Exigências do BNDES quanto a vínculo político-partidário de dirigentes de ONGs é ilegal e fere moralidade, aponta PFDC

Pedido para providências, inclusive no âmbito criminal e da improbidade administrativa, foi encaminhado à Procuradoria da República no Rio de Janeiro

Na PFDC

É ilegal e fere o princípio da moralidade a exigência de declaração sobre ausência de vínculos político-partidários que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está fazendo a organizações da sociedade civil que desenvolvem projetos apoiados financeiramente pela instituição.

O entendimento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), que encaminhou na quinta-feira (27) à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro o procedimento que trata do caso. A solicitação é para que sejam adotadas as providências cabíveis – inclusive na esfera criminal e da improbidade administrativa.

No último dia 18, a PFDC, no âmbito de sua atuação extrajudicial, solicitou à presidência do BNDES que informasse se procediam fatos narrados em uma representação feita pela Associação Brasileira de ONGs (Abong). De acordo com a associação, o BNDES estaria exigindo de organizações da sociedade civil uma declaração com determinações que extrapolam os limites legais de intervenção do Estado nessas entidades – sob pena de pena de não liberação de recursos já pactuados.

Entre as restrições estabelecidas a dirigentes de instituições executoras de projetos estão, por exemplo: não exercerem cumulativamente cargo em organização sindical; não serem dirigentes estatutários de partidos políticos; nos últimos 36 meses, não terem participado na estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.

De acordo com a PFDC, as restrições estabelecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social excedem, em muito, as possibilidades de intervenção estatal nas organizações da sociedade civil. “Além de não prevista em lei ou em instrumento contratual, esse tipo de exigência tem o condão de inibir arranjos associativos para assegurar o recebimento de parcela. Por isso ela é, além de ilegal, imoral”.

Falta de clareza e violações de direitos

Na quarta-feira (26), o BNDES respondeu o ofício com o pedido de informações feito pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O documento, no entanto, é de tal forma incompreensível que fica difícil identificar se a ausência de declaração por parte das ONGs inviabilizaria, ou não, o repasse das parcelas a vencer. Também não fica claro se a participação de dirigentes em partido político ou organização sindical teria o potencial de “comprometer a imagem do banco”, conforme foi apontado pelo BNDES, ou mesmo se caberia à instituição financeira a identificação de dirigentes em entidades de natureza partidária ou sindical. “Quaisquer dessas hipóteses, no entanto, são absurdas”, aponta a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.

No documento no qual encaminha o caso à Procuradoria da República no Rio de Janeiro, a PFDC destaca que a administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes tem como um dos seus princípios norteadores o da legalidade e que a Lei 13.019/2014 – regime jurídico que estabelece as regras acerca das parcerias entre administração pública e organizações da sociedade civil – não inclui as exigências constantes da declaração proposta pelo BNDES entre as vedações estipuladas para essa forma de cooperação.

“De mais a mais, as condições para a liberação de cada parcela dos recursos foram determinadas no momento da constituição dos contratos, e constitui ofensa ao princípios da moralidade e da boa-fé objetiva administrativa, do pacta sunt servanda e da segurança jurídica a superveniência de exigências novas”.

Ainda de acordo com a Procuradoria, as exigências também conflitam com o texto constitucional, que assegura liberdade plena de associação como direito fundamental, e tem a cidadania e o pluralismo político como fundamentos do Estado democrático de direito – o que implica necessariamente a possibilidade de filiação a partido político e de participação em sua estrutura decisória de forma livre e autônoma.

“A exigência da declaração, além de aparência de desvio de poder, parece ser mais uma iniciativa voltada ao controle das organizações da sociedade civil”, reforça a PFDC, ao destacar que o complexo de normas existente no ordenamento jurídico brasileiro já satisfaz, com folga, o controle das organizações da sociedade civil no que diz respeito à licitude de suas atividades e à gestão de recursos públicos.

Interferência estatal em ONGs

A tentativa de indevida interferência estatal no funcionamento de organizações da sociedade civil foi recentemente derrubada pelo Congresso Nacional durante a análise da MP 870, publicada pelo Governo Federal em janeiro de 2019 e que propunha como uma das funções da Secretaria de Governo da Presidência da República “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” a atuação de ONGs no Brasil.

À época, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão chegou a encaminhar ao Congresso uma nota técnica na qual apontava as inconstitucionalidades da medida, além de representação feita à Procuradoria-Geral da República para que o caso fosse levado ao Supremo Tribunal Federal.

De acordo com o texto aprovado pelo Congresso Nacional, ao invés de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” o funcionamento de ONGs, cabe à Secretaria de Governo da Presidência apenas a função de “coordenar a interlocução do Governo Federal com as organizações internacionais e organizações da sociedade civil que atuem no território nacional, acompanhar as ações e os resultados da política de parcerias do Governo Federal com estas organizações e promover boas práticas para a efetivação da legislação aplicável”.

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