Vale eleva nível de emergência em barragem, e 67 famílias serão evacuadas em MG

A barragem Doutor, da mina de Timbopeba, não recebeu a declaração de estabilidade e, por isso, moradores das regiões próximas precisam abandonar suas casas

Por Lara Alves, O Tempo

Sessenta e sete famílias precisarão abandonar suas casas, localizadas em Ouro Preto, na região Central de Minas Gerais, até o término do mês de abril. A evacuação é responsabilidade da Vale que, nessa quarta-feira (1º), precisou aumentar de 1 para 2 o nível de emergência da barragem Doutor, pertencente à mina de Timbopeba. A mudança no nível de emergência da estrutura está prevista no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM).

Quando uma empresa declara que sua barragem está em nível 2 significa que a estrutura não é completamente segura e, por isso, é preciso retirar todas as pessoas que moram na zona de autossalvamento – região que seria alagada em menos de 30 minutos caso ocorra colapso na barragem. A Agência Nacional de Mineração (ANM) prevê evacuação apenas em nível 3 de emergência. Contudo, após a tragédia de Brumadinho, os critérios tornaram-se mais rigorosos em Minas Gerais e, portanto, a retirada de moradores das regiões próximas acontece quando uma barragem é classificada como nível 2. Em Ouro Preto, 235 moradores serão retirados de casa, e levados para hotéis na região.

A mudança no nível de segurança da barragem Doutor aconteceu após a Vale tornar mais rigorosos os procedimentos para analisar a estabilidade de suas estruturas. Em setembro do ano passado, por ter iniciado o processo de descaracterização, a estrutura Doutor não pôde receber a Declaração de Estabilidade, responsável por sinalizar se está tudo bem na estrutura.

Àquela época, a mineradora declarou o nível 1, quando o monitoramento é intensificado e a instabilidade sinalizada. Já em março deste ano, uma nova avaliação foi feita e, novamente, a barragem Doutor não recebeu o documento que comprova sua estabilidade. Com isso, o nível de emergência subiu para 2. Segundo a Vale, essa estrutura não está operando e, portanto, sua interdição não causa impacto na produção da empresa.

A retirada dos moradores da região de risco acontecerá ao longo de todo o mês. As famílias serão levadas para hotéis da região, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, responsável por acompanhar todo o processo. “Na barragem de doutor a Vale adotou procedimentos mais conservadores (para atestar a segurança). E em função desses procedimentos mais conservadores, ela (a barragem) não atingiu o fator de segurança, nesse sentido a Vale aumentou para nível 2. Nessa barragem já houve evacuação de algumas famílias em data pretérita. Contudo, com essa elevação de nível 2, outras famílias deverão ser evacuadas”, esclarece o tenente-coronel Flávio Godinho, porta-voz do órgão estadual.

Onze famílias, assim como pontuou Godinho, já haviam sido retiradas das margens da barragem em fevereiro deste ano, quando a situação da estrutura era nível 1 de emergência. O órgão de segurança defende que não há risco de rompimento na estrutura da mina de Timbopeba, mas que a mudança de classificação trata-se apenas de uma medida preventiva.

“A portaria da ANM prescreve que a evacuação de pessoas só ocorrerá em nível de 3 de emergência. Em Minas Gerais, após Brumadinho, nós adotamos a evacuação de forma conservadora, e retiramos as pessoas quando a situação da barragem chega a nível 2. O que acontece em Doutor é que, como ela já estava sendo descaracterizada, um processo para integrá-la ao meio ambiente após encerramento das operações, ela já estava em nível 1. Agora em março ela não obteve a Declaração de Conformidade de Estabilidade e, por isso, foi elevada a nível 2”, explicou em entrevista exclusiva à Rádio Super 91,7.

O porta-voz da Defesa Civil de Minas Gerais também esclareceu que não há necessidade de pânico, uma vez que não existem registros de alteração na estabilidade da barragem Doutor. “Ela não corre risco de rompimento, se corresse seria declarado o nível 3 de emergência e precisaríamos retirar as pessoas imediatamente. Não houve qualquer mudança na estrutura da barragem. É uma medida preventiva que já iria acontecer ao longo do tempo, pela própria necessidade de descaracterização da barragem”, afirma. Segundo Godinho, encerrado o procedimento de descaracterização e atestada a segurança da estrutura, os moradores poderão retornar para suas casas.

O processo de evacuação acontecerá ao longo de todo o mês de abril de olho nas medidas mais seguras para evitar que algum dos moradores seja contaminado pelo novo coronavírus. As famílias serão, inicialmente, hospedadas em hotéis da região. No entanto, aquelas que preferirem, podem negociar para que a mineradora Vale custeie o aluguel de algum imóvel. À reportagem, a Vale declarou que o cronograma para remoção das famílias está cumprindo os protocolos de saúde e segurança recomendados diante do quadro de pandemia da Covid-19. 

