Fiocruz atesta presença de cianobactérias potencialmente tóxicas no Guandu

Por Emanuel Alencar, em ((o))eco

Um relatório de análise molecular de cianobactérias na captação da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontou alta presença de algas potencialmente tóxicas no dia 13 de janeiro, dez dias após o início da crise da água no Rio. O grupo de nove pesquisadores verificou a presença majoritária de cianobactérias do gênero Planktothricoides, cujas espécies possuem genes capazes de produzir substâncias que conferem gosto e odor na água, assim como de produzir cianotoxinas, como microcistina (hepatotoxina), saxitoxinas e BMAA (neurotoxinas). A Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) atestou que no dia 6 de janeiro a contagem de cianobactérias na captação do Guandu estava dentro dos parâmetros da legislação. Por esse motivo não foram feitas análises dos microrganismos.

“Entre os organismos presentes na água bruta houve predominância de bactérias. E dentro das bactérias, o gênero mais encontrado foi de Planktothricoides. Isso indica uma alta floração no manancial dessa cianobactéria. Elas têm um aparato genético capaz de produzir os compostos 2-metilisoborneol (MIB) e geosmina, conferem gosto e odor à água. Esses compostos são nocivos a peixes. Mas nos preocupa ainda a possível produção de cianotoxinas, já que essas bactérias também são capazes de produzi-las”, explica Adriana Sotero, pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) da ENSP/Fiocruz e responsável pelas análises.

Contaminação no Rio Grande do Sul

Alguns especialistas vinham atribuindo o fenômeno do “cheiro de terra” a cianobactérias do gênero Planktothrix, mas o estudo indicou que o “culpado” é provavelmente o gênero Planktothricoides. A vantagem de se conhecer o agente é que agora a Cedae pode monitorar e controlar melhor o processo. São amplamente conhecidos por técnicos da empresa diversos problemas em função do acúmulo de poluentes na lagoa de captação de água no Rio Guandu. O estudo foi feito a pedido do Ministério Público, por meio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema). É a primeira vez que um rastreamento metagenômico foi feito no manancial.  No último dia 10 de março novas coletas de água foram feitas na ETA Guandu. Além da Fiocruz, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) atua na força-tarefa.

O relatório cita um caso brasileiro para ilustrar que a presença de Planktothricoide não deve ser minimizada. Entre 2005 e 2008, pesquisas sobre cianobactérias tóxicas no Rio dos Sinos (Rio Grande do Sul) verificaram concentrações elevadas de células de Planktothrix sp. – de características fenotípicas e genotípicas semelhantes às Planktothricoide –, com presença de microcistinas, associadas a doenças no fígado. Os autores consideraram que as florações observadas representavam risco potencial à saúde humana, uma vez que os valores de densidade celular tenderam a ultrapassar, muitas vezes, os valores máximos recomendados pela legislação brasileira.

Revisão da portaria de potabilidade

O estudo, de 14 páginas, não avaliou a qualidade da água depois de tratada, ou seja, a que chega à torneira dos 9,5 milhões de fluminenses abastecido pelo sistema Guandu. A Fiocruz aguarda liberação de recursos para avançar nas pesquisas. O que a pesquisa aponta, de imediato, é a necessidade de um ajuste fino na legislação que versa sobre índice de potabilidade da água (portaria 5 do Ministério da Saúde). O desenvolvimento de um marcador molecular para verificar de bate-pronto a presença de cianobactérias potencialmente tóxicas no manancial do Guandu também vem sendo sugerido à companhia de saneamento do Rio. 

O próprio governo federal parece convencido da necessidade de aumentar o rigor dos padrões. Abriu consulta pública para a atualização da portaria, que é de 2017. Qualquer cidadão pode dar contribuições pelo site  até o dia 6 de abril.

“É fato que quanto mais contaminado e poluído for o manancial, mais complexos serão os processos de tratamento. A revisão da legislação é extremamente necessária. A Cedae alega que estava cumprindo a portaria da potabilidade. Defendemos que haja um reforço das análises de cianobactérias”, defende Adriana, que se diz surpresa com o que considera uma falha da Cedae em não ter paralisado a captação e feito uma manobra de descarga assim que o problema da geosmina começou, no início do ano: “A gente não falou sobre toxicidade – ou seja, não avaliou a presença de cianotoxinas –, mas a geosmina, o MIB e esses possíveis compostos tóxicos são substâncias difíceis de serem removidas no processo de tratamento de água da Cedae. Surpreende bastante eles não terem parado o sistema quando verificaram a presença da floração de algas”.

((o))eco apurou que somente no dia 4 de fevereiro, ou seja, quase um mês depois do início da distribuição da água com cheiro e gosto “de terra” na capital e em seis municípios da Baixada Fluminense, não era mais possível verificar a presença de cianobactérias no manancial da ETA Guandu. Na ocasião, a Cedae informou que havia paralisado a captação por conta da presença de detergentes.

A promotora Gisela Pequeno, do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) faz coro por novos parâmetros oficiais. Ela lembra que várias substâncias que estão indo para nossa água do dia a dia ficam fora do radar da portaria do Ministério da Saúde.

“Estamos fazendo um grupo de trabalho, envolvendo fiscalização das vigilâncias sanitárias municipais e estadual, Agenersa [agência reguladora] e Inea [Instituto Estadual do Ambiente], para que sejam incluídos novos itens, que se exijam laudos adicionais da Cedae. Na esteira até do que é feito em outros países”, diz ela, que ainda aguarda indicadores da companhia de saneamento. “Ainda não temos 100% das informações referentes a portaria 5 do Ministério da Saúde (são 70 parâmetros). Continuamos perseguindo isso”. 

O que diz a Cedae

Em nota, a Cedae informou que  “atende integralmente às exigências do Ministério da Saúde. Qualquer proposta de modificação nos parâmetros,  frequência analítica ou concentração de referência deve ser encaminhada ao Ministério da Saúde”. Em relação ao monitoramento de Cianobactérias e cianotoxinas, o monitoramento realizado pela companhia “é mais intenso do que o exigido, e os laudos podem ser consultados no site da Cedae”, acrescentou a empresa.

Esta é a primeira reportagem da série “Do esgoto ao copo – Especial Guandu”, que trará diversas faces dos desafios do abastecimento da Região Metropolitana do Rio.

Ponto de captação de águas na ETA do Rio Guandu na Baixada Fluminense, no Rio, e a poluição da água. Foto: Divulgação | Comitê Guandu

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