Todos nessa foto prometeram jamais receber dinheiro do governo. A maioria recebeu. Por João Filho

No The Intercept Brasil

NO DIA EM QUE Bolsonaro tomou posse, os principais expoentes da militância virtual que disseminaram mentiras durante a campanha foram recebidos no Planalto com tapete vermelho. Foram credenciados como “mídia alternativa” e tiveram acesso VIP, podendo circular por várias áreas do evento. Enquanto isso, os jornalistas da imprensa ficaram em áreas restritas, sem acesso a comida, água e banheiro.

Allan dos Santos do site Terça Livre, o influenciador digital mais próximo do presidente, juntou seus colegas para publicar o primeiro ataque e a primeira mentira com o intuito de descredibilizar a imprensa. Enquanto pipocavam os relatos de jornalistas sobre o tratamento recebido no Planalto, Santos gravou um vídeo dizendo que eles estavam “mentindo descaradamente”. Mostrou bebedouros, a mesa do café e os banheiros. Mas, claro, era só mais uma mentira para jogar a tropa contra a imprensa. Allan mostrou apenas o espaço que havia sido reservado para a imprensa bolsonarista, ao qual os jornalistas não tinham acesso.

Depois de fabricar a sua primeira mentira após a chegada de Bolsonaro no poder, Allan dos Santos publicou o seguinte tweet:

Percebam que o Allan usou letras maiúsculas para reforçar que aquela turma jamais receberia dinheiro do governo. Passado pouco mais de um ano de bolsonarismo no poder, é possível confirmar a promessa dele? Como você já deve suspeitar, é claro que não. Direta ou indiretamente, todas as arrobas citadas nesse tweet foram de alguma forma beneficiadas pela eleição de Jair Bolsonaro. Todos eles se deram bem com a extrema direita no poder, seja com uma parceria, uma viagem para o exterior, uma propaganda grátis feita pelo presidente ou um carguinho esperto.

O canal Brasil Paralelo (@brasilparalelo) é um projeto alinhado ao bolsonarismo que foi para outro patamar depois da última eleição. A especialidade do grupo é produzir documentários sobre filosofia, política e economia, sempre deturpando a História e fazendo abordagens com viés de extrema direita. A divulgação incessante dos vídeos pela máquina bolsonarista ampliou o alcance do site. O Brasil Paralelo hoje, além de faturar com a monetização dos vídeos no YouTube, onde conta com mais de 1 milhão de seguidores, está vendendo cursos a preços bem salgados. O grupo conta com uma plataforma própria, exclusiva para assinantes. Durante a última campanha presidencial, o canal ajudou na tática bolsonarista de descredibilizar as eleições, publicando um vídeo repleto de informações falsas que supostamente comprovariam uma fraude nas eleições de 2014. A mentira foi desmascarada pelo Projeto Comprova, mas já tinha sido vista por mais de 2 milhões de pessoas.

Com Bolsonaro no poder, o Brasil Paralelo passou a ganhar muito espaço no MEC. A TV Escola, aquela que Bolsonaro pretendia fechar, tem transmitido o conteúdo do canal em sua programação. A série “Brasil: a última cruzada”, do Brasil Paralelo, foi transmitida na íntegra pela TV Escola. O bolsonarismo aparelhou uma emissora pública para divulgar revisionismo histórico de quinta categoria, sempre com o viés católico e reacionário ensinado por Olavo de Carvalho.

O fundador do site Reaçonaria, Osmar Bernardes Jr., tentou ser deputado federal pelo PSL em São Paulo, mas não se elegeu. Para não ficar de mãos abanando, ganhou um carguinho esperto no Ministério da Educação. Mas o que era bom durou pouco tempo. Osmar, que é aluno de Olavo de Carvalho, foi exonerado do cargo de assessor executivo do MEC quando uma turma de olavistas foi colocada para correr logo nos primeiros meses.

Paulo Roberto de Almeida Prado Junior, o @pauloap, é um influenciador digital do bolsonarismo. Antes da vitória de Bolsonaro, ele agitava as redes como um aguerrido militante na luta contra as mamatas no serviço público.