Moradores desesperados

A comunidade de Antônio Pereira está a pouco mais de 1h30 de distância de Ouro Preto, município a que pertence na região Central de Minas Gerais, e em seus limites está a Mina de Timbopeba. Tradicionalmente, a comunidade abriga um grande número de aposentados, como esclarecem os próprios moradores, que, ao longo de suas carreiras, prestaram serviços para a Vale e para a Samarco.

Ali, residem idosos com idades acima de 70 anos e pessoas com comorbidades sérias, como diabetes, obesidade e câncer – que podem causar complicações de saúde caso elas sejam contaminadas pelo novo coronavírus. O processo de remoção para hotéis após a elevação do nível de emergência da barragem Doutor em plena época de pandemia do novo coronavírus causa apreensão nas 67 famílias que precisam ser retiradas no mês de abril, como desabafa Laerci Maria de Paula.

“Todo mundo está em desespero. A maior parte das pessoas na nossa rua é aposentada pela Samarco, todo mundo acima de 70 anos. Temos moradores que estão convalescendo, uma grande maioria compõe o grupo de risco do coronavírus. A Vale está ignorando isso, forçando a gente a sair de casa, criando esse alvoroço na comunidade inteira”. 

A maior preocupação para ela é a saúde dos pais idosos em caso de uma evacuação em tempos de pandemia: “Estamos fazendo de tudo para preservá-los, mas ontem já foi um alvoroço. Ontem (quarta-feira, 1º) estava chovendo quando a Vale lançou essa bomba (da necessidade de evacuação) nos grupos, todo mundo foi para a rua e isso criou uma aglomeração gigantesca. O governo nos manda ficar em casa, mas como se teremos que sair para procurar hotel?”, declarou.

Aos 50 anos, a advogada moradora de Belo Horizonte retornou para a casa dos pais para apoiá-los, isso desde que a Vale teria começado as primeiras insinuações a respeito da retirada dos moradores. Em Antônio Pereira, Laerci cuida dos pais – um idoso de 75 anos e uma senhora de 70 –, os três isolados há duas semanas como forma de prevenção à Covid-19. 

À reportagem, ela garantiu que não houve qualquer estudo para análise da estabilidade da barragem Doutor e que a retirada de moradores é parte de uma estratégia da Vale para início das obras de descomissionamento da estrutura sem a necessidade de pagamento de indenização às pessoas que residem na região. 

“A Vale nos comunicou em fevereiro que fariam uma retirada programada de todas famílias para as obras de descaracterização possam acontecer. Eu entrei na Justiça para exigir que a Vale nos dê garantias mínimas para sairmos de casa, até porque é uma desapropriação, é uma saída definitiva e obrigatória. Eu pedi um depósito no valor do imóvel para que pudéssemos sair. Eles não fizeram nenhuma proposta”, pontuou Laerci.

De acordo com ela, após a suspensão do andamento de processos, com os primeiros casos de coronavírus em Minas Gerais, a Vale retomou os pedidos para que os moradores deixem suas casas, de forma insistentes. “A Justiça está suspensa, o MP também. A Vale está aproveitando essa situação, elevou a barragem para nível 2 porque precisa retirar todo mundo para as obras de descomissionamento. Não há mudança no quesito de segurança da barragem Doutor que justifique a elevação do nível de emergência”, declara. 

A advogada reforça ainda a grave denúncia. “A Vale não quer pagar pelos nosso imóveis, então acionou nível 2 de emergência e disse para nós, moradores: ‘dentro de 30 dias, se vocês não saírem, vamos acionar a Defesa Civil e vocês vão ter que sair à força’. Se a barragem realmente estivesse em risco, ela esperaria 30 dias para que nós saíssemos para romper?”, questiona. 

Ainda de acordo com Laerci, moradores estão em pânico com toda a situação. “A Vale está usando esses artifícios para nos tirar na marra, sem pagar por nossas garantias. Antes, as obras de descomissionamento estavam suspensas, com o coronavírus. Essa semana a Vale retomou o trabalho e começou a infernizar os moradores. Eles vêm de casa em casa, batem nas portas, ligam o tempo todo, colocam caminhões de mudança nas ruas, o maior terrorismo”, declara.

