Falas de Marielle: Um Caso de Amor e Compromisso com a Justiça e a Favela #2AnosSemMarielle

No dia que marca os dois anos do assassinato brutal da vereadora, cria da Maré, Marielle Franco, o RioOnWatch homenageia a icônica vereadora reunindo algumas de suas frases emblemáticas, que demonstram o seu compromisso inabalável com as favelas, a justiça social, o combate ao racismo e ao machismo. O crime ainda não foi resolvido.

Por Luisa Fenizola, no Rio On Watch

“Favela não é problema. Favela é cidade. Favela é solução.”

— programa Cidade Partida do Canal Brasil. Marielle reafirmava que a favela era parte essencial e constituinte da cidade, mas reivindicava a equiparação dos serviços e do tratamento da favela ao resto da cidade.

“A Maré é um lugar que deveria ser tratado e elaborado não enquanto periferia, mas enquanto um bairro da cidade que tem acesso a transporte, circulação, organização, processos econômicos e empreendedores.”

“A gente não quer direitos sociais só quando pararem com essa guerra às drogas ou quando o tráfico terminar. Como cidadãos da cidade e como cidadãos da favela queremos a partir de hoje.”

— Série de discussões no Museu da Maré, março, 2017

Marielle Franco. Ameaçada e provavelmente executada por lutar contra as milícias. Foto: Mídia Ninja

“O interventor federal General Braga Netto declarou que ‘o Rio de Janeiro é laboratório para o Brasil’. E o que vemos é que neste ‘laboratório’ as cobaias são os negros e negras, periféricos, favelados, trabalhadores. A vida das pessoas não pode ser experimento de modelos de segurança.”

“[O] apontamento das favelas, como lugar do perigo, do medo que se espraia para a cidade, desperta o mito das classes perigosas […], colocando a favela como objeto principal e inimiga pública.”

— trechos de sua dissertação: UPP – A Redução da Favela a Três Letras: Uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, setembro de 2014, UFF

Foto: Mídia Ninja

“Ciclo de uma sociedade racista: enquanto mais um jovem negro e pobre é preso só por existir, mais uma mãe negra e pobre sofre com a solidão.”

— Twitter, abril de 2017

“Ser mulher negra é resistir e sobreviver o tempo todo… Olham para os nossos corpos nos diminuindo, investigam se debaixo do turbante tem droga ou piolho, negam a nossa existência.”

— em entrevista ao Brasil de Fato durante a jornada de lutas das mulheres, março de 2017

Imagem: Vereadora do Psol, Marielle Franco é assassinada a tiros no Rio de Janeiro | Mídia Ninja

“O corpo negro é elemento central na reprodução de desigualdades. Está nos cárceres repletos, nas favelas e periferias designadas como moradias.”

— artigo de opiniãoO Globo, dezembro de 2017

“É preciso romper com a naturalização do assédio no carnaval.”

— matéria de opiniãoO Globo, fevereiro de 2018. Marielle propôs também o projeto de lei Assédio não é passageiro (PL 417/2017), para criar uma campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e à violência sexual nos transportes e espaços públicos do Rio.

“As rosas da resistência nascem no asfalto. A gente recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado falando de nossa existência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas.”

— fala durante o seu pronunciamento sobre o Dia Internacional da Mulher, na Câmara dos Vereadores do Rio. Este foi seu último pronunciamento, março de 2018. Marielle refletia constantemente sobre estratégias para combater o machismo e inclusive cercava-se de mulheres para que ocupassem cada vez mais os espaços de poder político.

“Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”

— Twitter, um dia antes de sua morte, março de 2018. A postagem trazia uma reflexão sobre o assassinato de Matheus Melo de Castro, de 23 anos, baleado a caminho de casa, em Manguinhos, pela Polícia Militar. Até hoje a frase é ecoada nas manifestações, sob a forma de grito: “Marielle perguntou /eu também vou perguntar /quantos mais tem que morrer /pra essa guerra acabar?”

Debate onde estava Marielle pouco antes de ser assassinada. Foto: Reprodução Twitter @mariellefranco

“O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo para nos fortalecer naquele lugar onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê.”

“A gente não pode esperar mais dez anos [para ter mulheres negras eleitas].”

