Raposa Serra do Sol registra primeira invasão garimpeira desde demarcação

Desde dezembro, algumas centenas de garimpeiros buscam ouro em uma área da terra indígena no município de Normandia, na fronteira com a Guiana. Lideranças dizem que há indígenas escravizados e danos ambientais

Na FolhaBV

Pela primeira vez desde a demarcação, há 11 anos, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) enfrenta o surgimento de um garimpo ilegal de larga escala. Para lideranças da região, o motivo é a expectativa gerada pela proposta do presidente Jair Bolsonaro para legalizar a atividade. Desde dezembro, algumas centenas de garimpeiros buscam ouro em uma área da terra indígena no município de Normandia, na fronteira com a Guiana. 

A estrutura ilegal conta com maquinário, como escavadeiras e moinhos trituradores de pedra, pertencentes a não indígenas, segundo as lideranças. “É como se fosse uma Serra Pelada”, afirma o macuxi Edinho Batista de Souza, vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), criado em 1990 para lutar pela demarcação da Raposa Serra do Sol, que abriga cerca de 25 mil indígenas.

Souza, que visitou a região na semana passada, vincula o garimpo ilegal ao projeto de lei de Bolsonaro que autoriza mineração em terras indígenas, assinado no início deste mês após vários adiamentos. “O pessoal usa como se já fosse uma autorização por parte do governo”.

O garimpo está provocando estragos ambientais e divisões internas, com o aliciamento de indígenas. “A minha comunidade vem sofrendo a poluição de igarapés mesmo sabendo que isso não vai trazer o bem”, afirma Matias Silva de Souza, tuxaua (liderança) da comunidade Raposa 2, via mensagem de áudio.

Matias afirma que os donos do maquinários são não indígenas e que há entrada de prostituição, cachaça e drogas. Um dos igarapés da região, o Atola, está sendo usado para lavagem de pedras. Além disso, houve roubo de gado, a principal atividade econômica local. (A vegetação da Raposa Serra do Sol é formada principalmente por pastos naturais, e não floresta).

“Hoje, os indígenas estão trabalhando como escravos. Há jovens estudantes trabalhando e enriquecendo os donos dos moinhos. Eu, como tuxaua, penso no futuro das crianças, no bem-estar da minha sociedade, dos animais”, diz o tuxaua.

O CIR já protocolou denúncias, mas até agora nada foi feito. Por ter poder de polícia em área de fronteira, cabe principalmente ao Exército coibir o garimpo ilegal. A reportagem entrou em contato com o Centro de Comunicação do Exército, que repassou a solicitação ao Comando Militar da Amazônia (CMA). No entanto não houve nenhuma resposta até a conclusão deste texto.

A demarcação da Raposa Serra do Sol tem dois adversários históricos no Palácio do Planalto: Bolsonaro e um de seus principais assessores, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno. Como deputado, Bolsonaro se opôs à demarcação. Em dezembro de 2018, então presidente eleito, disse que iria rever a medida, que provocou a retirada de fazendeiros não indígenas, principalmente arrozeiros. 

Já o general Heleno perdeu a chefia do CMA ao criticar a demarcação da Raposa – em palestra, chamou a política indigenista do então presidente Lula de lamentável e caótica. 

Os indígenas da região votaram em peso contra Bolsonaro em 2018. Apesar de ter obtido 71,5% dos votos no segundo turno em Roraima, ele perdeu para Fernando Haddad (PT) nos três municípios da Raposa: Pacaraima, Normandia e Uiramutã. 

VÍDEO DE SENADOR

Há cerca de um mês, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), esteve no garimpo, onde gravou um vídeo ao lado de indígenas que apoiam a atividade. Ali, disse que “é um trabalho fabuloso, onde dezenas, centenas de famílias estão aqui tirando da terra o que Deus nos deu como herança”. Procurado pela Folha, o senador disse que foi convidado pelo tuxaua da comunidade Napoleão, de nome Carpegiani, para conhecer o garimpo. “Como representante popular, vi o trabalho que estavam desenvolvendo com mais de 500 pessoas, 500 indígenas que estão nessa área”.

Sobre o envolvimento de não indígenas, o senador disse que havia apenas os indígenas garimpando, mas que a presença de brancos ocorre “naturalmente”. “Eles têm mais experiência e são quem trabalha com esses moinhos, na separação”.

Apoiador do projeto de lei de Bolsonaro, Chico Rodrigues nega que o vídeo estimule uma atividade criminosa. “Não estou estimulando nem patrocinando. Fui apenas como convidado dos indígenas pra ver atividade que estão desenvolvendo e as dificuldades”, afirmou. “São comunidade altamente carentes, e eles já têm consciência de que essa área é riquíssima em ouro.”

( Fonte: Folha de S. Paulo )

Foto: Conselho Indígena de Roraima (CIR)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

5 + quatro =