Na surdina, querem privatizar as águas…

Ministro Paulo Guedes aproveita-se de crise sanitária para devastar o saneamento brasileiro. Tenta emplacar projeto que estrangula financiamento e sucateia companhias públicas de água e esgotos, entregando-as ao setor privado

por Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O 22 de março, quando se comemora o Dia Mundial da Água em todo o planeta, ocorrereu em um momento em que o mundo vive a pandemia da Covid-19, declarada em 11 de março último pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), a data é oportuna para refletirmos sobre os agravos a que está sujeita as populações mais pobres do Brasil, sobretudo as que vivem em situação de rua, as que habitam nas periferias das grandes cidades, nos pequenos municípios e nas áreas rurais. Estudos do IBGE divulgados em outubro passado (PNAD Contínua) mostram que a concentração de renda vem aumentando nos últimos quatro anos devido à redução dos rendimentos dos mais pobres. Essas populações, mais vulneráveis economicamente, em geral moram em situação precária e também têm mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde, bem como de acesso, tanto físico quanto econômico, aos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

É nosso dever alertar que esse quadro pode se agravar caso a proposta de entregar a prestação dos serviços de saneamento básico ao setor privado seja aprovada no Senado Federal, aproveitando o esvaziamento do Congresso Nacional decorrente das restrições vigentes.

A proposta de se avançar no processo de privatização do saneamento básico está expressa no Projeto de Lei (PL) nº 4.162 de 2019 de autoria do Poder Executivo, já aprovado na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado Federal. Longe de enfrentar os desafios da universalização do acesso aos serviços, esse PL vai provocar uma total desestruturação do setor. Está sendo colocado em risco o mecanismo de subsídio cruzado, por meio do qual os municípios com maior arrecadação contribuem para as ações de saneamento básico naqueles municípios mais pobres de menor arrecadação. As companhias estaduais de água e esgoto, muitas das quais já em situação precária, ao invés de reestruturadas, serão desmontadas. O poder municipal, titular dos serviços, está sendo desmoralizado, impedido de definir qual a melhor forma de prestação de serviços, e sendo praticamente obrigado a promover licitações para a privatização desses serviços essenciais à saúde pública. O caráter ideológico de destruição do aparato estatal se revela em vários aspectos, especialmente quando o PL estabelece elevadas metas a serem cumpridas apenas pelos prestadores públicos de saneamento básico, desobrigando operadores privados das mesmas exigências.

É obvio que terão mais interesse dos agentes privados os municípios com maiores índices de cobertura de abastecimento de água e esgotamento sanitário, com uma população com maior capacidade de pagamento, e, portanto, com maior possibilidade de lucro. Aqueles municípios mais pobres vão ser abandonados à própria sorte, como, aliás, já vimos acontecer no Amazonas, no Tocantins e no Mato Grosso em decorrência de diferentes processos de privatização. Ao final, assistiremos ao aumento da exclusão social e ao agravamento do quadro sanitário.

Destacamos que a população mais pobre, boa parte morando em condições precárias e insalubres, desempregada ou vivendo de subempregos, é a mais dramaticamente afetada pela crise causada pelo novo coronavírus (Covid-19). Tanto do ponto de vista da saúde, óbvio, quanto dos seus rendimentos e, portanto, da capacidade de pagar suas contas. Isso porque as medidas que vêm sendo adotadas para a contenção do Covid-19, embora necessárias do ponto de vista epidemiológico, provocarão ainda mais pobreza e vulnerabilidade, em uma economia pautada pela precarização do trabalho. É uma combinação perversa quando, por um lado, o governo adota medidas econômicas tímidas e insuficientes para proteger os mais desfavorecidos economicamente no contexto da pandemia e, de outro, promove a privatização dos serviços de saneamento, o que provocará ainda mais exclusão.

A dramaticidade da conjuntura comprova que sem políticas públicas articuladas de emprego e renda, moradia, saúde e saneamento de caráter universal, seguiremos vivenciando riscos cada vez maiores. A vigência da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em políticas públicas e afetou profundamente os serviços essenciais, particularmente os de saúde e saneamento básico, aprofundam esse quadro. Por isso, defendemos sua revogação.

Em caráter emergencial, para assegurar que o acesso à água e ao saneamento não seja reduzido, propomos que as autoridades de saúde do Governo Federal proíbam o corte do abastecimento de água por inadimplência do consumidor residencial em todo o território nacional. Essa decisão, de caráter humanitário, se enquadra na necessária garantia dos direitos humanos à água e ao saneamento, um compromisso firmado pelo Brasil com a comunidade internacional.

Estivesse aprovado e vigente o conteúdo do PL 4.162/2019, com a prestação de serviços de saneamento sob o domínio do capital privado, seria impensável promover medidas emergenciais como a proposta, pois os ganhos do capital não poderiam ser reduzidos. O povo pobre, desempregado, precarizado não poderia lavar suas mãos.

Basta de Estado mínimo! Água e saneamento são direitos e não mercadorias!

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