencoraja os camponeses.

Da Índia, onde 150 mil agricultores se suicidaram desde 1992 devido à grave crise na cultura do algodão e da agricultura em geral, a palavra de M.D. Najundas Wamy: “A globalização, desse modo, é sinônimo de recolonização do sul do planeta pelas empresas do norte,” diz ele.

Hoje, no seu país, de dez anos para cá, com as crises asiáticas, os agricultores, mulheres e homens, se tornaram escravos e ainda hoje estão seriamente endividados.

Em A esperança camponesa o espectador pode seguir as dezenas de congressos de caráter planetário já realizados pela Via Campesina. Em Seattle, Hong Kong, Tailândia, Indonésia, Filipinas e em Cancún participaram e se tornaram membros os movimentos de estudantes, pescadores e imigrantes reunindo-se aos pequenos agricultores familiares e trabalhadores agrícolas para lutarem juntos contra multinacionais e pela construção de uma soberania alimentar.

Em Roma, em 2008, foi lançada a chamada ”campanha dassementes.” As delegações trocaram – e continuam trocando – sementes, informações e idéias sobre agricultura solidária que refresca o planeta com vistas à forte crise alimentar por sua vez derivada das mudanças climáticas. Em seguida, nas reuniões na Bolívia e na África (com seus valiosos métodos próprios de trabalhar a terra) o tema se repetiu dada a sua urgência.

”Nós somos parte da solução das mudanças climáticas,” dizem os porta-vozes da Via Campesina. ” Não somos parte do problema. A agricultura durável é a única solução para salvar a Terra dessas mudanças enquanto as grandes empresas que poluem querem se aproveitar da situação do meio-ambiente que vai se tornando precária.” 

Em todos esses congressos, vigílias e manifestações de rua, por vezes reprimidos com violência por forças policiais, a palavra de ordem continua sendo lutar para que a alimentação, assim como a saúde e a educação não seja objeto de acordos comerciais. 

O objetivo, onipresente, é o de que as operações referentes à alimentação deixem de ser discutidas e normatizadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

No congresso realizado em São Paulo, em 2004, já eram 182 organizações – secretarias regionais – associadas à Via Campesina espalhadas pela Europa, América do Sul, África e Oriente nas quais a presença das camponesas é fundamental. Assim como é importante a presença feminina na rede impressionante de intérpretes simultâneas, todas trabalhadoras rurais, cujo trabalho permite oxigenar a troca de experiências. 

Atualmente, os movimentos e organizações da Via Campesina, com as cores de sua bandeira verde e vermelha participam da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. 

E a Via Campesina, no Brasil, é composta destes movimentos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Pescadores e Pescadoras Artesanais.

Não esquecer que o Brasil, hoje, é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. 

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