— no evento Jovens Negras Movendo as Estruturas, horas antes de ser assassinada, março de 2018. Marielle foi a quinta vereadora mais votada na primeira eleição que disputou e seu mandato era feito de forma coletiva, promovendo não só a ampla participação na política, mas especificamente trazendo negras e negros, mulheres e LGBTQI+s, entre outros, para esses espaços que lhes foi historicamente negados. Foi uma das seis mulheres, entre 51 vereadores, durante seu mandato. Enquanto Marielle ocupava uma posição de poder político, ela constantemente refletia que não podia ser a única, nem usada como justificativa pelo sistema para afirmar representatividade.

Marielle Franco – Divulgação

“Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que sejamos subjugadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam!”

— discurso que Marielle não teve a chance de fazer na votação do Plano Municipal de Educação. A votação só ocorreu alguns dias depois de seu assassinato, e o discurso de Marielle foi lido pelo Vereador Tarcísio Motta. Enquanto vereadora e presidente da Comissão da Mulher, Marielle se posicionou contra as emendas 67, 68, 69, 137 e 139, que suprimem as palavras “gênero”, “sexualidade” e “geração” do Plano Municipal de Educação.

Leia abaixo o seu discurso na íntegra:

“Boa tarde a todas e todos,

O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo.

Os números são assustadores: em 2016, foi registrada uma violência contra mulher a cada 5 horas no Estado do Rio de Janeiro.

Mas também sabemos que estes números são apenas de parte das mulheres que conseguiram, de algum modo, buscar auxílio e denunciar.

E eu pergunto à vocês: seguiremos nos recusando a falar sobre igualdade de gênero? Até quando?

O debate sobre a nossa igualdade é urgente no mundo, no Brasil e no município do Rio de Janeiro!

Enfrentar este debate é nos comprometermos com a democracia e com nosso avanço civilizatório.

Falar de igualdade entre mulheres e homens, meninas e meninos, é falar pela vida daquelas que não puderam ainda se defender da violência. E são muito mais das 50.377 registradas em 2016, aqui, no Rio.

Diferente do que se fala ou, infelizmente, do que se acostuma ver em Casas Legislativas, como esta, não somos a minoria. Somos a maior parte da população, ainda que sejamos pouco representadas na política.

Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que sejamos subjugadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam!

No Brasil, segundo o IPEA (2016), as mulheres negras brasileiras ainda não conseguiram alcançar nem 40% do rendimento total recebido por homens brancos. E somos nós, mulheres negras, que mais sofremos violências diariamente.

Só quem acha que isso é normal é quem não sofreu no corpo o machismo e o racismo estrutural. Quem acha que isso não merece ser debatido na nossa educação é porque se beneficia das desigualdades.

Por isso, quero deixar registrado que essa Casa, ao retirar os termos “gênero”, “sexualidade” e “geração”, fortalece a continuidade de desigualdades e violências dos mais diversos tipos.

Hoje falamos do principal plano para desenvolvimento social do nosso município: o Plano Municipal de Educação. Este plano merece que tenhamos compromisso e responsabilidade.

O termo “gênero” começou a ser utilizado como categoria de análise a partir de 1970 com o objetivo de dar visibilidade às desigualdades entre homens e mulheres. Logo, tanto na origem da sua criação, quanto no uso corrente em debates sobre a superação das desigualdades, falar de “gênero” tem como finalidade promover a devida atenção e crítica das discriminações sofridas pelas mulheres, e tentar achar meios para que todas e todos possamos juntos enfrentar este cenário.

Desde quando falar sobre uma opressão, que gera tantas mortes, é falar sobre alguma doutrinação?

Se dizem tanto a favor da vida, então deveriam ser a favor da igualdade de gênero. E só se promove igualdade através de uma educação consciente e do debate com nossas crianças, para que se tornem adultos melhores.

Por isso, como parlamentares responsáveis pelas cidadãs e cidadãos dessa cidade, devemos defender o debate na educação!

Se é da escola que nasce o espaço público que queremos, é indispensável que se fale de igualdade de gênero sim! Que se fale de sexualidade, de respeito, de laicidade, de racismo, de LGBTfobia, de machismo. Pois falar sobre estes temas é se comprometer com a vida, em suas múltiplas manifestações. É se comprometer com o combate à violência e a desigualdade!

É mais do que urgente que esta casa não se cale sobre as vidas que são interrompidas dia-a-dia neste Município.

Falar de igualdade de gênero é defender a vida!”

Foto: Marcelo Camargo /Agência Brasil

Foto: Mídia Ninja

Comments (1)

  1. há um pequeno erro de uma palavra , no meu senso de vista um dos primeiros resumos ;
    “[O] apontamento das favelas, como lugar do perigo, do medo que se –>espraiaespalha<–

    um bom dia ou noite para quem leu, espero que tenha ajudado

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