Fundação Renova vem se negando a reparar danos em imóveis causados pela retirada da lama que cobriu parte da cidade de Barra Longa (MG) após o rompimento da barragem de Fundão
Ministério Público Federal em Minas Gerais
O Ministério Público Federal (MPF), através da Força-Tarefa que atua no caso Samarco, recorreu de decisão proferida pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG) negando legitimidade a decisões do Comitê Interfederativo (CIF) e prejudicando os direitos de famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão ocorrido no dia 5 de novembro de 2015.
O recurso, denominado agravo de instrumento, pede que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reforme decisão do Juízo de primeira instância que, ao acolher pedido das empresas Samarco, Vale e BHP, desconsiderou determinação do CIF quanto à obrigatoriedade de reparação de residências danificadas no município de Barra Longa (MG) e determinou a realização de perícia nessas moradias.
De acordo com o MPF, o recurso, interposto no último dia 1º de abril, não objetiva questionar a decisão quanto ao periciamento das trincas e/ou rachaduras nos imóveis, “mas sim quanto a não ter o decisum considerado os acordos previamente celebrados entre a Fundação Renova, AEDAS e a Comissão de Atingidos instituída localmente”, com intensa participação do próprio Ministério Público Federal. Tais acordos, repete o agravo, já foram “chancelados pelas mantenedoras Vale S.A., BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco S/A”, o que dispensaria a produção de novas provas.
Para o MPF, as empresas, por sinal, “não poderiam vir a juízo exercer um comportamento em contrariedade com o anterior, sequer mencionando a existência dos acordos, em clara afronta à proteção da confiança e boa-fé”.
O maior desastre ambiental da história do Brasil – e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração – acarretou severos prejuízos ao meio ambiente e a milhares de pessoas ao longo de toda a bacia hidrográfica do rio Doce e grande parte do litoral capixaba, resultando no ajuizamento de medidas judiciais e extrajudiciais para a reparação e compensação dos imensuráveis danos causados ao meio ambiente e à vida das populações atingidas.
Comitê Interfederativo – Com o objetivo de iniciar o processo de reparação, a União e os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo celebraram Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) no dia 02 de março de 2016, instituindo a Fundação Renova, uma entidade de direito privado, mantida pelo capital das empresas poluidoras (Vale, Samarco e BHP Billiton) e fiscalizada por uma instância coletiva de governança, o Comitê Interfederativo (CIF).
O CIF é uma estrutura externa e independente da Fundação Renova, formado exclusivamente por representantes do Poder Público, e tem por função acompanhar, monitorar e fiscalizar o cumprimento dos programas de reparação e compensação dos danos causados pelo desastre.
Em junho de 2018, os Ministérios Públicos Federal, dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, ao lado das Defensorias Públicas da União e de ambos os Estados, com as empresas agravadas e com os entes federativos firmaram um novo acordo, que alterou o sistema de governança instituído pelo TTAC, passando a assegurar participação dos atingidos no processo de reparação de seus direitos. Esse TAP foi homologado pelo Juízo da 12ª Vara Federal em agosto seguinte.
A repactuação previu a elaboração de estudos por empresas com expertise nas áreas a serem analisadas, bem como a contratação de assessorias técnicas independentes para auxiliar os atingidos em suas decisões.
“Confiando legitimamente que a sistemática acordada seria respeitada pelas empresas, os atingidos têm levado seus questionamentos às Câmaras Técnicas pertinentes, observando prazos e ritos, mesmo considerando emergenciais alguns pleitos”, relata o agravo.
Um desses pleitos é justamente o de reparação de imóveis danificados pelo desastre na cidade de Barra Longa.
Trincas e rachaduras – Cortada pelo rio do Carmo, Barra Longa estava no caminho da lama, e acabou recebendo cerca de dois milhões de m³ de rejeito de minério, dos quais se calcula que 502.000 m³ tenham se depositado no centro urbano.
Para retirar somente parte desse rejeito – aproximadamente 366 mil toneladas de lama (em metros cúbicos, 183.000 m³) -, foram necessárias mais de 20.000 viagens de caminhão, o que, evidentemente, sobrecarregou ainda mais o terreno das vias e construções próximas, extrapolando em muito suas capacidades de resistência a tensões estruturais, ordinariamente baixas, como costuma ocorrer em cidades do interior de Minas Gerais e do Brasil, mais ainda em Barra Longa, erguida no século XVII.
Antes isolado e oferecendo uma vida pacata aos seus moradores, o município transformou-se em um tumultuado canteiro de obras, com intensa movimentação de veículos pesados e máquinas, cenário no qual começam a surgir relatos, pelos moradores, do aparecimento de trincas e fissuras em suas edificações.
A requisição dos atingidos de Barra Longa é o reparo ou reconstrução de 234 unidades habitacionais, que foram vistoriadas não só por empresa de engenharia contratada pela Renova, como pela Assessoria Técnica contratada pelos atingidos e pela Superintendência de Habitação de Interesse Social da Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional de Minas Gerais. Os laudos e pareceres técnicos produzidos por tais entidades e órgão embasaram a Deliberação 207 do CIF, que determinou que a Fundação Renova procedesse à reparação das edificações.
E isso, efetivamente, já vinha ocorrendo, quando as empresas, em violação ao princípio do retrocesso social, consubstanciado na vedação de se retroceder em parciais acordos de reparação em razão dos danos socioeconômicos acarretados pelo rompimento da barragem da Samarco Mineração, ingressaram em juízo contestando a autoridade do sistema CIF, e “desfigurando-o, a partir do esvaziamento do caráter cogente de suas deliberações”, afirma o MPF.
O recurso pede que, em caráter de urgência, o TRF suspenda os efeitos da decisão agravada, de modo a permitir a continuidade das medidas de reparação, conforme determina a Deliberação 207 do CIF.
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Arte: Secom/PGR