Mas, apesar das dúvidas de Olavo de Carvalho, o mundo é esférico e dá voltas. É claro que com a eleição do seu mito, Paulo conseguiu o espaço que lhe cabia. O rapaz foi agraciado com o cargo de secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro, recebendo em torno de R$ 12 mil por mês. É verdade que esse dinheiro não vem do Executivo (o “Governo”), como Allan escreveu no tweet. Mas não deixa de ser dinheiro público pago pelo gabinete do filho do presidente. Antes da eleição do seu candidato, Paulo  choramingava por não ter grana para ir até Brasília para acompanhar a posse do presidente. Mas esse tempo acabou. Hoje, o influenciador digital pode realizar sonhos grandiosos:

Dois pastores evangélicos são os responsáveis pela Gospel Prime, que se diz um site de notícias voltado para evangélicos. Mas basta uma breve visita ao site para atestar que se trata também de mais um espaço de propaganda bolsonarista. Praticamente todas as notícias são sobre política, sempre com viés bolsonarista e com uma linguagem sedutora para o público evangélico. Jarbas Luiz Lopes de Aragão, um dos pastores que comandam o site, conseguiu um cargo na pasta de Damares. Ele foi nomeado como secretário comissionado da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Com ascensão do governo extremista, o jornalista Allan dos Santos viu seu pequeno blog começar a bombar em audiência e se transformar em um site que hoje comercializa cursos dos mais variados. Segundo ele, o Terça Livre se tornou “o maior canal conservador de informação e cultura da América Latina”. A amizade com o presidente e seus filhos foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na vida profissional de Allan. O Terça Livre é o canal reacionário mais divulgado pelos filhos de Jair, principalmente por Eduardo Bolsonaro, que vive compartilhando conteúdo do site.

A divulgação da família do presidente ajuda a elevar a audiências dos seus vídeos, que costumam ser monetizados no YouTube. Não restam dúvidas de que Allan dos Santos se beneficiou com o bolsonarismo no poder. Hoje, além do aumento de audiência e da venda de cursos, ele tem livre acesso a vários integrantes do Planalto, é convidado a viajar para o exterior e ainda conta com a família presidencial para ajudar na divulgação do seu trabalho. Ano passado, Allan foi convidado para ir aos EUA com Eduardo Bolsonaro e lá pôde entrevistar o guru da extrema direita internacional Steve Bannon que, até pouco tempo atrás, era diretor-executivo do site de extrema direita americano Breitbart News, dedicado a publicar conteúdo racista, xenófobo, mentiras e teorias da conspiração.

Assim como o Terça Livre, o Conexão Política (@conexaopolitica) também é um site pró-Bolsonaro. Depois de militar muito durante a campanha, o responsável pelo site, Davy Albuquerque da Fonseca, de 20 anos, ganhou um cargo no serviço público. Ele foi agraciado pelo deputado Alexandre Knoploch, um bolsonarista eleito pelo PSL em 2018 e que hoje integra a “bancada pitbull” do partido no Rio de Janeiro. Fonseca virou assessor parlamentar do deputado, um cargo que lhe garantia R$ 3.331,05 por mês. Durante todo esse tempo em que seu chefe de redação esteve como assessor, o Conexão Política, claro, continuou atuando em defesa do bolsonarismo. Não se trata, como no caso do Paulo Almeida Prado Jr., de verba vinda do Executivo, mas não deixa de ser grana pública paga pelo partido pelo qual o presidente foi eleito. Fonseca ficou no cargo até junho do ano passado, quando foi exonerado.

Como se vê, a promessa de que todos citados naquele tweet jamais receberiam verba do governo era tão verdadeira quanto as mamadeiras de piroca que o PT distribuía para as crianças. Todos ali, de uma forma ou de outra, foram beneficiados pela eleição de Bolsonaro depois de terem militado durante anos ao seu lado. Todos esses veículos hoje têm mais audiência, privilégios para entrevistar políticos do governo e são tratados com muito respeito por um presidente que odeia o jornalismo. Os bolsonaristas da informação são beneficiados, direta ou indiretamente, por ações do governo federal e da família do presidente.

A maioria dos presentes nesta foto recebe ou recebeu, direta ou indiretamente, dinheiro público após a posse de Bolsonaro. Reprodução: Twitter

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