Questionada a respeito das denúncias feitas pela moradora, a Vale respondeu: “a  elevação do nível não interfere no processo de remoção das famílias da Zona de Autossalvamento (ZAS), que teve início em 14 de fevereiro com o anúncio do plano de descaracterização da barragem Doutor. Onze das 78 famílias já foram realocadas”. Segundo a mineradora, as famílias participarão ativamente da escolha de suas moradias provisórias. Quanto o temor da comunidade diante da pandemia do novo coronavírus, a Vale pontuou que “apoiará a Defesa Civil no atendimento às orientações de prevenção do Covid-10, protegendo as equipes e os moradores com todas as medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde”. 

Estruturas instáveis

Além da barragem Doutor, outras estruturas coordenadas pela Vale também não receberam a Declaração de Estabilidade em setembro de 2019 e março deste ano. As barragens Capitão do Mato, da mina Capitão do Mato em Nova lima, e Sul Inferior pertencente à mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais, também subiram do nível 1 para o nível 2 de emergência – isso em data pretérita. Contudo, nessas duas regiões os moradores já tinham sido evacuados e, por isso, nenhuma outra medida para retirada de pessoas será necessária nessas localidades. Aliás, a mina de Gongo Soco possui uma outra barragem em nível máximo de alerta, nível 3, a Sul Superior.

“Nós recebemos a informação, pela Vale, de que seria alterado o nível de algumas das barragens, não só a barragem Doutor. Essas estruturas não receberam a declaração de estabilidade, que precisa ser obtida duas vezes ao ano, de seis em seis meses. Como a Vale não renovou a declaração, automaticamente o nível dessas barragens subiu para 1. Elevando para 1 não há nenhuma alteração que exija remoção de famílias, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM)”, esclareceu o tenente-coronel Flávio Godinho.

Através de um comunicado em seu site, a Vale declarou que estão secos os reservatórios de todas as barragens nos níveis 2 e 3, e o aporte de água dessas estruturas está sendo minimizado. “A Vale está construindo três estruturas de contenção das barragens em nível 3, já tendo concluído aquela relativa à barragem Sul Superior e com previsão para completar as demais ainda durante o 1º semestre de 2020”, pontuou. Além das nove estruturas que estão classificadas nesses dois níveis mais altos, há outras 17 represas da Vale, em Minas Gerais, em nível 1 de emergência – as regiões onde elas estão não precisam ser evacuadas.

Veja quais barragens da Vale, em MG, estão em níveis de emergência:

Nível 1: Barragem VI (mina Córrego do Feijão), Capim Branco (Complexo Paraopeba), Campo Grande (mina Alegria), Dique B (mina Capitão do Mato), Forquilha IV (Complexo Fábrica), Itabiruçu (Complexo Itabira), Maravilhas II (Complexo Vargem Grande), Marés I (Complexo Fábrica), Marés II (Complexo Fábrica), Menezes II (mina Córrego do Feijão), Norte/Laranjeiras (mina Brucutu), Peneirinha (mina Capitão do Mato), Pulha Xingu (mina Alegria), Santana (Complexo Itabira), Sistema 5 (mina de Águas Claras), Sistema Pontal (Complexo Itabira) e Vargem Grande (Complexo Vargem Grande).

Nível 2: Capitão do Mato (mina Capitão do Mato), Doutor (mina Timbopeba), Forquilha II (Complexo Fábrica), Grupo (Complexo Fábrica) e Sul inferior (mina de Gongo Soco).

Nível 3: B3/B4 (mina Mar Azul), Forquilha I (Complexo Fábrica), Forquilha III (Complexo Fábrica) e Sul Superior (mina de Gongo Soco)

Leia, na íntegra, o posicionamento da Vale: 

A Vale acionou, nesta quarta-feira (1/4), o nível 2 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) para a barragem Doutor, da mina Timbopeba, em Ouro Preto (MG), localizada a 40km da sede da cidade. A medida é preventiva e ocorre em função da adoção de critérios mais conservadores para determinar a condição de segurança da estrutura. É importante destacar que não houve alterações físicas na barragem.

A elevação do nível não interfere no processo de remoção das famílias da Zona de Autossalvamento (ZAS), que teve início em fevereiro com o anúncio do plano de descaracterização da barragem. Onze das 78 famílias já foram realocadas para hotéis ou moradias provisórias disponibilizadas pela Vale, conforme suas escolhas. A operação está sendo conduzida pela Defesa Civil com o apoio da Vale. Cerca de 200 animais, no total, também receberão acolhimento até que possam ser devolvidos aos seus donos.

O cronograma de remoção das famílias da ZAS segue, até o final de abril, cumprindo os protocolos de saúde e segurança recomendados diante do quadro de pandemia da Doença do Coronavírus (COVID-19).

Imagem: A barragem Doutor está passando por um processo de descaracterização, que acontece quando são encerradas as operações e a estrutura precisa ser integrada ao meio ambiente – Foto: Reprodução/Google Maps

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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